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Na história das civilizações humanas, o trabalho tem sido uma das atividades sociais imprescindíveis à sobrevivência dos homens e base para a organização e funcionamento das sociedades. Offe reforça tal argumentação nessa direção:

[...] todas as sociedades são impelidas a estabelecer, através do trabalho, uma “relação metabólica com a natureza” e a organizar esse metabolismo de modo que seus resultados sejam suficientes para a sobrevivência física do homem em sociedade e para estabilização da forma especifica de organização desse metabolismo (OFFE, 1989, p. 13).

No capítulo V de “O Capital” – o processo de trabalho - Marx introduz o conceito de trabalho e este é fundamental para análise e transformação da sociedade. Para Marx, é a partir do trabalho que o homem torna-se um ser social, distinguindo-se de todos os animais, uma vez que o ser humano tem ideado, em sua consciência, a configuração que quer imprimir ao objeto do trabalho, antes de sua realização, conforme a seguir:

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica ao mesmo tempo sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. [...] Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem (MARX, 1988, p. 142, grifo nosso).

Nota-se aí que Marx singulariza o homem ao delegar-lhe o poder de agir sobre a natureza modificando-a e transformando-a em objetos úteis à coletividade e nesse processo ao mesmo tempo o homem também se modifica transformando-se, por intermédio do trabalho, em um ser cultural e assim se constituindo em homo não apenas faber, mas sapiens. E, o que é fundamental, faz a sua própria história. Toda chamada história mundial, assegura Marx, não é senão a produção do homem pelo trabalho humano. É nessa dimensão que se pode afirmar a centralidade do trabalho, uma vez que: o trabalho é categoria fundante do ser social; o trabalho é produtor de todas as dimensões da vida humana; o trabalho é um ato de pôr consciente; o trabalho é o eixo fundamental para a constituição da subjetividade humana.

Por isso pode-se dizer que o trabalho define a essência humana. O homem para continuar existindo, reforça Saviani (2010, p. 153), “precisa estar continuadamente produzindo sua própria existência através do trabalho”.

Diante disso, o papel especial e central do trabalho no que se refere à sua divisão, à classe trabalhadora e seus hábitos de trabalho e à organização do trabalho vêm sendo focados por estudiosos das mais diversas áreas: economistas, historiadores, sociólogos, filósofos, educadores, antropólogos, entre outros, que apesar das divergências na abordagem metodológica e nos resultados teóricos, consideram que o trabalho assume uma posição estratégica e constitui-se um dos principais temas e pedra fundamental das teorias nas ciências humanas e sociais da atualidade.

Alguns teóricos contemporâneos, com base na crise da sociedade do trabalho,35

defendem a tese do fim do trabalho, da classe trabalhadora e da consequente perda da centralidade do trabalho. A lista é muito ampla, todavia, como não se pretende aqui realizar uma análise exaustiva de todas as dimensões da questão, mas apenas situar algumas críticas da chamada “sociedade do trabalho”, toma-se como exemplos, entre tantos, o de Dominique Méda (1995); Jeremy Rifkin (1995); Robert Kurz (1992); Adam Schaff (1990); Claus Offe (1989) e André Gorz (1980) em suas respectivas obras: Le travail: une valeur em voie de disparition (O trabalho: um valor em vias de desaparecimento); O fim dos empregos;

35Sociedade do trabalho é uma expressão cunhada por Dahrendorf para referir-se à visão da sociologia clássica de Werber e Durkheim que tem no trabalho a categoria explicativa central. O entendimento por parte desses autores de crise está em “uma situação na qual repentinamente, instituições tradicionais e evidências incontestáveis tornam-se controvérsias, onde inesperadamente surgem dificuldades de relevância fundamental, onde não se sabe o que vai acontecer” (OFFE, 1998, p. 96);

O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial; Sociedade Informática; Trabalho e sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho; Adeus ao proletariado: para além do socialismo.36

36Cabe, apenas, registrar de forma resumida, já que não é a proposta deste estudo o aprofundamento dessas obras, as principais ideias dos autores em seus livros:

- A autora Dominique Méda amplia o universo weberiano do “desencanto do mundo” para o “desencanto do trabalho”, um valor em via de desaparição. Sua proposta teórica é a de que a esfera do trabalho na sociedade contemporânea deve ser relativizada e minimizada, com redução da razão instrumental. O que se compensaria pela ampliação da participação política, no exercício de “uma nova cidadania”. Ela tenta explicar por que glorificamos o instrumento do nosso sofrimento e como o trabalho pôde ser entendido como a origem da relação social. Ela esboça, assim, uma ordem de prioridades: antes de nos envolvermos na procura de soluções para o desemprego, interroguemo-nos sobre o sentido do trabalho; antes de apresentarmos respostas exclusivamente econômicas a esta questão, façamos a crítica da própria economia; no momento de aplicar políticas, examinemos primeiro as relações estreitas que a ideologia do trabalho e o esgotamento da política mantêm (MÉDA, 1995);

- Rifkin em "O fim dos empregos" apresenta uma visão um tanto preocupante, e, ao mesmo tempo, esperançosa do futuro. Ele argumenta que o mundo está entrando em uma nova fase na história. Prevendo que o mundo no século XXI seria maravilhoso, uma espécie de "aldeia global", com todos os seres falando a mesma língua, usando as mesmas roupas e ouvindo as mesmas músicas. Entretanto, Rifkin prevê também, um futuro não tão brilhante: afirma que a automatização proveniente de máquinas e computadores, oferece um ganho em produtividade e uma redução de custos, que a princípio oferece a falsa visão que mais pessoas poderão entrar no mercado de consumo e adquirir bens; e que a sociedade caminha para um declínio dos empregos. A mais sombria previsão de dele é que os trabalhos perdidos pelo ser humano para as máquinas nunca mais serão feitos por homens (RIFKIN, 1995);

- A tese básica de Kurz é o colapso da modernização: a crise do trabalho abstrato é que a modernização ao transformar as relações sociais em mercadoria entra numa crise qualitativamente diferente das crises cíclicas e está à beira do colapso e carrega consigo: o fim do trabalho abstrato, da mercadoria força de trabalho; fim das classes sociais; socialismo de caserna: a sociedade regida mais ou menos pela liberdade das regras do mercado e o socialismo real. Os trabalhadores para ele são prisioneiros e partícipes da forma-mercadoria. (KURZ, 1992);

- Adam Schaff anuncia o fim do trabalho abstrato na sociedade da informática, no texto Sociedade Informática, busca apreender e dimensionar o profundo impacto da II Revolução Industrial, sobre a formação econômica, política e cultural da sociedade e do indivíduo, a revolução da ciência e da técnica trás modificações na produção e serviços daí produz mudanças nas relações sociais. Para Schaff, a sociedade futura não será nem o capitalismo, nem o socialismo, da forma que conhecemos hoje. Ele sugere que se denomine economia coletivista. Preconiza o fim do trabalho abstrato e consequentemente, o fim das classes sociais fundamentais. Aponta modificação: no plano político problema crucial para a democracia e o papel primordial da educação para elevar a consciência social; no plano cultural e do indivíduo, as mudanças tecnológicas tendem a transformar o homem no cidadão do mundo “homo universalis” (SCHAFF, 1990); - Claus Offe e a perda da centralidade do trabalho na vida social: os três argumentos atribuídos para sinalizar a crise da sociedade do trabalho são: desagregação político-organizacional da classe trabalhadora; descentralização do trabalho como eixo estruturador das identidades individuais e coletivas; obsolecência do conflito capital-trabalho como contradição fundamental das sociedades contemporâneas. Como consequência destaca: perda do caráter explicativo fundamental do trabalho como categoria sociológica; pesquisas da sociologia industrial abandona o tema trabalho e este se reduz a “uma variável dependente de políticas de humanização; surgimento da Sociedade pós-industrial de serviços que dilui a referência unitária do trabalho; consciência social não mais reconstruída como consciência de classe, e, portanto a Sociologia deve buscar outras categorias para constituir seu objeto de estudo “que vá além da esfera do trabalho” (OFFE, 1989);

Apesar dos citados autores não se situarem num mesmo terreno teórico, e nem mesmo empírico-histórico, têm o mérito de trazer ao debate a problemática teórica, elementos de diagnóstico da fase atual do capitalismo, particularmente sobre o trabalho humano. Portanto, as questões e contra-argumentações das ideias desses autores e análise da fase atual do capitalismo, particularmente do trabalho humano, são de extrema relevância social.

Não há como negar as mudanças profundas no conteúdo, na divisão, na quantidade e qualidade de trabalho demandado no processo produtivo da fase atual do capitalismo. Todavia, apesar desta crise do trabalho, não se pode afirmar a perda da centralidade do mesmo na vida humana. O processo de contra-argumentação pode ser realizado utilizando- se de estudiosos desse tema tais como: Frigotto, Antunes, Perry Anderson, Habermas, Konder, Kosik, Therborn, Hobsbawn, Manacorda, Gianotti, Oliveira, Williams, dentre outros.

Para rebater Kurz, Antunes (2005) qualifica a dimensão da crise que está sendo tratada pelo autor:

[...] o da crise da sociedade do trabalho abstrato, há uma diferenciação que nos parece decisiva e que, em geral, tem sido negligenciada. [...] Em outras palavras: uma coisa é conceber, com a eliminação do capital e de seu sistema de metabolismo social, o fim do trabalho abstrato, do trabalho estranhado e alienado: outra, muito distinta, é conceber a eliminação, no universo da sociabilidade humana, do trabalho concreto, que cria coisas socialmente úteis e que ao fazê-lo, (auto)transforma seu próprio criador. Como criador de valor de uso, não nos parece plausível conceber, no universo da sociabilidade humana, a extinção do trabalho social em seu sentido (auto)formativo (ANTUNES, 2005, p. 33).

Em Williams utiliza-se a contra-argumentação para contestar Schaff:

[...] O pleno significado da Revolução Industrial não se reduz à introdução e ao desenvolvimento de novas forças produtivas. O que começou a mudar a partir de 1760 foi todo conjunto de relações de produção, as quais, finalmente, constituíram uma nova ordem social. [...] a simples tentativa de criar um novo tipo de sociedade,

- A tese básica de Gorz é a abolição do trabalho, que segundo ele está em crise porque há crise no movimento operário e este se encontra em crise porque entramos na era da abolição do trabalho (GORZ, 1980). Para ele, como a redução dos empregos estáveis, regulados e assalariados e o aumento do número de trabalhadores informais, indicariam que o trabalho estaria perdendo sua força enquanto categoria analítica do mundo social. “Em outras palavras, estaríamos vivendo numa sociedade pós-trabalho”. Gorz avalia que a realidade atual, onde "cada vez menos pessoas produzem cada vez mais riquezas", é o prenúncio do fim do trabalho assalariado e da produção fundada no valor-de-troca. Com o suposto fim do trabalho assalariado, e consequentemente também do salário, André Gorz propõe uma renda básica mínima para todos - e a transição para um outro tipo de sociedade, não a sociedade do trabalho, mas a sociedade do conhecimento, da cultura (GORZ, 1980).

Maiores informações consultar as obras dos autores e o Capítulo III – O fim da sociedade do trabalho e não centralidade do trabalho na vida humana, in: FRIGOTTO, Galdêncio. Educação e a crise do capitalismo real, 2003: e in: O capítulo I – A crise da sociedade do trabalho, in: ANTUNES, Ricardo, 2005.

mais justa mais racional e mais humana, conduz, por seus próprios processos e impulsos, e entre eles, sobretudo o planejamento oposto: uma ordem mais repressiva, mais arbitrária, mais padronizada e desumana(WILLIAMS, 1984, p. 21).

Para rebater Offe, busca-se em Konder o reforço da visão ontológica do trabalho:

O sujeito humano se contrapõe e se afirma como sujeito, num movimento realizado para dominar a realidade objetiva: modifica o mundo e se modifica si mesmo. Produz objetos e, paralelamente, altera sua própria maneira de estar na realidade objetiva e de percebê-la. E – o que é fundamental – faz a sua própria história. “Toda chamada história mundial” – assegura Marx – não é senão a produção do homem pelo trabalho humano (KONDER, 1992, p. 105).

Para Antunes (2005), esses críticos da sociedade do trabalho estão equivocados ao enfatizar, eurocentricamente, que o trabalho está em vias de desaparição, que o capital não necessita mais dessa “mercadoria especial”. Ele lembra que pelo menos 2/3 da humanidade que trabalha está situada na Ásia, no Oriente e na América Latina e que não parece um bom recorte analítico teorizar sobre o trabalho com uma ótica predominantemente eurocêntrica. “Isso sem falar das complexificações que decorrem da nova divisão internacional do trabalho na era do capital mundializado” (ANTUNES, 2005, p. 26).

Na visão de Frigotto (2003), a análise e as propostas utópicas que ultrapassem as perspectivas dos autores exemplificados, enquanto caminho de ruptura, são cada vez mais necessárias: a crise da forma mercadoria de trabalho, do trabalho abstrato, portanto, não significa o fim da centralidade do trabalho enquanto o processo criador do ser humano na sua dupla e inseparável dimensão de necessidade e liberdade.

Contrariamente às teses que advogam o fim do trabalho ou da classe trabalhadora, Antunes (2005, 2007) argumenta que o grande desafio está em compreender de modo abrangente como a nova “polissemia”37do trabalho, a sua nova morfologia e suas múltiplas

potencialidades, cujo elemento mais visível “é seu desenho multifacetado, resultado das fortes mutações que abalaram o mundo produtivo do capital nas últimas décadas” (ANTUNES, 2007, p. 14).

Ao invés da substituição do trabalho pela ciência, ou ainda a substituição da produção de valores pela esfera comunicacional, da substituição da produção pela informação, o que se pode presenciar no mundo contemporâneo é uma maior

37Para Frigotto, diz-se que um termo é polissêmico quando é utilizado com várias significações. Por exemplo, ao examinar as relações sociais de produção na especificidade da sociedade capitalista, Marx mostra que produtivo é o trabalho que produz mais-valia. Este, todavia, não é o sentido dado pelo pensamento liberal nem pelo senso comum. No pensamento econômico liberal, é uma relação entre os insumos aplicados e o resultado da produção. No sentido dicionarizado, usualmente trabalho produtivo é aquele que rende mais, que produz mais ou é mais eficaz (FRIGOTTO, 2009, p. 168).

inter-relação, uma maior interpenetração entre as atividades produtivas e as improdutivas, entre as atividades fabris e de serviços, entre as atividades laborativas e as atividades de concepção, que se expandem no contexto da reestruturação produtiva do capital (ANTUNES, 2002, p. 43).

Dessa forma, reafirma o caráter de centralidade para o trabalho, como expressão do trabalho social, que na contemporaneidade, é mais “complexificado”, socialmente combinado e ainda mais heterogêneo e intensificado nos seus ritmos e processos. Portanto, Antunes o considera como um elemento produtor de valores de uso, e não como um produtor de valores de troca, que é o que vem ocorrendo na sociedade capitalista, a qual propicia cada vez mais a exploração e a intensificação do ritmo de trabalho, afetando diretamente aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de míseros salários.

Manfredi (2009, 2010), Frigotto (1989, 2003, 2009), Antunes (2002, 2005, 2007) e parte significativa dos teóricos argumentam que a noção ou a polissemia da categoria trabalho e as diferentes formas concretas de sua efetivação resultam das relações sociais em diferentes épocas históricas. Reforça Frigotto:

[...] explicita-se que a polissemia do trabalho resulta de um complexo processo que se desenvolve historicamente nas relações sociais e se vincula à produção material e na cultura, mediante valores, símbolos, tradições e costumes. O sentido que vai assumir, tanto na linguagem do senso comum quanto nos âmbitos das ciências, na sociedade de classes, resulta de relações de poder e dominação (FRIGOTTO, 2009, p. 190-191).

Portanto, as transformações a respeito da sua natureza e seus significados vão se construindo e reconstruindo ao longo da evolução da sociedade humana, variando conforme os modos de organização da produção e da distribuição de riquezas e poder nos âmbitos da economia, da cultura, da política, da arte e da educação.

Nas sociedades primitivas e agrícolas ou pré-industriais predominava as formas de trabalho manual, executado com o emprego da força física e instrumentos rudimentares, assim como também as suas técnicas de produção. A base da economia era de subsistência – coleta, pesca, agricultura e a divisão de trabalho se dava pela repartição de tarefas por idade e sexo em que as crianças, jovens e mulheres se dedicavam aos afazeres domésticos e à agricultura, enquanto que aos homens eram reservadas as tarefas mais “nobres” como a colheita e a caça. O modo de produção era comunal, não havia classes, é o que hoje se chama de “comunismo primitivo” (SAVIANI, 2010, p. 152).

Nessas civilizações, os homens compartilhavam suas experiências e aprendiam uns como os outros as atividades laborais, não existia a diferenciação entre o trabalho físico e o

intelectual, mas o trabalho era uma necessidade de sobrevivência e a educação acontecia precisamente através do trabalho e as demais atividades do grupo. Eles aprendiam de maneira espontânea e natural e não tinham consciência do processo formativo, já que não se davam conta de que nesse processo espontâneo as gerações jovens iam assimilando os bens culturais e da sociedade. Nesse contexto, Enguita (2003) enfoca que em uma economia de subsistência primitiva, os meios de produção, o trabalho e a informação atingem dimensões limitadas e manejável em escala individual e doméstica.

Com a ampliação da produção agrícola, do aperfeiçoamento dos instrumentos e equipamentos, do surgimento e crescimento das cidades, das lutas e guerras por domínio de territórios, da produção artesanal e do desenvolvimento do comércio, segundo Manfredi (2002) e Offe (1989), passa a surgir uma nova divisão social do trabalho associada ao aparecimento de classes sociais distintas, ao domínio da produção, da distribuição e comércio de bens, do exercício das funções religiosas e políticas, tais como: agricultores, artesãos, comerciantes, guerreiros, senhores feudais e padres.

Historicamente, por volta dos séculos XV e XVI, na Europa, diante das grandes transformações econômicas e técnicas ocorre um processo de metamorfose do trabalho, com atestam Thompson (1989), Hobsbawn (1977, 1987), Manfredi (2002), Enguita (1989, 2003) e Antunes (2000, 2005, 2007), que de autônomo e independente passou a ser assalariado, dependente e sob o controle do capital. A princípio se deu com os produtos agrícolas e posteriormente com os produtos produzidos nas oficinas e fábricas. Como afirma Offe:

Esse processo de diferenciação e purificação, que pela primeira vez tornou-se possível a personificação do trabalho na figura social do “trabalhador”, estende-se da diferenciação entre a esfera doméstica e a do trabalho, entre a propriedade e o trabalho remunerado. O trabalho “livre”, solto dos vínculos feudais, orientado pelo mercado [...] (OFFE, 1989, p. 14).

Dessa forma, no transcurso do século XVIII para o século XIX, diante do processo de industrialização e do consequente avanço tecnológico iniciado na Inglaterra, as transformações das atividades são caracterizadas pela passagem do trabalho doméstico e artesanal para o trabalho fabril como argumenta Enguita:

A fábrica (ou, de maneira mais geral, a organização do trabalho) representou uma ruptura radical com a economia de subsistência (unidades familiares autossuficientes, logicamente camponesas) e com o trabalho por conta própria para o mercado (artesanato, agricultura comercial, pequeno comércio) (ENGUITA, 2003, p. 29).

Esse mesmo autor ressalta que a economia, em termos mais restritos a produção, pode ser interpretada como um sistema pelo qual fluem três elementos:38 matéria, energia e

informação/conhecimento, mas as coisas mudam quando qualquer um desses elementos começa a ser utilizado em grande escala, isto é, quando os meios de produção atingem um volume tal que apenas alguns poucos podem obtê-los ou controlá-los; os trabalhadores passam a cooperar regularmente em grandes grupos cuja eficácia requer autoridade coordenadora; ou a informação e o conhecimento aumentam de maneira que cada indivíduo só pode possuir uma parte dele.

O poder diferencial sobre esses três elementos é o que Enguita categoriza como: propriedade, autoridade e qualificação.39 A Figura 5 ilustra de forma sintética algumas

peculiaridades das três revoluções industriais tomando-se como parâmetros as mudanças revolucionárias nas estruturas de “propriedade, autoridade e qualificação” que embora possuam características distintas, têm um elemento comum: todas elas são formas de poder.

38Peculiaridade da matéria, energia e informação/conhecimento, segundo Enguita: A “matéria” do sistema econômico produtivo não é a mesma que de um sistema físico, mas inclui todos aqueles elementos que, por si mesmos, são inerentes a partir da perspectiva do sistema, embora possa ser utilizados como meios de