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2. AS TUTELAS COLETIVAS E A IRRESPONSABILIDADE

2.2. TEMÁTICA PROCESSUAL COLETIVA – UM PANORAMA DO

2.2.4. As tutelas coletivas na tradição italiana

A Itália, “berço dos movimentos sociais e do direito do trabalho” foi campo fértil para a proliferação de estudos relacionados à intervenção coletiva em várias áreas175, daí seu papel relevante também no estudo das tutelas coletivas. Um marco na temática,

171 Ibid., p. 1-4.

172 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. Op. Cit., p. 142-147.

173 TÉTRAULT, McCarthy. Defending class actions in Canada. Op. Cit., p. 8. 174 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Op. Cit., p. 157-162.

explica Mendes, foi a intervenção de Cappelletti, em meados dos anos 1970, pautada na crítica à dicotomia publico/privado, considerada inadequada às características atuais das relações jurídicas, marcadas pelas violações de massa. Daí a necessidade de adequação do processo às exigências da proteção de grupos, como nas relações de consumo e na proteção do ambiente: enquanto a concepção tradicional vê o processo como solução de um conflito entre duas partes singulares, a nova concepção “procura construir um novo tipo de justiça”, capaz de tutelar “interesses legítimos, que dizem respeito a setores, grupos, classes e coletividades inteiras”176.

Outro marco foi a obra de Vincenzo Vigoriti (Interesse collettivi e processo: la legittimazione ad agire), a “monografia mais ampla e densa sobre o tema dos interesses coletivos”. A obra sistematiza o estudo do processo coletivo, com enfoque na participação popular, define o interesse coletivo como “a consciência (consapevolezza) da dimensão coletiva e a organização para a persecução do objetivo comum”, diferencia interesses coletivos e difusos e defende a legitimação de grupos e dos órgãos públicos, criticando a defesa dos interesses coletivos pelo Ministério Público177.

A evolução legislativa italiana não acompanha a evolução doutrinária à altura, mas destacam-se normas importantes como a Lei no. 281 de 1998 que disciplina o direito de usuários de serviços e

consumidores178. A lei tem como finalidade, em consonância com os

princípios constantes nos tratados constitutivos e nas normativas comunitárias europeias, garantir os direitos individuais e coletivos dos consumidores e usuários de produtos e serviços “inclusive na

forma coletiva e associativa”179. São assumidos sete direitos

fundamentais do consumidor, com destaque para a promoção e o desenvolvimento do associacionismo livre, voluntário e democrático entre consumidores, e para o direito à qualidade e segurança dos

176 Ibid., p. 98-99. 177 Ibid., p. 104-105.

178 ITALIA. Legge n. 281, 30 luglio 1998. Disciplina dei diritti dei consumatori e degli utenti. Disponível em <http://www.camera.it./>. Acesso em 20 de abri de 2011.

179 “Art. 1. Finalita' ed oggetto della legge 1. In conformita' ai principi contenuti nei trattati istitutivi delle Comunita' europee e nel trattato sull'Unione europea nonche' nella normativa comunitaria derivata, sono riconosciuti e garantiti i diritti e gli interessi individuali e collettivi dei consumatori e degli utenti, ne e' promossa la tutela in sede nazionale e locale, anche in forma collettiva e associativa, sono favorite le iniziative rivolte a perseguire tali finalita', anche attraverso la isciplina dei rapporti tra le associazioni dei consumatori e degli utenti e le pubbliche amministrazioni […]. ITALIA. Legge n. 281, 30 luglio 1998. Cit.

produtos e serviços, à informação e publicidade, e à tutela da

saúde180, temas claramente atinentes à problemática ecológica.

Se, por um lado, é certo que o objeto tutelado pelo direito do ambiente é mais amplo do que aquele tutelado pelo direito do consumidor, é também verdade que se costuma subestimar a utilidade da aplicação das normas consumeristas na proteção do ambiente. Frequentemente, a lesão ambiental constitui lesão ao consumidor – fato que dá coerência ao sistema integrado LACP + CDC no direito brasileiro. O fornecedor, ao degradar o meio ambiente com finalidade de lucro, lesa o direito fundamental ao meio ambiente sadio dos consumidores, os quais podem promover

ação civil pública pretendendo reparação pelos danos causados181. A

responsabilidade do fornecedor não abrange apenas danos causados pelo produto em si mesmo considerado: responde aquele que degradou o meio ambiente para produzi-los, montá-los, criá-los, construí-los, transformá-los, importá-los, exportá-los, distribuí-los ou comercializá-los, como atesta a definição de “fornecedor”, trazida

no artigo 3º do CDC182. Uma vez que o dano ambiental decorrente de

tais atividades é também um dano ao consumidor, todo aparato legal de tutela da relação de consumo se faz aplicável ao caso.

O conceito de relação de consumo do CDC, ademais, é extremamente amplo e contempla não apenas a relação direta entre consumidor e fornecedor, mas quaisquer lesões que este venha a sofrer em decorrência de sua vulnerabilidade. Um consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, ou coletividade de pessoas, ainda que

180 “Art. 1. Finalita' ed oggetto della legge […] 2. Ai consumatori ed agli utenti sono riconosciuti come fondamentali i diritti: a) alla tutela della salute; b) alla sicurezza e alla qualita' dei prodotti e dei servizi; c) ad una adeguata informazione e ad una corretta pubblicita'; d) all'educazione al consumo; e) alla correttezza, trasparenza ed equita' nei rapporti contrattuali concernenti beni e servizi; f) alla promozione e allo sviluppo dell'associazionismo libero, volontario e democratico tra i consumatori e gli utenti; g) all'erogazione di servizi pubblici secondo standard di qualita' e di efficienza”. ITALIA. Legge n. 281, 30 luglio 1998. Cit.

181 O artigo 6º do CDC prevê, além da possibilidade de inversão do ônus da prova, que “são direitos básicos do consumidor: [...] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. BRASIL. Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990. Cit.

182 Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” BRASIL. Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990. Cit.

indetermináveis, que “haja intervindo nas relações de consumo”183. A coletividade interessada na reparação do dano ambiental causado por uma empresa produtora de bens de consumo é uma interveniente da relação de consumo, uma vez que consome os bens produzidos, consubstanciando as qualidades de consumidora e corpo social lesado.

Nem sempre argumentações como esta são consideradas em toda sua profundidade; contudo, um dos grandes passos da legislação brasileira na temática coletiva foi a integração entre LACP e CDC, na defesa dos interesses transindividuais de todas as naturezas. Outro ponto de grande relevância é a tendência de alargamento da legitimação para propositura das ações coletivas, tanto na legislação vigente como em todas as propostas de aprimoramento, em maior ou menos grau. O artigo 5º da Lei 281 italiana, neste particular, estabeleceu a necessidade de registro das associações junto ao Ministério da Indústria e uma série de exigências em torno desse registro, o que dificulta em muito a atuação das entidades representativas na defesa de grupos e classes184. Os requisitos para que a entidade seja considerada representativa em âmbito nacional e possa, portanto, atuar juridicamente, consta da seção 2 do artigo 5º: trata-se, por exemplo, (i) da constituição por ato público ou escritura privada autenticada há pelo menos três anos e realização de atividade continuada no mesmo período; (ii) do numero de inscritos de ao menos 0,5 por mil (ou seja, 0,05% da população nacional); e (iii) da

elaboração de um orçamento anual de receitas e despesas185.

183 “Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final. Parágrafo único - Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. BRASIL, Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Cit.

184 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. Op. Cit., p. 111.

185 “Art. 5. Elenco delle associazioni dei consumatori e degli utente rappresentative a livello nazionale. 1. Presso il Ministero dell'industria, del commercio e dell'artigianato é istituito l’elenco delle associazioni dei consumatori e degli utenti rappresentative a livello nazionale. 2. L’iscrizione nell'elenco é subordinata al possesso, da comprovare con la presentazione di documentazione conforme alle prescrizioni e alle procedure stabilite con decreto del Ministro dell'industria, del commercio e dell’artigianato, da emanare entro sessanta giorni dalla data di entrata in vigore della presente legge, dei seguenti requisiti: a) avvenuta costituzione, per atto pubblico o per scrittura privata autenticata, da almeno tre anni e possesso di uno statuto che sancisca un ordinamento a base democratica e preveda come scopo esclusivo la tutela dei consumatori e degli utenti, senza fine di lucro; b) tenuta di un elenco degli iscritti, aggiornato annualmente com l'indicazione delle quote versate direttamente all’associazione per gli scopi statutari; c) numero di iscritti non inferiore allo 0,5 per mille della popolazione nazionale e presenza sul territorio di almeno cinque regioni o province autonome, con un numero di