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2. AS TUTELAS COLETIVAS E A IRRESPONSABILIDADE

2.2. TEMÁTICA PROCESSUAL COLETIVA – UM PANORAMA DO

2.2.7. As questões coletivas no direito comunitário europeu

2.2.7.2. O Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental

Se a proteção do consumidor é fartamente regulamentada no âmbito da União Europeia, o que traz consequências ecológicas indiretas, a tutela processual do ambiente constitui tema em pauta, que tende a mobilizar esforços institucionais e doutrinários.

O “Livro Branco sobre responsabilidade ambiental”, apresentado em 09 de fevereiro de 2000 pela Comissão das Comunidades Europeias, analisa as diversas formas de configuração de um regime comunitário de responsabilidade ambiental, tendo em vista “melhorar a aplicação dos princípios ambientais consagrados no Tratado CE [tratado que institui a Comunidade Europeia] e a

200 “Artigo 2o. Das acções inibitórias. 1. Os Estados-membros designarão os tribunais ou as autoridades administrativas competentes para conhecer dos processos intentados pelas entidades competentes na acepção do artigo 3.o a fim de que: a) Seja proferida uma decisão, com a devida brevidade, se for caso disso mediante um processo expedito, com vista à cessação ou proibição de qualquer infracção; b) Sempre que tal se justifique, sejam determinadas medidas como por exemplo a publicação integral ou parcial da decisão, na forma considerada adequada, e/ou a publicação de uma declaração rectificativa tendo em vista eliminar os efeitos persistentes da infracção; c) Na medida em que o sistema jurídico do Estado-membro em causa o permita, e em caso de não cumprimento da decisão no prazo fixado pelos tribunais ou pelas autoridades administrativas, a parte vencida seja condenada no pagamento ao erário público, ou a qualquer beneficiário designado ou previsto na legislação nacional, de um montante fixo por cada dia de atraso ou de qualquer outro montante previsto na legislação nacional para garantir a execução das decisões”. PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Directiva 98/27/CE de 19 de maio de 1998. Cit. 201 “Artigo 7o. Normas mais favoráveis. A presente directiva não prejudica a adopção ou a manutenção pelos Estados-membros de disposições que garantam, às entidades competentes e a quaisquer interessados, uma faculdade de acção mais ampla no plano nacional”. PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Directiva 98/27/CE de 19 de maio de 1998. Cit.

implementação do direito ambiental comunitário, bem como

assegurar uma restauração adequada do ambiente”202.

O Livro Branco esclarece que a responsabilidade ambiental, que obriga o poluidor à reparação dos danos ambientais causados, só é eficaz quando os poluidores são identificáveis, quando os danos são quantificáveis e quando é possível demonstrar um nexo causal entre o(s) dano(s) e o(s) poluidor(es) identificado(s) – pode ser aplicada, por exemplo, em danos resultantes de acidentes industriais, ou mesmo no caso de poluição gradual, desde que causada por liberação de substâncias ou resíduos perigosos por fontes identificáveis. O texto reconhece, todavia, que a responsabilidade civil não é instrumento adequado “para lidar com a poluição de caráter disperso, difuso, em que é impossível relacionar os efeitos ambientais negativos com as atividades de determinados actores individuais”. São citados como exemplo os efeitos das alterações climáticas causadas pelas emissões de gases de efeito estufa, a morte das florestas em decorrência da chuva ácida e a poluição atmosférica, resultante especialmente da frota automobilística203.

Aqui fica evidente, embora o Livro Branco não tenha conduzido a argumentação para este viés, que a inadequação da responsabilidade civil não é contingente, porém estrutural. Concebida a responsabilidade civil como mecanismo de reparação de danos causados, ainda que futuros, toda poluição sistêmica, cumulativa, histórica, proveniente de inúmeras fontes ou de fontes não identificáveis, ou mesmo toda poluição decorrente de riscos cientificamente controversos permanece juridicamente inalcançável. Ainda que se pressuponha uma responsabilidade ambiental com mecanismos inovadores, mais adequados às novas realidades, é patente, em um exame acurado, sua insuficiência enquanto via adequada à efetivação do princípio do poluidor-pagador, a qual implicaria, justamente, problematizar em juízo tais efeitos ambientais negativos impossíveis de relacionar com as atividades deste ou daquele ator.

Não obstante, o aprimoramento da responsabilidade ambiental é considerado fundamental pelo documento, no sentido de incentivar um comportamento mais responsável, especialmente por parte das empresas, e de consolidar uma vocação preventiva, em face da

202 COMISSÂO EUROPÉIA. Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2000, 58 p., p. 7. 203 Ibid., p. 13.

exigência de aplicação dos princípios ambientais fundamentais, como o poluidor-pagador, a prevenção e a precaução, bem como a necessidade de restaurar o ambiente e integrá-lo nas demais políticas públicas204.

Se o princípio do poluidor-pagador, sobretudo, não for aplicado na cobertura dos custos da reparação dos danos ambientais, entende o Livro Branco esse encargo será assumido pelo Estado ou, o que é ainda pior e mais frequente, o ambiente não será reparado. A poluição será reduzida, entende a comissão, se, em razão da exigência de pagar pelos danos causados, o custo marginal de atenuação for superior à compensação que deveriam pagar, caso o evento danoso ocorresse. A responsabilidade ambiental, nesse sentido, teria a função de prevenir e acautelar riscos e danos, de encorajar investimentos em pesquisa e tecnologias, bem como de internalizar os custos ambientais – definida internalização como pagamento dos custos de prevenção e reparação da poluição pelas partes responsáveis, de modo que não sejam financiados pela sociedade em geral205.

Propõe-se no Livro Branco uma diretiva-quadro que estabeleça um regime misto de responsabilidade: para danos causados por atividades perigosas (i), assim definidas pelo direito ambiental comunitário, aplicar-se-ia o regime de responsabilidade estrita (objetiva), tanto para danos à biodiversidade como para danos tradicionais (danos a pessoas e bens); para danos causados à biodiversidade por atividades não perigosas (ii), aplicar-se-ia o

regime de responsabilidade baseada na culpa (subjetiva)206. A

aplicação do regime geral de responsabilidade restrita segue a tendência de quase todos os regimes nacionais e internacionais recentes, tendo em conta a dificuldade que têm os demandantes na prova da culpa do arguido nos processos de responsabilidade, bem como a convicção de quem exerce uma atividade intrinsecamente perigosa deve suportar os riscos dessa atividade em lugar da vítima ou da sociedade em geral.

Para equilibrar a capacidade probatória da ligação causal entre atividades e danos causados (ou da sua ausência), dada a frequente discrepância entre queixosos e arguidos neste particular, sugere-se, dentre outras medidas, que seja aliviado o ônus da prova a favor dos

204 Ibid., p. 7. 205 Ibid., p. 14. 206 Ibid., p. 8.

primeiros, medida já adotada em alguns regimes nacionais. Propõe-se uma disposição genérica sobre o assunto em âmbito comunitário, a

ser definida com maior precisão em fases posteriores207. A prova do

nexo de causalidade é reconhecida como questão complexa e como barreira à reparação dos danos ao ambiente, especialmente em razão das provas técnicas e periciais elevado. Bélgica, Portugal e Islândia são citados como países cujos ordenamentos exigem níveis de prova mais elevados; já em uma série de situações intermediárias, a inversão do ônus da prova é utilizada em situações específicas, como em casos que envolvam atividades particularmente perigosas “ou quando, aparentemente, não existe qualquer explicação alternativa para a versão dos acontecimentos que o queixoso procura demonstrar”. O regime alemão é referido à parte, por ter incluído a inversão do ônus da prova na legislação, após alguns anos de construções jurisprudenciais, exigindo-se do queixoso apenas a demonstração da capacidade da fábrica em questão causar os danos para que esta assuma o ônus de desconstituir a prova208.

“Anexo 1”, que apresenta estudo sobre os sistemas de responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente, confere especial importância ao tema do acesso à justiça, partindo da constatação de que há variações significativas quanto ao grau de participação de indivíduos e grupos de interesse em termos de acesso aos tribunais para exigir a aplicação da legislação protetiva do ambiente. Na maior parte dos ordenamentos nacionais, diz o estudo, só pode reclamar compensação através de ação civil aqueles diretamente lesados, de modo que os queixosos não têm quaisquer direitos em relação ao “ambiente sem dono”. Vários regimes têm suas peculiaridades analisadas especificamente. O caso de Portugal e dos Países Baixos é peculiar no sentido de que grupos de interesses podem pleitear diretamente aos tribunais ordens de proteção do ambiente, algo que passa a ser admitido em países como Luxemburgo. A Irlanda, por sua vez, apresenta normas bastante liberais, na medida em que qualquer pessoa pode intentar ação para defesa do ambiente, direito estendido a grupos de interesse209.

A seção 4.7 do Livro Branco, que trata do acesso à justiça, assume que “a proteção do ambiente é um interesse público”, de tal modo que a primeira responsabilidade de agir na sua proteção seria

207 Ibid., p. 20. 208 Ibid., p. 35. 209 Ibid., p. 38.

do Estado. O texto pondera que cada vez mais são reconhecidos os limites da atuação Estatal, fazendo-se necessário habilitar o público para agir na defesa do ambiente. Sugere-se então uma abordagem de duas camadas: em primeiro lugar (i), o Estado deve ser responsável, assegurando a reparação de danos causados à biodiversidade e a um dever de descontaminação de áreas degradadas, através de compensação ou indenização paga pelo poluidor; os grupos de interesse (ii), por sua vez, devem obter direito de agir de forma subsidiária, quer seja no âmbito administrativo, quero no âmbito judicial, quando o Estado não agir, ou agir de forma inadequada, em

uma “segunda camada” de atuação210.

Para os casos urgentes, sugere-se que seja concedido a grupos de interesse o direito de solicitar a tutela inibitória, de modo a obrigar o poluidor potencial a agir ou abster-se de agir, evitando danos futuros. Na tutela inibitória, justificar-se-ia, portanto, que os interessados se dirigissem diretamente ao poder judicial, sem o intermédio da administração. Sugere-se que apenas grupos de interesse que cumpram critérios objetivos tenham a possibilidade de

proceder judicialmente contra o Estado ou o poluidor211.

É evidente que o papel do Estado na prevenção do dano ambiental é fundamental em vários níveis. As políticas ambientais e os instrumentos administrativos preventivos e precaucionais, tais como o licenciamento e os Estudos de Impacto, notadamente, possuem grande potencial na efetivação do preceito constitucional que garante a todos um ambiente ecologicamente equilibrado – artigo 225 da CRFB, no caso brasileiro. Entretanto, não se pode depender apenas destes instrumentos, até mesmo porque o ambiente, no Brasil, é direito de todos e não apenas dever do Estado, e o ordenamento jurídico garante o acesso à justiça para apreciação de qualquer lesão ou ameaça a direito. A tutela administrativa do ambiente não excluiria, nem restringiria, portanto, a tutela jurisdicional, ainda que aquela demonstrasse um alto grau de eficácia, o que está longe da realidade em vários países, muito especialmente no Brasil.

Em uma crítica sintética, o Livro Branco parte de uma leitura sociológica consistente na contextualização dos problemas

ecológicos. Posteriormente, trata especificamente da

responsabilidade ambiental, ressaltando, porém superestimando o papel do instituto na efetivação dos princípios da prevenção e da

210 Ibid., p. 23-24. 211 Ibid., p. 24.

precaução e, sobretudo, do poluidor-pagador. O reconhecimento de que grande parte da degradação ecológica foge da possibilidade de demarcação de relações de causalidade específicas denota a excessiva preocupação com o dano, em detrimento da jurisdicionalização do risco, que o presente trabalho reputa crucial para uma desejável transição paradigmática do direito do ambiente. Se a expressão “responsabilidade ambiental” vem sendo utilizada com frequência em substituição à “responsabilidade civil”, associada esta a um direito individualista, é preciso que não constitua apenas uma adaptação de um instituto de direito privado, mas que seja construída sobre diferentes bases teóricas. Simetricamente, a tutela processual do ambiente não pode constituir uma adaptação daquele processo civil do direito das codificações.

2.2.7.3. A Convenção de Åarhus.

Assinada na Conferência Interministerial de 25 de Junho de

1998, a Convenção de Åarhus212 versa sobre “Acesso à informação,

participação pública na tomada de decisões e acesso à justiça em temáticas ambientais”, tendo entrado em vigor em 30 de Outubro de 2001. e havendo sido celebrada em nome da Comunidade Europeia em 17 de fevereiro de 2005, pela Decisão 370/2005/CE do Conselho. Em Portugal, o texto foi aprovado, para fins de ratificação, pela

Resolução 11/2003 da Assembleia da República213.

O Livro Branco remete à Convenção de Åarhus, como base para adoção de disposições mais específicas sobre acesso à justiça, notadamente no que diz respeito a ações de indivíduos e grupos “de interesse público”. Dentre as ações propugnadas contam-se a contestação de decisão de autoridade pública “em tribunal ou noutro

212 UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR EUROPE. Convention on acess to information, public participation in decision-making and acess to justice in environmental matters done at Aarhus, Denmark, on 25 June 1998. Disponível em: <http://www.unece.org/env/pp/documents/cep43e.pdf>. Acesso em 12 de abril de 2011. 213 PORTUGAL. Resolução da Assembleia da República n.º 11/2003. Aprova, para ratificação, a Convenção sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, assinada em Aarhus, na Dinamarca, em 25 de Junho de 1998. Disponível em: <http://siddamb.apambiente.pt/ publico/documentoPublico.asp?documento=25887& versao=1>. Acesso em 12 de abril de 2011. Como é de praxe, a Resolução traz em anexo o texto original e versão traduzida para o português, a qual é utilizada como referência na sequência deste trabalho.

órgão independente e imparcial criado por lei (o direito de controlo administrativo e judicial)”, a solicitação de medidas corretivas adequadas e eficazes como as ações inibitórias e a contestação de atos e omissos de particulares e autoridades públicas que infrinjam o direito ambiental214.

A Convenção reflete a evidente motivação de tornar o envolvimento cidadão mais amplo e de melhor qualidade nas questões ambientais, para a efetivação das normas e princípios de cunho ambiental, notadamente o direito das presentes e futuras gerações de viver em um ambiente adequado à sua saúde e ao seu bem-estar. A garantia de acesso à informação diante das autoridades públicas (i), a participação na tomada de decisões que têm efeitos sobre o ambiente (ii) e o alargamento dos meios e condições efetivas de acesso à justiça (iii) constituem, portanto, um tripé de direitos basilares, intercomunicantes e interdependentes, cuja garantia é tarefa de cada uma das Partes, segundo o estabelecido no artigo 1º.

O “público”, na Convenção tem sentido de uma ou mais pessoas naturais ou associações, organizações e grupos, consoante a legislação e a pratica de cada Estado. A expressão “publico Interessado” designa “o público afectado ou que possa ser afectado, ou que tenha interesse no processo de tomada de decisão”, sendo que serão consideradas como interessadas “as organizações não governamentais que promovam a protecção do ambiente e preencham quaisquer dos requisitos definidos na legislação nacional”.

O Direito a informação é regulado pelo artigo 4º (acesso à informação em matéria de ambiente) e pelo artigo 5º (Recolha e difusão de informação em matéria de ambiente). A informação propugnada pela Convenção será gratuita, atualizada, célere, suficiente relativamente ao contexto e apropriada, observados limites impostos pelo bom senso, como os relativos a direitos autorais, à segurança pública, ao direito à privacidade, dentre outros.

É importante ressaltar que o dever de informação está diretamente vinculado à publicidade, motivo pelo qual as partes signatárias da Convenção ficam obrigadas a publicar fatos e análises consideradas importantes para o enquadramento de medidas políticas prioritárias, bem como a fornecer de forma apropriada “informação sobre o desempenho das funções públicas ou disposições dos serviços públicos em matéria de ambiente, emanada pelo governo a todos os níveis”.

O artigo 6º, que trata da participação do público em decisões sobre atividades específicas, determina na seção 2 que o público interessado seja informado de forma efetiva, adequada e tempestiva, através de notícia pública ou individualmente, do início de um processo de tomada de decisão, de forma a esclarecer qual é atividade proposta e qual o pedido; qual a natureza do processo decisório e qual a autoridade responsável; qual o procedimento previsto, quando terá início, quais as oportunidades de participação do público, as datas e locais das consultas públicas, que autoridade ou organismo público pode fornecer informações relevantes e efetuar esclarecimentos e quais as informações relevantes disponíveis.

A seção 7º também deve ser mencionada porquanto cuida dos procedimentos de participação do público em inquéritos e audiências públicas com o requerente, notadamente a possibilidade de apresentação de comentários, informações, análises e opiniões, escritos ou não, relevantes para a atividade em pauta.

O artigo 7º trata especificamente da participação do público relativamente a planos e políticas em matéria de ambiente e o artigo 8º trata da participação do público na preparação de regulamentos e ou instrumentos normativos legalmente vinculativos aplicáveis na generalidade. Em uma sentença, Aragão sintetiza as características desta participação prescrita pelos artigos 6º, 7º e 8º - deve ela ser “informada, precoce, alargada, plural, flexível e útil”, conferindo, por um princípio de abertura e transparência, maior relevância aos cidadãos, “leigos cuja opinião profana foi, desde sempre, desprezada e só recentemente com a Convenção de Åarhus começou a ganhar algum estatuto”. Trata-se do reconhecimento da necessidade de legitimação social das decisões ecológicas, sobretudo das decisões acerca da gestão de riscos, para além da legitimação unicamente científica215 - frequentemente incapaz de produzir acordos, não obstante sua alegada objetividade.

O artigo 9º da Convenção de Åarhus traz o tema do acesso à justiça, que é simultaneamente pressuposto e corolário dos princípios da informação e participação. Os Estados europeus devem assegurar que qualquer pessoa tenha acesso aos tribunais sempre que considere que seu pedido de informação foi ignorado, recusado indevidamente, ou respondido de forma inadequada. Ademais, os membros do

215 ARAGÃO, Alexandra. Princípio da precaução: manual de instruções. Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do urbanismo e do Ambiente. Coimbra, Faculdade de

público legitimamente interessados ou lesados podem questionar, perante tribunal ou outro órgão imparcial e independente, a “legalidade processual e substantiva” de qualquer decisão, ato ou omissão, relativamente ao disposto artigo 6º da convenção, ou seja, à participação do público em processos decisórios - sem prejuízo, por óbvio, do esgotamento das vias administrativas.

Às legislações nacionais cabe delimitar o que deve ser considerado “interesse legítimo”, no intuito de garantir ao público um “amplo acesso à justiça”, incluídas nesta definição as organizações não governamentais que satisfaçam as condições previstas no artigo 2º do diploma. São prescritas soluções adequadas e efetivas, justas, equitativas, tempestivas e “não proibitivamente dispendiosas”. Por fim, as informações referentes aos processos administrativos e judiciais devem ser divulgadas ao público, e mecanismos devem ser criados a fim de garantir a assistência apropriada para remoção de quaisquer entraves quanto ao acesso à justiça, sobretudo os de ordem financeira.

2.3. O DESAFIO DA TUTELA JURISDICIONAL DO AMBIENTE E A IRRESPONSABILIDADE ORGANIZADA.

A reflexão crítica acerca do sistema integrado LACP + CDC na tutela do meio ambiente enquanto patrimônio comum é tema caro ao jus-ambientalista, na medida em que só um sistema processual adequado pode conferir efetividade às normas de cunho material. Já foi demonstrado que grande parte dos percalços relacionados à consecução de um Estado de Direito do Ambiente passa pela inadequação dos instrumentos de tutela. Benjamin ressalta que o direito material é vítima da insuficiência do atual modelo jurídico para enfrentar os riscos decorrentes da sociedade pós-industrial216 e que somente um direito processual adequado teria o condão de impedir a perpetuação da injustiça ecológica.

216 BEJAMIN, Antônio Herman. V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do ambiente e do consumidor. In: CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS E DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Textos - Ambiente e Consumo. v. I. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 1996. p. 277-351, p. 280.

A transição para um Estado de Direito do Ambiente217 depende da reformulação dos aparatos jurídicos e institucionais, gerando um quadro mínimo de segurança e qualidade de vida. A análise do princípio do poluidor-pagador218 evidencia a necessidade de correção das externalidades negativas, ou custos sociais das atividades econômicas. Para que as instituições promovam a internalização dos custos da poluição por aquele que dela tira

proveito219 é fundamental que o sistema processual de tutelas

coletivas permita a efetivação das normas e princípios de direito material, promovendo uma gestão adequada dos riscos ecológicos, prevenindo a ocorrência de danos e atribuindo responsabilidades.

O direito constitucional de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado requer não agredir a natureza em medida