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A pesquisa “Incentivos e barreiras para realização do teste HIV entre profissionais

de saúde, organizações não governamentais, populações vulneráveis ao HIV e população geral: uma abordagem quali-quantitativa” foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (COMEPE) da Universidade Federal do Ceará, conforme protocolo nº 263/09.

Antes de coletar as informações, explicaram-se os objetivos da pesquisa a todas as entrevistadas e, após aceitarem participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), contendo informações sobre a pesquisa, bem como o direito de recusa e desistência da mesma ou de responder a qualquer pergunta que gerasse constrangimento. Também, constaram os telefones da professora pesquisadora responsável e do COMEPE para dirimir eventuais dúvidas que surgissem.

Os resultados foram apresentados ao Departamento de DST/Aids do Ministério da Saúde brasileiro através de relatórios. À comunidade de ativistas (no caso deste trabalho, em especial à Associação Cearense de Prostitutas – APROCE - e ao Fórum cearense de mulheres) foi proposta apresentação dos dados e acesso aos relatórios. Aos trabalhadores envolvidos

diretamente na pesquisa, propôs-se oficina de socialização e discussão dos dados. À comunidade científica, os resultados foram apresentados na forma de resumos, em congressos nacionais e internacionais, e na construção de artigos científicos. Foram realizadas recomendações específicas à Secretaria Municipal de Saúde para orientar na definição das novas políticas voltadas à realização do teste, visando, entre outros aspectos, prevenção de novas infecções e diagnóstico, particularmente entre profissionais do sexo.

A participação das entrevistadas foi confidencial, e as informações sobre ações e serviços disponíveis foram disponibilizadas ao final de cada entrevista.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentam-se neste tópico os resultados analisados de forma integrada com a discussão da literatura identificada com a temática da pesquisa. As categorias emergiram dos contextos estudados, e foram dispostas a seguir de forma dialogada com os principais autores referenciais para cada uma delas, com foco nas motivações e dificuldades para realização do teste de HIV.

Foram entrevistadas 36 mulheres, na faixa etária de 18 a 50 anos, das quais, 61% concluíram ensino fundamental I, 69% tinham relacionamento afetivo-sexual fixo, dentre estas, 76% não usavam preservativo com seus parceiros fixas. A maioria das mulheres (56%) referiu uso de álcool e outras drogas, 20% para uso de crack e 60% para consumo de álcool (Apêndice C).

Sobre a realização do teste, seis mulheres nunca realizaram o teste de HIV, 30 já tinham feito alguma vez na vida e, destas, apenas três afirmaram realizar o teste de forma sistemática por se considerarem vulneráveis à transmissão do HIV devido à prostituição (Apêndice C).

Com relação aos principais motivos para realização do teste, destaca-se: nove devido ao pré-natal; duas fizeram no pré-natal e repetiram o teste por se reconhecerem em alguma situação específica de risco; nove fizeram por se sentirem pontualmente em risco, em situação vulnerável (buscas pontuais pelo diagnóstico de HIV por diversos motivos relatados, como a camisinha rasgar, conhecer alguém com HIV, cliente com aparência dos sintomas da Aids, e outros); uma fez depois de participar de uma pesquisa sobre saúde e prevenção; duas fizeram devido às ações específicas dos serviços de saúde nos locais de prostituição; duas fizeram por solicitação médica durante a consulta ginecológica; uma relatou ter feito o teste somente uma vez por cuidados com a saúde; e quatro afirmaram fazer o teste regularmente como rotina de prevenção (Apêndice C).

Quanto ao local de realização do teste, 30% fizeram no „posto de saúde‟ (Unidade de atenção primária à saúde), dentre estas, 64% foi pelo acompanhamento pré-natal. Em relação aos demais locais, ressalta-se também que 47% foi realizado em serviços especializados para tratamento de DST/HIV/Aids (Apêndice C).

Partindo deste perfil, seguindo com análise compreensiva dos diversos contextos vividos por estas mulheres, realiza-se a discussão a seguir. Os dados estão discutidos abaixo a partir de contextos de maior ou menor proteção, considerando os diversos fatores que podem influenciar na constituição das vulnerabilidades vivenciadas por estas mulheres.

Processo de identificação e construção das categorias de análise

As categorias de análise construídas partiram das falas e dos contextos vivenciados no trabalho de campo, além da inclusão de definições e conceitos que nortearam o processo de discussão dos achados da pesquisa. Cada tópico estruturado abaixo foi selecionado por suas relevâncias que emergiram dos diversos contextos de entrevistas e observações de campo, conectados com os objetivos do estudo e com foco na influência exercida para realização ou não do teste de HIV.

As categorias dessa análise estão divididas em quatro: 1) a mulher da casa e a mulher da rua; 2) conhecimentos e informações: não sei assim direito como é, eu só sei que é Aids ; 3) estigma, o alicerce das barreiras: você saber que está com Aids, vai sabendo que vai morrer ; 4) acesso ao diagnóstico precoce do HIV no SUS: eu acho que era para ter teste de HIV em todos os postos.

Na primeira, evidenciou-se a demarcação explícita de modos diferentes de atuar das mulheres com relação à saúde sexual de acordo com o contexto vivido, se a rua, pelo exercício da prostituição, ou a casa, em suas vidas pessoais e amorosas. O surgimento da epidemia da aids para os contextos de prostituição teve significados importantes na tomada de decisão em busca do diagnóstico do HIV. A ideia de marginalidade35 em relação à infecção foi desenvolvida em torno dos conceitos iniciais de “grupos de risco”. Ainda na década de 1980, delineou-se estreita relação entre a concepção social de ser prostituta e da possibilidade de viver com HIV como sendo contextos aproximados do conceito de promiscuidade36. Para um conjunto de autores esta relação tem sido desfavorável como tópico de desmotivação para realização do teste de HIV (MARTIN, 2003; DE MEIS; VASCONCELOS, 1992). Na direção oposta, o risco nos âmbitos familiares, com as parcerias fixas, torna-se velado pelos mesmos aspectos (foco em grupos de risco), abrindo lacunas de susceptibilidade ao HIV nas relações amorosas também.

35 Marginalidade é uma noção que invoca a concepção de centro/periferia. O conceito de marginalidade surgiu nos anos de

1920/30, buscando elucidar comportamento, atitudes e modos de vida dos emigrantes que residiam em Chicago. Marginal é aquele que se situa nas margens em termo de acesso e usufruto das riquezas e benefícios disponíveis, o que lhe confere as qualidades de inferioridade e subalternidade (PRIBERAM, 2010).

36 Promiscuidade entendida aqui como valor moral, muito vinculado à ideia de sujas e repugnáveis, às questões relacionadas

ao sexo extraconjugal, à multiplicidade de parcerias sexuais, ao sexo casual em função do prazer, portanto, segregador para um conjunto de pessoas que excedem à norma social religiosa que preconiza o sexo após o casamento, a monogamia obrigatória e a supremacia da sexualidade masculina (DE MEIS; VASCONCELOS, 1992).

Para construção das demais categorias, destacam-se, nos tópicos seguintes, os desencontros entre os conhecimentos e as informações existentes, e a percepção de risco de infecção pelo HIV que desembocam na constituição de cenários atravessados pelo estigma e pela discriminação. Estes contextos foram descritos a partir das motivações para realização ou não do teste HIV, e da análise por vulnerabilidades.

A partir dessas identificações em torno da relação entre aids e prostituição, alcançou-se o último tópico com relação ao modelo de oferta e diagnóstico estabelecido, fundamentalmente, vivenciado pelas mulheres no SUS. Nesta última categoria, foi construído um paralelo entre os incentivos e as barreiras para realização do teste HIV ressaltados pelas entrevistadas e o que está posto oficialmente como políticas públicas de ampliação do diagnóstico precoce. Para apontar caminhos para um programa da saúde voltado para profissionais do sexo, analisou-se, nas falas dessas mulheres e a partir da realidade que vivenciam, o modo como concebem os serviços e em suas proposições como estes poderiam estar mais acessíveis.