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ASPECTOS AVALIADOS NO LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO REALIZADO PELOS ALUNOS DURANTE O INTERNATO EM APS A RESPEITO DAS

4 EMBASAMENTO TEÓRICO

6.3 ASPECTOS AVALIADOS NO LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO REALIZADO PELOS ALUNOS DURANTE O INTERNATO EM APS A RESPEITO DAS

CONSULTAS MÉDICAS ATENDIDAS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA

Foram incluídas na análise 1.673 consultas realizadas em Unidades Básicas de Saúde, sendo 61,4% do sexo feminino e 38,6% para o sexo masculino, com (p=0,001). Observou-se também, que os atendimentos a pacientes do sexo masculino foram predominantes nos menores de um ano e entre 5 a 10 anos, sendo que nas demais faixas de idade, o percentual foi maior para o sexo feminino (p=0,001). O maior número de atendimentos ocorreu na faixa de idade de 40 a 60 anos (31,8% das consultas), seguida da faixa de 20 a 40 anos (21,3%) e da faixa de 60 a 80 anos (20,9%). Assim, 70,0% das consultas ocorreram em pacientes adultos ou idosos (Tabela 8).

Tabela 9 – Distribuição dos atendimentos realizados por acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria nas Unidades Básicas de Saúde durante o Internato em Atenção Primária à Saúde, segundo idade e sexo dos pacientes

Faixa Etária NT (%) SEXO P* Masculino Feminino N % N % < 1 34 (2,0) 22 64,7 12 35,3 0,001 1 ǀ-4,9 91 (5,4) 43 47,3 48 52,7 0,209 5 ǀ- 9,9 111 (5,9) 66 59,5 45 40,5 0,001 10 ǀ- 19,9 132 (7,9) 47 35,6 85 64,4 0,001 20 ǀ- 39,9 357 (21,3) 110 30,8 247 69,2 0,001 40 ǀ- 59,9 532 (31,8) 184 34,6 348 65,4 0,001 60 ǀ- 79,9 349 (20,9) 143 41,0 206 59,0 0,001 ≥ 80 67 (4,0) 31 46,3 36 53,7 0,177 TOTAL 1673 (100) 646 38,6 1027 61,4 0,001

Legenda: NT= frequência total; N= frequência; %= percentual; *Teste entre duas proporções. Fonte: elaboração própria.

Foram observados 126 diferentes motivos para a consulta, sendo apresentados na Tabela 9, os dez mais frequentes. A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) foi o principal motivo de atendimento ocorrendo em 12,5% das consultas, seguido pelas Doenças de Vias Aéreas Superiores (12,0%) e pelas Dores Osteomusculares (8,0%).

A Tabela 10 apresenta a frequência da solicitação de exames complementares, nas consultas investigadas. No total de consultas avaliadas, foram solicitados exames de laboratório em 18,2% das mesmas. Os principais exames solicitados foram hemograma, exame qualitativo de urina e dosagem de ureia e creatinina plasmáticas. Em relação aos exames de imagem, a radiografia foi solicitada em 4,9% das consultas, seguida de ultrassonografia em 2,8% e tomografia computadorizada ou ressonância magnética em 0,2% dos atendimentos.

Tabela 10 – Distribuição dos motivos de atendimento médico nas consultas realizadas pelos acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria nas Unidades Básicas de Saúde durante o internato em Atenção Primária à Saúde

Diagnóstico Clínico N %

Total de consultas 1.673 100,0

Hipertensão Arterial Sistêmica 209 12,5 Doenças de Vias Aéreas Superiores 200 12,0

Dor Osteomuscular 134 8,0

Traumatismos 83 5,0

Diabetes 77 4,6

Depressão 61 3,7

Infecção do Trato Urinário 57 3,4

Conjuntivite 51 3,1

Gastroenterite 50 3,0

Pré-Natal 32 2,0

Legenda: N= Frequência; %= percentual do diagnóstico em relação a total de consultas. Fonte: elaboração própria.

A necessidade de encaminhamento de pacientes para serviços médicos especializados, ou para outros profissionais da saúde está demonstrada na Tabela 11. Das 1673 consultas realizadas, foram encaminhados 147 pacientes, equivalendo a 8,8% das consultas. Quanto ao destino dos encaminhamentos, 20,4% foram para o HUSM e os restantes (79,6%) para

serviços especializados do município ou para serviços mais complexos da região de abrangência dessas unidades de saúde.

Tabela 11 – Distribuição dos exames complementares solicitados para os pacientes atendidos pelos acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria nas Unidades Básicas de Saúde durante o Internato em Atenção Primária à Saúde

Exames Complementares N % Total de consultas 1.673 100,0 Exames Laboratoriais 305 18,2 Radiografia 82 4,9 Ultrassonografia 47 2,8 TC/RM 3 0,2

Total de exames solicitados 437 26,1

Legenda: N= frequência; %= percentual de exames solicitados em relação a total de consultas; TC/RM= Tomografia Computadorizada/Ressonância Nuclear Magnética.

Fonte: elaboração própria.

Tabela 12 – Distribuição dos encaminhamentos solicitados aos pacientes atendidos pelos acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria, nas Unidades Básicas de Saúde durante o Internato em Atenção Primária à Saúde

Serviços Especializados referenciados N %

Serviços especializados do HUSM 30 20,4 Serviços especializados do município ou região

Nutrição 21 14,3 Cirurgia Geral 15 10,2 Psicologia 14 9,5 Oftalmologia 14 9,5 Ginecologia 13 8,8 Otorrinolaringologia 12 8,2 Fisioterapia 11 7,5 Nefrologia 9 6,2 Cardiologia 8 5,4 Total de encaminhamentos 147 100,0

Legenda: N= frequência; %= percentual de encaminhamentos em relação a total de consultas. Fonte: elaboração própria.

A Tabela 12 apresenta a distribuição dos três principais motivos de atendimento, por faixa etária. Nota-se que, a Infecção de Vias Aéreas Superiores prevaleceu nas primeiras cinco faixas etárias analisadas, isto é, dos menores de um ano até os com 40 anos incompletos. A HAS foi mais frequente entre 40 anos completos até 80 anos incompletos. Os pacientes com 80 anos ou mais, a depressão foi o motivo mais frequente (11,9%), seguido de HAS e Cerume Impactado, presentes em 9,0% dos pacientes.

Tabela 13 – Distribuição dos três principais motivos do atendimento médico estabelecido pelos acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria durante o Internato em Atenção Primária à Saúde nas Unidades Básicas de Saúde segundo a faixa etária

(continua)

Principais motivos por faixa etária NT N %

Até um ano 34

Doenças de Vias Aéreas Superiores 11 32,4

Puericultura 10 29,4

Doenças de Vias Aéreas Inferiores 4 11,6

De um a 4 anos 91

Doenças de Vias Aéreas Superiores 34 37,4

Verminose 6 6,6

Anemia 5 5,5

De 5 a 9 anos 111

Traumatismos 53 47,8

Gastroenterites 8 7,2

Doenças de Vias Aéreas Superiores 6 5,4

De 10 a 20 anos 132

Doenças de Vias Aéreas Superiores 29 22,1

Traumatismos 15 11,5

Pré-natal 9 6,9

De 20 a 39 anos 357

Doenças de Vias Aéreas Superiores 37 10,4

Dor Osteomuscular 36 10,1

Tabela 12 – Distribuição dos três principais motivos do atendimento médico estabelecido pelos acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria durante o Internato em Atenção Primária à Saúde nas Unidades Básicas de Saúde segundo a faixa etária

(conclusão)

Principais motivos por faixa etária NT N %

De 40 a 59 anos 532

Hipertensão Arterial Sistêmica 87 16,4

Dor Osteomuscular 62 11,7

Depressão 27 5,1

De 69 a 79 anos 349

Hipertensão Arterial Sistêmica 73 20,9

Dor Osteomuscular 32 9,2

Diabete Melitus 18 5,2

≥ 80 anos 67

Depressão 8 11,9

Hipertensão Arterial Sistêmica 6 9,0

Cerume Impactado 6 9,0

Legenda: NT= frequência total de consultas por faixa etária; N=frequência; %=percentual do diagnóstico em relação a total de consultas da fixa etária.

7 DISCUSSÃO

Neste estudo, observou-se a predominância de pessoas do sexo feminino, com mais de 60% de acadêmicas realizando a atividade. Esse é um cenário universal, com diversos autores (NONNEMAKER, 2000; SCHEFFER, CASSENOTE, 2013; SOARES MACHADO, 1999) apontando para uma progressiva feminização da profissão médica, com incremento dessa tendência a partir dos anos 2000. Possivelmente devido à migração masculina para profissões com maior visibilidade social, autonomia e melhores oportunidades financeiras, somada à continua ocupação de espaços no mundo do trabalho, por parte das mulheres (NONNEMAKER, 2013; SOARES MACHADO, 1999).

Surpreendentemente, observa-se que os alunos reconhecem, previamente à realização do ICO em APS, que o estágio proposto será capaz de auxiliá-los no conhecimento da realidade de saúde da população. Ocorre, porém, que atividades de natureza semelhante às que se desenvolvem nesse estágio, são minoritárias, e representam menos de 1/5 da carga horária total no curso de Medicina da UFSM (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004). Objetivamente, esses alunos não tiveram experiências mais consistentes nesse tipo de atividade, durante a maior parte de sua formação.

Embora o modelo curricular, adotado a partir da reforma de 2004, tenha aberto espaço para atividades nos níveis primário e secundário de atenção, elas ainda são minoritárias. Além disso, são suplantadas em larga medida por atividades de cunho hospitalar, especialmente nos três anos anteriores as atividades relatadas nessa tese (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004). De forma que, é improvável que as atividades desenvolvidas, no transcorrer da graduação, a maior parte delas nas fases iniciais do curso, até o 5º semestre, impactem tão intensamente os alunos.

A possível explicação para esse achado – aceitação prévia do internato em APS sem conhecê-lo – é a suposição de que os conhecimentos adquiridos até aquele momento em sua formação, seriam suficientes para as tomadas de decisão, quando do desenvolvimento das atividades propostas. Essa possibilidade merece uma reflexão mais apurada, por possuirmos ainda, na UFSM (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004), um ensino médico majoritariamente desenvolvido em ambiente hospitalar, voltado a especialização e de corte flexneriano (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; PONTES; SOUZA-MUNOZ, 2014). Ou seja, esses internos estavam imersos num Coletivo de Pensamento (CP) em que a visão biologicista do processo saúde-doença é amplamente hegemônica (CUTOLO, 2001; LAMPERT, 2002). Assim como o observado na maioria das escolas médicas brasileiras

(BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; FEUERWERKER; CECÍLIO, 2007) determinando assim, um estilo de pensamento biologicista dominante entre seus membros. (CUTOLO, 2001; PFUETZENREITER, 2002).

Provavelmente, o que se encontra por trás dessa suposição - aceitação prévia do internato em APS sem conhecê-lo - é a falsa ideia de que a realidade e os problemas de saúde vistos, estudados, até aquele momento na sua formação, representariam o encontrado na população em geral. Dizendo-se de outra forma, a suposição de que seus conhecimentos, ou suas pretensas habilidades desenvolvidas até o momento, seriam capazes de “instrumentalizá- los” - em sentido quase literal - para a prática da atenção à saúde em qualquer contexto.

Utilizando-se referencial fleckiano (CONDÉ, 2012; FLECK, 2010), pode-se considerar que os coletivos de pensamento transitados, são em última análise, os responsáveis pela geração, formação, modulação ou modificação dos estilos de pensamento dominantes, num determinado espaço e tempo. De maneira que, pode-se supor que ao serem imersos num coletivo de pensamento distinto aos frequentados até então, deva ocorrer modificações – de alguma natureza- em seus estilos de pensamento (CUTOLO, 2001; PFUETZENREITER, 2002).

A visão instrumental, tecnicista e biologicista - hegemônica na visão Flexneriana dominante- entende a prática médica numa dimensão acrítica, em que existem doenças orgânicas em órgãos segmentados a serem atacadas (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). A representação caricatural desse olhar, pode ser observada nos famosos “casos“ clínicos importantes. Tais casos, frutos da influência das especialidades ou subespecialidades na formatação do ensino médico, ocupam lugar de destaque no imaginário médico (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; CARAPINHEIRO, 1998; LAMPERT, 2002).

Tratam-se de situações de saúde graves e geralmente pouco frequentes em pessoas hospitalizadas. Habitualmente humildes, anônimas, e identificadas apenas pelo número do leito ocupado pela pessoa doente, ou pelo órgão afetado. Tais situações fazem o deleite dos estudantes de medicina, que afoitos acorrem em busca dos mesmos. Evidentemente que os professores são em parte, os grandes disseminadores dessa visão, e, habitualmente recomendam quais desses casos são os mais interessantes para a “formação profissional” (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).

Essa hipervalorização de situações não usuais em detrimento das situações mais prevalentes nas populações, geralmente correm, e ocorrem, em paralelo com uma cultura de desvalorização das atividades a nível primário. Mostra-se identificável na própria denominação pejorativa dos locais onde as mesmas se desenvolvem: atividades nos

“postinhos de saúde” (CABRAL et al., 2004; MACEDO; BATISTA, 2011). De sorte que, essa seleção de situações de saúde mais complexas existentes na realidade hospitalar, constituem-se num grave problema para uma formação médica de cunho mais amplo e generalista, como as preconizadas pelas DCNs (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).

Essa questão é especialmente importante e grave quando o ambiente hospitalar é os “lócus” privilegiado ou exclusivo de formação (FEUERWERKER; CECÍLIO, 2007). Sabe-se, que a exposição do aluno a essa realidade complexa, tende a naturalizar os problemas de saúde encontrados, induzindo e seduzindo os mesmos, a uma prática segmentada e descontextualizada, muito mais relacionada às suas situações vivenciais específicas, do que por práticas que tenham conexão com a realidade epidemiológica e social da população atendida (RIOS, 2009).

Somando-se a isso, temos ainda a própria organização científica do trabalho médico contemporâneo. O mesmo se encontra focado e enfatizando as especializações e subespecializacões, que se constituem em grandes incorporadoras de tecnologias médico- hospitalares. Esse somatório de fatores, fortalece e alimenta o distanciamento do médico com as pessoas necessitadas de cuidados, gerando a naturalização do sofrimento e da dor, e a diminuição do compromisso e da responsabilidade na produção social da saúde (FEUERWERKER; CECÍLIO, 2007; RIOS, 2016).

Deve-se então, retomar os dados de um clássico estudo dos anos 60 (WHITE; WILLIAMS; GREENBERG, 1961) e replicado nos anos 2000 (GREEN, 2001), que configura o clássico Cubo de Kerr White. Esses autores demonstram que, a realidade de saúde da população se encontra muito distante da existente e vivenciada nos complexos hospitalares. Os mesmos encontraram uma necessidade de atendimento hospitalar, em menos de 1% da população que procurou assistência à saúde, nos estudos realizados. Nada mais emblemático! As escolas médicas ainda submetem jovens em formação a realidades de saúde desconectadas do contexto epidemiológico e social, das que vivenciarão em suas práticas profissionais futuras. De maneira que se torna importante conhecer o impacto que a APS tem nos internos, podendo-se assim, melhor capacitá-los para a atuação nesse contexto.

Considerando a experiência previa dos alunos da UFSM, com grande parte de suas atividades desenvolvida em ambiente hospitalar (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004) -e práticas baseadas em problemas de saúde de grupos selecionados de indivíduos (GREEN, 2001)- julgou-se oportuno realizar a caracterização da demanda atendida nas unidades de saúde, para melhor situar os acadêmicos nesse universo de atenção, pouco conhecido.

Observou-se então, que em relação ao gênero das pessoas que buscaram atenção nas unidades, existe um predomínio do sexo feminino por atendimento médico, representando mais de 60% dos atendimentos avaliados (Apêndice G). Existem evidências demonstram que a demanda feminina por serviços de saúde é mais elevada, apresentando-se essencialmente como voluntária, revelando ainda uma maior propensão das mulheres na busca de cuidados em saúde de modo espontâneo (FALEIROS et al., 1985; PIMENTEL et al., 2011). Essas evidências são encontradas tanto em serviços ambulatoriais, quanto em serviços hospitalares de nível secundário (FALEIROS et al., 1985; PIMENTEL et al., 2011).

Em relação a faixa etária mais frequentemente encontrada na investigação, verificou- se um predomínio na atenção à saúde de indivíduos dos 40 aos 59,9 anos. Em um estudo transversal Azeredo et al. (2007), encontraram um percentual de 36%, enquanto que Magnago et al. (2009), encontraram um valor de 33 % das pessoas que procuraram atenção à saúde, nessa faixa etária. Estudos semelhantes realizados na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, mostram um percentual de 55% a 70% da demanda na faixa da meia-idade e início da velhice, o que coincide com o aumento na frequência das DCNTs nesse período da vida. Além disso, também demonstram a capacidade de buscar de forma autônoma o atendimento médico (CAPILHEIRA; SANTOS, 2006; MORAES et al., 2007). Tomasi et al. (2011), comparando o perfil da demanda atendida em UBS de sete estados brasileiros das regiões Sul e Nordeste do Brasil, chegaram a resultados semelhantes.

Essas informações referentes à faixa etária predominantemente atendida, são de grande relevância, uma vez que possibilitam dimensionar a carga de trabalho na atenção primária, servindo, como importante suporte para o dimensionamento da mesma (CAPILHEIRA; SANTOS, 2006). Pode-se então supor, que a maior demanda por atendimento nas faixas etárias encontradas, relaciona-se com a maior frequência de doenças crônicas, nessa etapa do ciclo vital.

Em relação às principais necessidades de atendimento, a HAS foi o principal motivo de consulta observado no conjunto de atendimentos realizados (Apêndice G). A HAS é a principal causa de consulta ambulatorial, em unidades básicas de saúde no Brasil (BRASIL, 2006b; FALEIROS et al., 1985; LANDSBERG et al., 2012; TRAVASSOS et al., 2002). Essa doença impacta de forma marcante os indicadores de morbimortalidade, além de se associar com situações de invalidez e com o aumento das aposentadorias precoces no Brasil (BRASIL, 2006b). A HAS é uma das principais doenças cardiovasculares e, nas últimas décadas, vem crescendo de forma significativa, acometendo aproximadamente 20 milhões de brasileiros, segundo dados do Ministério da Saúde. Além disso, estima-se, que para cada hipertenso

diagnosticado no Brasil, deva existir três sem diagnóstico, ou tardiamente diagnosticados (BRASIL, 2014b).

Nessa caracterização da demanda, em 25% das consultas investigadas foi solicitado algum tipo de exame complementar, observando-se que tanto os exames laboratoriais como os de imagem, situaram-se em níveis abaixo dos limites máximos estabelecidos como adequados, pelo Ministério da Saúde do Brasil. (BRASIL, 2014b). Esse foi um resultado positivo, e sugere uma segurança diagnóstica e terapêutica de boa qualidade por parte do preceptor local. Pode-se supor, que a própria inserção desse profissional nas realidades particulares que a APS é capaz de proporcionar, tenha levado a esse resultado (Apêndice G). Embora não se possa desprezar outras explicações, como as de cunho econômico, já que são os próprios municípios que arcam com os possíveis encaminhamentos.

Ao considerarmos as distintas realidades vivenciadas por esses atores- médicos preceptores, alunos e pacientes- nas diversas cidades em que se deu o estudo, é razoável supor que pertenciam a distintos coletivos de pensamento (CONDÉ, 2012; FLECK, 2010). Possuindo, portanto, diversos estilos de pensamento. De maneira que, também, pode-se especular, que os internos em atividade, tenham sofrido influência, do perceber dirigido (FLECK, 2010) dos estilos de pensamento, existentes ou dominantes. O que inevitavelmente influenciaram, de alguma forma, o estilo de pensamento dos internos em estágio curricular na APS.

Observou-se também, uma alta resolutividade nos atendimentos clínicos realizados durante a atividade. Em 92% dos casos atendidos, obteve-se a resolução dos problemas demandados, sem a necessidade de encaminhamento para níveis mais complexos de atenção. Embora os valores encontrados situavam-se à níveis observados em locais com grande tradição em APS, e com sistemas de saúde organizados e orientados pela mesma, os resultados devem ser analisados com reservas. Já que esse resultado é proveniente de um estudo focal, que investigou um momento, um instantâneo, de uma situação de saúde. Tal observação deve ser considerada, pois o critério de resolutividade utilizado, neste estudo, foi o critério definido pelo médico assistencial orientador das condutas, sem outras considerações que estão implicadas no conceito formal de resolutividade em atenção à saúde (STARFIELD, 2002).

Evidências demonstram a importância de uma adequada articulação entre ensino e serviço na área da saúde, especificamente quando vinculada a APS; essa relação é fundamental tanto para uma adequada resolução das necessidades de saúde das populações, como servindo de campo de capacitação para futuros profissionais de saúde (BATISTA;

VILELA; BATISTA, 2015; COSTA; FACCHINI, 1997; SOUZA CAMPOS, 2007; STREIT; MACIEL; ZANOLLI, 2009). Suárez et al. (2001) relatam que quase 90% dos alunos espanhóis estudados, consideram muito importante que à formação médica se dê no espaço dos serviços de APS.

Estudos em egressos de cursos de Medicina, com inserção em APS (RICARDO et al., 2014), encontrou uma percepção de que essa atividade possibilitou o conhecimento adequado da organização e do funcionamento dos serviços de saúde. Além disso, ainda referem uma melhoria na relação médico paciente, no desenvolvimento do raciocínio clínico e no estabelecimento de vínculo de boa qualidade com as pessoas que buscaram atenção, ou que foram ativamente identificadas na comunidade pela equipe de saúde.

Marin et al. (2013) verificaram que a integração ensino-serviço possibilita uma melhor inserção do estudante no mundo do trabalho, além de auxiliar de forma positiva na construção do seu conhecimento, pautado na prática diária e na troca de informação com a equipe multiprofissional dos serviços, além da ampliação das ações junto à coletividade de referência (CARÁCIO, 2013; OLIVEIRA et al., 2014).

Essa integração ensino-serviço na realidade da APS, capaz de gerar tantos elementos formativos de boa qualidade (RICARDO; MARIN; MARIN, 2014; OLIVEIRA et al., 2014; CARÁCIO, 2013), tém na figura do preceptor um ator importante. Esse profissional desempenha de forma habitual a função de orientador dos estudantes, fundamentalmente no desenvolvimento de suas atividades práticas, especialmente no ICO. De forma que, o preceptor deve ser visto como o profissional que atua junto aos alunos na construção de seus conhecimentos, auxiliando na capacitação dos futuros profissionais médicos (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015)

Esse modelo de orientação foi utilizado durante o ICO em APS, nas 10 cidades em que se desenvolveu a atividade. Tem-se consciência da heterogeneidade dos recursos humanos e técnicos, existentes em cada uma dessas cidades, inclusive no que diz respeito ás características da preceptoria (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011). O esforço dispendido no projeto que originou essa tese - Internato Regional - foi o de estabelecer, entre a escola médica da UFSM e as Secretárias Municipais de Saúde, uma interlocução ativa.

Dessa forma, procurou-se contextualizar esses preceptores com os objetivos institucionalmente definidos, visando uma alteração no cenário da formação médica (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004). Esse processo se deu, através de reuniões de trabalho rotineiras para o acompanhamento e avaliação de cada aluno individualmente, do

grupo de alunos que desempenhava a atividade no momento, além de questões relacionadas ao internato de maneira geral. Procurou-se ainda, proporcionar a esses profissionais envolvidos, jornadas de atualização realizadas com certa regularidade, em condições facilitadas e pactuadas entre a UFSM e as Prefeituras Municipais, sobre as questões mais prementes observadas no âmbito da APS, ou em áreas de maior carência na formação, que necessitavam de reforços de educação continuada (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004). Percebia-se então, a estreita relação que se estabelecia entre o jovem em formação e os