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4 EMBASAMENTO TEÓRICO

4.1 EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL NO CONTEXTO MUNDIAL

A educação médica no Brasil completa 209 anos no ano de 2017. Historicamente teve seu início com a chegada da família real portuguesa ao Brasil no ano de 1808, primeiramente com a criação do curso médico cirúrgico em Salvador, e depois do Curso de Anatomia e Cirurgia do Rio de Janeiro (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Esses cursos tinham inicialmente uma duração de 3 anos e muito afeitos ao ensino da anatomia e na formação de cirurgiões. O surgimento da primeira corporação médica, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1829, confunde-se com o início das discussões sobre ensino médico e sobre os desafios para a implantação no país do modelo dominante na Europa, o denominado modelo anatomoclínico francês (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). A partir de 1832, os cursos médicos brasileiros passaram a ter a duração de 6 anos, regra que persiste até os dias atuais.

A Reforma Saboia de 1882 é considerada a primeira mudança importante na educação médica nacional, com alterações curriculares e tecnológicas, influenciadas em grande parte pelo denominado modelo germânico (EDLER, 2000; KEMP; EDLER, 2004). Lampert (2002) caracteriza esse período como pré-científico, com a importação de conhecimentos médicos europeus, já que apresentava ausência de uma genuína produção nacional na área. Em 1898, já na república, é criada a terceira escola médica do Brasil, a Faculdade de Medicina de Porto Alegre, configurando as 3 escolas responsáveis pela formação médica brasileira, ao final do século XIX (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; EDLER, 2000; KEMP; EDLER, 2004).

O século XX se caracterizou como um período de mudanças significativas na sociedade brasileira, no qual se observou a constituição dos marcos legais para a saúde e a educação. A lei Orgânica Rivadavia Correia organizou o ensino fundamental e reorientou o ensino secundário e superior no país, refletindo-se na organização da educação médica (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Na primeira metade do século, observou-se um crescimento do número de escolas médicas que ultrapassaram a uma dezena nos anos 50. As mesmas tendências se mantiveram nos anos subsequentes, com o aumento do número de escolas, com uma melhor distribuição pelo território nacional, e uma incipiente interiorização dos cursos médicos, fora das capitais, (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015), não apresentando, entretanto, uma alteração substancial em seus modelos pedagógicos (AMARAL, 2007).

O grande marco a influenciar a educação médica brasileira se originou das conclusões de uma comissão do senado norte americano, presidida pelo educador Abraão Flexner, professor da John Hopkins University, sobre a situação das escolas médicas dos Estados Unidos e Canadá no início do século XX (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; BRASIL, 2006a; KEMP; EDLER, 2004). Marcado na história como o Relatório Flexner, publicado em 1910. As principais recomendações desse relatório propunham uma formação médica inserida em estruturas universitárias, com corpo docente definido e dedicada ao ensino e a pesquisa. Apresentavam o hospital como centro do processo de formação, e um ensino baseado no estudo das doenças sem maiores preocupações com a assistência à saúde, e recomendando, explicitamente, a separação do ensino básico do ensino profissional (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Além disso, denunciavam vigorosamente as denominadas “seitas médicas”, como a homeopatia e outras técnicas não convencionais. Em seus pressupostos, hipervalorizavam o ensino da anatomia, não fazendo nenhuma menção as questões relacionadas à saúde mental, saúde pública ou da influência das questões sociais na saúde e bem-estar das populações. Fundamentalmente, propunham uma educação científica de base biológica, com intervenções sobre o corpo doente, centrada no Hospital e orientada para a especialização (AMARAL, 2007; BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; KEMP; EDLER, 2004).

O Relatório Flexner foi determinante na reforma do ensino médico estadunidense e posteriormente em outros países de sua área de influência, incluindo mais tardiamente, o Brasil (KEMP; EDLER, 2004). Seu impacto foi indiscutível para o desenvolvimento da medicina moderna, com incentivo a pesquisa e ao ensino ligado a uma atuação eminentemente hospitalar. Como consequência, imprimiu-se uma tendência irresistível a especialização, conformando a um só tempo um paradigma educacional, que se fez sentir na prática médica, e consequentemente, na atenção à saúde (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).

Na visão de Lampert (2002), a estrutura paradigmática com a qual se trabalha é essencialmente individualista, biologicista, hospitalocêntrica e com ênfase nas especializações. Segundo Feuerwerker e Marsiglia (1996, p. 496), esse modelo de educação pode ser caracterizado, entre outros aspectos, por:

[...] sólida formação em ciências básicas nos primeiros anos do curso como ocorria nas escolas alemãs (anatomia, fisiologia, bioquímica, farmacologia, histoembriologia, bacteriologia e patologia); pouca ênfase nos aspectos de prevenção e promoção da saúde e concentração nos aspectos de atenção médica individual; valorização da aprendizagem dentro do ambiente hospitalar,

recomendando-se que as faculdades tivessem seu próprio hospital de ensino e considerando-se impróprio o uso de outros serviços; limitação da assistência

ambulatorial apenas aos casos que precisassem de internação; organização da assistência obstétrica dentro do hospital e não fora dele (grifo nosso).

A reforma Universitária de 1968, promulgada em plena ditadura, constituiu-se num movimento de inflexão na educação médica no Brasil (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Momento em que o país passou a estimular ainda mais, e a financiar, o modelo de formação médica proposto por Flexner, 50 anos antes (LAMPERT, 2002). Defendeu a não dissociação entre ensino pesquisa e extensão, a determinação de um currículo mínimo, a definição de disciplinas obrigatórias, e de uma carga horária mínima. Imprimiu-se dessa forma, nas unidades formadoras, um ensino baseado na fragmentação do corpo humano, decompondo-o em órgãos e sistemas desconexos (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; LAMPERT, 2002). Gerando, por consequência, um profissional recortado, fragmentado e centrado na evidência de doença.

Além disso, apresentava o professor como centro do processo pedagógico, cabendo ao estudante reunir os múltiplos aspectos abordados nas disciplinas, como uma tarefa pessoal (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Esse processo de especialização-reprodução, nas escolas médicas, satisfazia os interesses econômicos e ideológicos do complexo médico industrial emergente; o que gerava, por consequência, um consumo crescente de tecnologias em equipamentos, exames e outros insumos (LAMPERT, 2002).

Esse modelo de ensino e de prática médica, impulsionou um avanço importante na produção de medicamentos, de instrumentos de alta precisão, de técnicas cirúrgicas avançadas, o que tornou algumas áreas da medicina mais resolutivas (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Dessa forma, o foco da prática médica deslocou-se do indivíduo para o seu corpo doente e para as práticas médico-hospitalares, concentrando-se progressivamente na realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos instrumentalizados, além da incorporação crescente de tecnologia e do uso maciço de drogas (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; PAGLIOSA; DA ROS, 2008).

Pagliosa e Da Ros (2008, p. 231) afirmam que

[...] mesmo que consideremos muito importantes suas contribuições para a educação médica, a ênfase no modelo biomédico centrado na doença e no hospital, conduziu os programas educacionais médicos a uma visão reducionista. Ao adotar o modelo de saúde-doença uni causal, biologicista, a proposta de Flexner reserva pequeno espaço, se algum, para as dimensões social, psicológica e econômica da saúde, que vai muito além da medicina e de seus médicos. Mesmo que, na retórica e tangencialmente, ele aborde questões mais amplas em alguns momentos de sua vida e obra, elas jamais constituíram parte importante de suas propostas.

A resultante desse processo auxiliou na deterioração na relação médico paciente, na desumanização do atendimento, com desvalorização na escuta dos indivíduos e a supervalorização da doença, gerando conflitos crescentes no processo de atenção (LUZ, 1998). Paradoxalmente, à medida que mais recursos tecnológicos são utilizados, aumenta o custo de sua utilização, e mais distante dos indivíduos se torna a prática profissional. Fato que piora o acesso e aumenta a insatisfação dos usuários dos serviços médicos (NOGUEIRA- MARTINS; NOGUEIRA-MARTINS, 1998). Adicionalmente, ainda se observa que o perfil de morbimortalidade não se altera significativamente, ao se considerar o aumento geométrico dos custos da assistência médica quando comparados aos resultados alcançados (AMORETTI, 2005; MALIK, 1996).

Este modelo de formação, o denominado modelo biomédico (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; KEMP; EDLER, 2004; LAMPERT, 2002; MARINS et al., 2004; RIBEIRO; SCHRAIBER, 1994), apesar de hegemônico, vem sendo contestado desde o século passado (FERREIRA, 2015). Observa-se, a partir de então, uma série de movimentos de contraponto, tanto nas escolas de medicina quanto em estruturas da sociedade civil organizadas (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; LAMPERT, 2002). Tais movimentos, materializaram-se em diversas conferências e seminários, que explicitaram as linhas gerais para o desenvolvimento de alternativas para a formação médica. Embora, não tivessem um caráter unitário e orgânico, pode-se afirmar que tinham como características comuns as possibilidades e o desejo, de práticas mais integrais em saúde (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).

Dentre as conferências, podemos citar: a de Colorado Springs em 1952, a de Nancy das Escolas Europeias de 1953, o Primeiro Congresso Mundial de Educação Médica do mesmo ano, e a Conferencia de Educação Médica na Índia em 1958 (LAMPERT, 2002). As mesmas delinearam, de uma forma geral e difusa, o denominado modelo Preventivista, que surgiria de forma mais organizada, nas escolas médicas estadunidenses nos anos 60. Esse movimento, discutido com amplo apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), conformava-se como parte da reação ao modelo biomédico (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Entretanto, por não se contrapor ao modelo biomédico em si, e sim em propor mudanças pontuais nos processos de diagnóstico e terapêutica médica, na prática, não alterou significativamente o processo em curso (SOUZA CAMPOS, 2007). Na visão de Souza Campos (2007, p. 30), “[...] a crítica se dirigia ao modelo biomédico, vinculado muito mais ao projeto pedagógico, e não de forma direta às práticas medicas”.

Historicamente, pode-se constatar que um dos “saldos” do modelo preventivista foi a criação de departamentos de Medicina Preventiva e Social nas escolas médicas, além da inserção de disciplinas tais como a epidemiologia, a bioestatística, a administração dos serviços de saúde nos cursos de medicina (SOUZA CAMPOS, 2007). Assim, pode-se dizer que o aumento nas discussões sobre a perspectiva biopsicossocial do indivíduo, com os distintos cenários de prática na formação médica e o enfoque comunitário, são de alguma forma, “heranças” do modelo preventivista (NUNES, 1994).

O Informe Lalonde (BECKER, 2001; CARVALHO, 2004), outro documento de grande relevância no processo de mudanças na atenção à saúde, inaugurou uma nova fase nesse processo. Atualmente é considerado o marco inicial da moderna Promoção da Saúde, que terá desdobramentos importantes, a partir do Canadá, nos anos 80 (BUSS, 2000). Marc Lalonde, Ministro da Saúde Canadense, utilizou-se do modelo “campo de Saúde”. Apresentou a ideia de que os determinantes da saúde eram definidos por um complexo conjunto de fatores, que poderiam ser agrupados em quatro grandes categorias (BECKER, 2001). Essas categorias seriam compostas por: biologia humana com todos os fatores internos, o ambiente, os estilos de vida e a organização da atenção à saúde (BECKER, 2001; CARVALHO, 2004).

O relatório Lalonde concluía ainda que o conjunto de esforços e de recursos dispendidos pela sociedade canadense, até aquele momento, se concentravam de forma maciça na organização dos cuidados médicos. No entanto, ao se observar as principais causas de morbimortalidade existentes no país, verificou-se que sua origem não estava relacionada aos cuidados médicos, e sim, influenciada pelos outros três componentes do campo da saúde (BECKER, 2001; CARVALHO, 2004).

Autores como Buss (2009) destacam que uma das contribuições seminais do Relatório Lalonde foi correlacionar saúde, desenvolvimento econômico e justiça social, auxiliando assim, na organização desse campo, e o colocando no contexto do pensamento político- estratégico em saúde. Para Buss (2000, p. 167),

A motivação central do documento parece ter sido política, técnica e econômica, pois visava enfrentar os custos crescentes da assistência médica, ao mesmo tempo em que se apoiava no questionamento da abordagem exclusivamente médica para as doenças crônicas, pelos resultados pouco significativos que aquela apresentava. Em 1978, realizou-se em Alma Ata no Cazaquistão –extinta União Soviética– a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) (MENDES, 2012; SOUZA CAMPOS et al., 2012). A conferência de Alma Ata, como passou

para a história, é outro marco fundamental no movimento pelas mudanças na saúde, e consequentemente na formação médica. Propunha o conceito de Atenção Primária, como:

Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde (ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DE SAÚDE/ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1978). Além disso, afirma que a APS era a chave para alcançar em todo o mundo, num futuro previsível, um nível aceitável de saúde, que fosse elemento componente do desenvolvimento social e se inspirasse num espírito de justiça (MENDES, 2012; SOUZA CAMPOS et al., 2012). A mesma constitui-se num marco fundamental, sob o ponto de vista político- institucional ao promulgar a diretriz “saúde para todos no ano 2000”. A partir de então, práticas generalistas, como a de clínico geral ou de médico de família e comunidade, tornaram-se um complemento ao modelo das especialidades. Desta maneira, auxiliou no estabelecimento de uma base de clínica geral, familiar e comunitária para a sustentação dos sistemas de saúde, apesar de, manterem-se politicamente marginalizados (MENDES, 2012; SOUZA CAMPOS et al., 2012).

Apesar da marca dessa Conferência ter sido a proposição da APS, outros elementos importantes foram apresentados. A exemplo disso a reafirmação explicita da saúde como um direito humano fundamental e da responsabilidade do estado pela saúde dos cidadãos, além disso afirmou o direito das pessoas em participar das decisões na área (BUSS, 2000). Segundo Buss (2000, p. 167), “As conclusões e recomendações de Alma-Ata trouxeram um importante reforço para os defensores da estratégia da promoção da saúde, que culminou com a realização da I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em Ottawa, no Canadá”.

O mote central da Promoção da Saúde é resgatar a perspectiva de relacionar saúde com as condições de vida e a variedade dos fatores físicos, psicológicos e sociais envolvidos na conquista de uma vida saudável. Além disso, propugna que esses fatores de

desenvolvimento a serem aprendidos são tanto de natureza individuais como coletivos

(CZERESNIA; FREITAS, 2003, grifo nosso). O movimento teve como importantes pontos de aporte três conferências internacionais realizadas em 1981, 1986 e 1991, em Ottawa, Adelaide e Sundsval, respectivamente (CZERESNIA; FREITAS, 2003; SOUZA CAMPOS et al.,

2012). É importante ressaltar que o conceito de Promoção da Saúde encontra-se presente em termos muito atuais de nossa realidade como, políticas públicas saudáveis, colaboração intersetorial, desenvolvimento sustentável, entre outros (CZERESNIA; FREITAS, 2003). Embora nunca tenham se tornado hegemônicos no Brasil, esses modelos tiveram uma ampla repercussão política e social.

Tanto o modelo Preventivista quanto o da Promoção da Saúde, influenciaram decisivamente na constituição dos grandes marcos modernos nas questões de saúde no Brasil: o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira e a VIII Conferência Nacional de Saúde (LAMPERT, 2002). Seus pressupostos estão presentes a nível constitucional, notadamente no Título VIII Da Ordem Social, no Capítulo II da seguridade social, sintetizados na expressão: “Saúde direito de todos e dever do Estado” (FALLEIROS; LIMA, 2010).

A constituição de 1988 e a lei orgânica da saúde de 1990 oficializaram o SUS, e promoveram um grande impulso nos movimentos de reforma a assistência à saúde, e por consequência, impactaram as discussões sobre a formação médica. Neste âmbito, a expansão da APS se tornou um desafio a ser alcançado, a partir da escolha do Programa de Saúde da Família pelo Ministério da Saúde. Visando à reformulação do Modelo Assistencial, vigente no Brasil (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). A partir disso, uma constatação se tornou patente: as escolas médicas brasileiras formavam um profissional despreparado para as verdadeiras necessidades de saúde da população (NOGUEIRA, 2009). No início da década de 1990, essas inconsistências do ensino médico brasileiro se tornaram relevantes na discussão pública (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).

A Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e mais nove instituições constituíram a denominada Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas (CINAEM). Seu objetivo precípuo era avaliar a educação médica visando a melhoria dos recursos humanos, capazes de atender as demandas emergentes do SUS (NOGUEIRA, 2009). O projeto constou de três fases, sendo que na primeira etapa foi traçado um perfil das escolas médicas brasileiras a partir de um roteiro elaborado pela OPAS. A partir de suas conclusões, na segunda fase foram estudados, os métodos pedagógicos, o sistema de avaliação docente e discente, e a proposta curricular (BATISTA, VILELA, BATISTA, 2015; NOGUEIRA, 2009). Em 1998, já na terceira etapa do projeto o objetivo norteou-se na perspectiva de “[...] proporcionar a construção coletiva de uma proposta para a transformação da escola Médica de acordo com novos paradigmas, capazes de viabilizar a formação de um médico adequado às demandas

sociais contemporâneas” (Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas, 2000, p. 9).

Para Batista, Vilela e Batista (2015, p. 103), a proposta final apresentada pelo projeto CINAEM:

[...] apontava novos caminhos para a formação do médico, a partir do olhar clínico sobre as diferentes necessidades de saúde de indivíduos e de populações, por meio da integração de diversos conteúdos que auxiliassem nas práticas de acolhimento, significação, responsabilização, intervenções e resoluções, fundamentais para o perfil de um médico atento às novas demandas em saúde no Brasil.

Essas propostas foram de grande importância na elaboração das DCNs do Ensino Médico pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no ano de 2001, no alvorecer do século XXI, explicitando o objetivo de formar:

[...] um médico, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva; capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença e seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001).

Maranhão e Siqueira-Batista (2012) consideram que as DCNs são uma formulação institucional síntese dos diversos movimentos de mudança na escola médica, constituindo-se num novo paradigma para a educação médica brasileira. A partir delas, diversas iniciativas envolveram relações institucionais e interinstitucionais em busca de avanços no processo de mudança (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). O Programa de Incentivos às Mudanças Curriculares dos Cursos de Medicina (PROMED) constituiu-se numa cooperação entre escolas médicas interessadas em mudanças curriculares, patrocinadas pelo Ministério da Saúde. Esse programa marca um momento histórico na saúde, devido a aproximação entre o Ministério da Saúde e o da Educação no que diz respeito a formação de profissionais da área, e tinha como lema: uma nova escola médica para um novo sistema de saúde (ALVES et al., 2013).

Posteriormente, o PROMED é substituído por um programa mais amplo, o chamado Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-Saúde). O trabalho colaborativo entre os 2 ministérios proporciona as condições para a alteração da estrutura do Ministério da Saúde, com a criação da Secretária de Gestão do Trabalho da Educação em Saúde (SGTS). O aprofundamento desse processo se dá a partir de projetos como: Projeto Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS), e o

Aprender-SUS, que se constituíram em formas de integração entre as universidades e os serviços de saúde (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).

Nesse processo de aproximação na área, diversas associações de ensino da saúde, criaram em 2004, o Fórum Nacional de Educação das Profissões na Área da Saúde (FNEPAS) que reuniu discussões a respeito de todas as profissões envolvidas no cuidado em saúde. Fato que reforçou a perspectiva da interprofissionalidade e o trabalho em equipe. Fuerwerker (2014,142) considera que “[...] a mudança da formação dos médicos certamente se fortalecerá se inserida em um movimento mais amplo de mudança na formação em saúde-mais vetores atuando em outros sentidos, produzindo novas possibilidades”.

O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) de 2008-2010, inseriu-se na lógica da integração ensino-serviço-comunidade. Caracterizava-se por estimular