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4 EMBASAMENTO TEÓRICO

4.2 INTERNATO CURRICULAR OBRIGATÓRIO

O ICO representa a última etapa do curso de graduação em medicina (BRASIL, 2001, 2014a; PONTES; SOUZA-MUNOZ, 2014). Segundo Batista, Vilela e Batista, “um dos espaços privilegiados de aprendizagem ao longo do processo de formação no curso médico é o período do internato ou estágio curricular obrigatório” (2015, p. 237). Nessa etapa de formação, o estudante tem a oportunidade de vivenciar de forma mais concreta a prática da Medicina. Através de uma atuação mais ativa, responsabilizando-se diretamente por pacientes (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; PONTES; SOUZA-MUNOZ, 2014). Sob a orientação de instrutores –professores e preceptores– o interno passa de um papel de observador privilegiado do processo de atenção, a de ator nesse processo (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; FEUERWERKER; MARSIGLIA, 1996).

Paradoxalmente a sua importância, o ICO é uma das etapas mais negligenciadas quanto a normatizações legais pelos órgãos reguladores. Acarretando em uma ausência de homogeneidade mínima nas atividades oferecidas no ICO, entre as mais de 250 escolas médicas existentes no Brasil na atualidade (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Ao

buscarmos na história os movimentos formais de sua constituição-regulamentação, vamos observar que os cursos médicos brasileiros desenvolvem algum tipo de treinamento em serviço desde os anos 40 do século passado. Esse início é concomitante à adoção, no Brasil, de grades curriculares, que refletiam o modelo americano mais pautado nos conhecimentos teóricos, e mais distantes da prática do trabalho médico.

As práticas rotatórias e obrigatórias durante o sexto ano de graduação em Medicina surgiram na década de 50, sendo oficializadas apenas em 1969 e regulamentadas pelo Conselho Federal de Educação (CFE), em 1983 (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; COSTA et al., 2012; PONTES; SOUZA-MUNOZ, 2014). Tal resolução define o internato como a última etapa da formação médica, isenta de disciplinas acadêmicas, sob forma de treinamento contínuo sob supervisão em instituições de saúde vinculadas ou não a Instituições de Ensino Superior (IES).

É curioso observar que essa é a única orientação oficial existente sobre o ICO até a promulgação das DCNs no ano de 2001. Constata-se que mesmo que essa norma legal aborde as questões do ICO, realiza-as de uma forma muito superficial e sintética (BRASIL, 2001). Nesse documento, é definido que a carga horária formal deve ser de no mínimo 35% da carga horária total do curso. Devendo incluir, obrigatoriamente, aspectos essenciais de Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia-Obstetrícia, Pediatria e Saúde Coletiva. Recomenda ainda que tenha uma duração mínima de 2 anos, limitando as atividades teóricas a um máximo de 20% de carga horária total. Preconiza que deve ocorrer em cenários de prática dos três níveis de atenção no SUS (BRASIL, 2001).

A partir do ano de 2008, o ICO passou a subordinar-se a uma lei federal, chamada de “Lei dos Estágios”, com todas as suas consequências e implicações (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). Com o advento do PMM em 2013 (BRASIL, 2015) outras especificações a respeito do ICO foram oficializadas. Destaca-se as referentes a ofertar aos acadêmicos uma maior experiência da prática médica durante o processo de graduação em medicina. Alguns pontos importantes definidos a partir do programa reportam a questões relacionadas ao ICO, de uma forma um pouco mais detalhada, das quais pode-se destacar:

Ao menos 30% da carga horária do internato médico na graduação deve ser desenvolvida na Atenção Básica [Primária] e em Serviço de Urgência e Emergência do SUS, respeitando-se o tempo mínimo de dois anos de internato, a ser disciplinado nas diretrizes curriculares nacionais (BRASIL, 2015, inserção com grifo nosso).

A partir do ano de 2014 com a readequação das DCNs, observou-se uma preocupação maior com a área de Urgência e Emergência a partir da especificação de um percentual mínimo obrigatório para essa área e para a APS. Consistia em destinar um mínimo de 30% da carga horária total do ICO para essas duas áreas com predominância percentual da segunda. Além disso, as novas DCNs aumentaram o número de áreas obrigatórias, adicionando as áreas de APS e Saúde Mental, as 5 áreas previamente existentes (BRASIL, 2014a).

No Brasil, a ABEM é a instituição que tem estudado as questões referentes ao ICO de uma forma mais sistemática. Batista, Vilela e Batista (2015) observam que os estudos realizados pela instituição, desde o início dos anos 70, foram referencias muito importantes para uma melhor compreensão dessa fase fundamental da formação médica, principalmente considerando a fragilidade da regulamentação existente.

O Projeto, ABEM 50 anos -10 anos de DCNs - de 2014, foi construído em parcerias da associação com suas regionais e o Ministério da Saúde. O mesmo preencheu uma lacuna, ao propor, entre outras questões, diretrizes nacionais específicas para o ICO em Medicina, em consonância com as DCNs. O projeto procurou conhecer e compreender qual o perfil do ICO desenvolvido pelas escolas médicas brasileiras, aperfeiçoando e validando as atividades existentes, visando definir competências específicas para o ICO. Para assim propor, no final do processo, Diretrizes Nacionais da ABEM para o Internato Médico (LAMPERT; BICUDO, 2014).

Batista, Vilela e Batista consideram que:

O modelo ideal de internato não pode ser desvinculado de um processo de transformação do ensino médico, em consonância com as DCN, que potencializa a capacidade do estudante de construir conhecimentos, ao longo do curso, por meio de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, assumindo responsabilidades crescentes de cuidados e de atenção, compreendendo a importância dos serviços dentro do SUS e trocando saberes com a comunidade (2015, p. 242).

A literatura cita três tipos de internato curricular médico utilizado pelas escolas: o rotativo, o eletivo e o integrado (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015). O sistema de rodízio em grandes áreas é o modelo predominante em grande parte das escolas médicas brasileiras, e sofre uma influência muito grande das especialidades médicas. Acarretando em períodos muito curtos de atividades, com ausência de continuidade e fragmentação. O eletivo facilita a escolha dos alunos por áreas desejadas individualmente, porém pode ser um estímulo a especialização precoce. Principalmente se for levado em consideração que muitas escolas médicas ainda apresentam um modelo de formação tradicional. O internato integrado

se vale de uma visão multidisciplinar ao prever a passagem concomitante por diferentes áreas médicas, sendo menos propenso a fragmentação (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015).

Diversos autores mostram que o ICO em APS é capaz de colocar o interno em contato com uma realidade mais integral e integrada, mostrando-se mais equânime com o modelo de saúde em vigência no país. Por outro lado, é capaz de mostrar ao estudante, a partir da realidade de saúde das populações, uma visão menos fragmentada no processo de atenção à saúde. Portanto, capacita-o para práticas interdisciplinares e multiprofissionais, capazes de impactar sua formação e consequentemente a atenção a saúde dispensada (BATISTA; VILELA; BATISTA, 2015; CAMPOS; FOSTER, 2008; MARIN et al., 2013; PONTES; SOUZA-MUNOZ, 2014; SOUZA CAMPOS, 2007; STREIT; MACIEL; ZANOLLI, 2009; SUÁREZ et al., 2001).

4.3 ATENÇÃO PRIMÁRIA A SAÚDE E O INTERNATO CURRICULAR OBRIGATÓRIO