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Aspectos históricos de uma fronteira longínqua: a região de Corumbá

Antes de passar à descrição e análise da questão educacional neste primeiro período, seria importante lançar algumas luzes a mais sobre a região da fronteira Oeste, escolhida como universo desta pesquisa. É neste sentido que o ponto de partida deste trabalho é a cidade de Corumbá, considerada enquanto locus significativo da fronteira brasileiro- boliviana. Este município, situado às margens do rio Paraguai, a meio caminho dos centros urbanos de maior destaque em âmbito regional (Cáceres e Cuiabá, em Mato Grosso e Campo Grande, em Mato Grosso do Sul), aparece também como a mais importante cidade brasileira na fronteira do Brasil com a Bolívia. Estes dois fatores — sua localização privilegiada na bacia do Alto Paraguai e a proximidade com a Bolívia — vão marcar, neste contexto, o desenvolvimento da cidade, desde seus primórdios, no século XVIII 53.

Da mesma forma, após a Guerra da Tríplice Aliança, no final do século XIX, a efetiva abertura da navegação no rio Paraguai fez de Corumbá um dos centros comerciais54 de maior importância em Mato Grosso55, porto internacional responsável pelo

de 1945 a 8 de agosto de 1946.” PÓVOAS, Lenine C. História Geral de Mato Grosso... p. 422. 53 ITO, Claudemira Azevedo. Corumbá: a formação e o desenvolvimento da cidade... p. 50 et seq.

54 Esta intensificação da atividade comercial em Corumbá desenvolveu-se num contexto que se estende da segunda metade do século XIX , um dos períodos de maior dinamismo da Revolução Industrial na Inglaterra, quando este país procurava incentivar a expansão de suas exportações, inclusive para a América Latina; e a Primeira Guerra Mundial, passando ainda pela crise capitalista que se iniciou em 1870, com as possibilidades que estes dois episódios trariam para a dinamização econômica de regiões periféricas, mas que estavam envolvidas na comercialização de mercadorias produzidas nos centros capitalistas mais desenvolvidos. Assim, Alves destaca que “a abertura dos rios da bacia do Prata ocorreu num momento em que as transformações na produção, na circulação e nas comunicações expandiam o comércio mundial, situação que se refletiu necessariamente no funcionamento da casa comercial, determinando novos rumos ao seu desenvolvimento.” ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso e a História: 1870-1929 — ensaio sobre a transição do domínio da casa comercial para a hegemonia do capital financeiro... p. 18-19.

55 O que provocou, igualmente, a presença hegemônica desta fração da burguesia, representada pelo comércio, nos cenários social e político mato-grossense, até a década de 20. Ibid., p. 33.

abastecimento das cidades do interior do estado (Campo Grande, Cuiabá, Cáceres, Coxim e outras), com mercadorias vindas de todas as regiões do Brasil e do exterior, além do escoamento da produção local. Esse processo de hegemonização das casas comerciais em Corumbá, no entanto, começou a ser abalado a partir da primeira década do século XX, quando da construção da ferrovia que ligou Campo Grande a Porto Esperança, localidade também situada às margens do rio Paraguai.

A partir desse momento, o eixo econômico-social desta região volta-se para as áreas lindeiras à ferrovia, firmando-se a participação do Pantanal mato-grossense como exportador de gado em pé e importador de mercadorias do restante do Brasil e exterior, agora transportadas também pela via férrea56. Além dessas atividades, entre os anos 20-40, floresceram, à sombra dos trilhos da Noroeste, as indústrias do charque (charqueadas), algumas delas remanescentes de empreendimentos outrora localizados em Corumbá. Deu- se, também, continuidade à navegação na bacia do Paraguai e seus tributários, embora apenas em escala regional, visando tanto à redistribuição das mercadorias trazidas pelo transporte ferroviário, como pela via fluvial57.

É importante lembrar, inicialmente, que as mudanças na base produtiva citadas anteriormente, sobretudo aquelas que atingiram o setor pecuário do estado de Mato Grosso — provocadas pela crise econômica dos anos 20/30 —, simultaneamente ofereceram as condições necessárias para o soerguimento desta região brasileira, principalmente a partir dos anos 40. Assim, as dificuldades enfrentadas pelo Brasil e pelo estado de Mato Grosso com o corte das linhas de abastecimento de produtos importados, tanto do continente europeu como do americano, ocasionariam novo surto desenvolvimentista na região, com o surgimento de um pequeno mas significativo — regionalmente falando — parque industrial. Exemplo desta ordem pode ser apresentado em relação ao município de Corumbá. Essas empresas, algumas contando com a participação de capital estrangeiro, estavam basicamente concentradas nos setores alimentício e da construção civil, num momento em que a própria edificação do ramal ferroviário Brasil/Bolívia (Corumbá/Santa

56 ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso e a História: 1870-1929 — ensaio sobre a transição do domínio da casa comercial para a hegemonia do capital financeiro... p. 72 et seq.

57 PROENÇA, Augusto César. Pantanal: gente, tradição, história... p. 118-120.; MICHELS, Ido Luiz, OLIVEIRA, Tito Carlos Machado de (Coord.). Diagnóstico sócio-econômico da Bacia do Alto Paraguai: aspectos regionais e urbanos... p. 10.

Cruz de la Sierra), iniciada em 193858, havia trazido um grande afluxo populacional à região, principalmente trabalhadores bolivianos e paraguaios, que vieram a estabelecer-se no município. Segundo informações do relatório de João Mello, elaborado após sua visita a Corumbá em 1941, endereçado ao Cel. Raul Silveira de Mello, membro da Comissão Especial de Fronteiras59, os aluguéis chegaram a dobrar em um curto período de dois anos, na cidade, pelo déficit habitacional provocado por essa migração e imigração extemporânea.

Se parte do capital investido nas empresas surgidas era internacional — principalmente em se tratando dos setores voltados para a extração de minerais estratégicos, como era o caso da exploração do manganês e minério de ferro em Corumbá60 —, as indústrias ligadas à produção alimentícia e construção civil eram formadas basicamente por empreendedores locais. Parte desse capital advinha da atividade comercial e navegação, enquanto outra parcela, como aconteceu sobretudo com as charqueadas, representava a reaplicação dos rendimentos alcançados com o criatório bovino.

No caso das charqueadas, se esta atividade contara, sobretudo nos primeiros vinte anos deste século, com a participação fundamental de capitais ingleses e platinos na sua formação61, esse quadro começara a sofrer mudanças a partir dos anos 20, quando esses empreendedores começaram um processo de desmontagem de seus negócios em Mato Grosso, que passaram a ser adquiridos por empresários locais. Exemplificando estas mudanças, será examinado o caso das empresas situadas no município de Corumbá. Desta forma, em 1920, a firma Barros & Gomes Cia. Ltda., tendo à frente, entre outros, Eugênio Gomes da Silva, José de Barros Maciel, Fernando de Barros, Antônio Leite de Barros, João Batista de Barros e João Wenceslau Leite de Barros, arrendou o saladeiro do Rebojo, cuja propriedade pertencia a G. C. Dickinson & Cia, com sede social em Montevidéu62. Tendo

58 Será a partir deste ano que a Comissão Mista Brasileiro-Boliviana virá a instalar-se no município, iniciando em 1939 os trabalhos de construção propriamente ditos, em território boliviano. Mais detalhes, cf. capítulo III deste trabalho.

59 BRASIL. Conselho de Segurança Nacional. Comissão Especial de Revisão das Concessões de Terras na Faixa das Fronteiras. Processo nº 606. Rio de Janeiro: 1941. AN

60 Atividade que se viabilizou principalmente a partir dos anos 50, como será visto no quarto capítulo deste trabalho.

61 ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso e a História: 1870-1929 — ensaio sobre a transição do domínio da casa comercial para a hegemonia do capital financeiro... p. 48-49.

permanecido na direção deste estabelecimento por duas safras, iniciaram em 1923 novo negócio, com a compra do Saladeiro Otília, este último pertencente a Leôncio Nery.

Em 1930, Paulino Gomes da Silva, outro fazendeiro estabelecido em Corumbá, fundou a firma Paulino Gomes Cia. Ltda., associando-se ao capital da Barros & Gomes Ltda. Juntas, as duas empresas abriram a Charqueada Barrinhos, num local denominado Rabicho, à beira do rio Paraguai. Até esse momento, a maior parte do charque produzido em Corumbá era exportado, sendo transportado pelo Rio Paraguai até Montevidéu, onde era embarcado para outros países. A crise dos anos 20/30, no entanto, não só trouxe mudanças na composição social das empresas existentes, com a entrada e saída de sócios, como o redirecionamento do destino final da mercadoria, desta feita visando ao mercado interno, mais especificamente a Baixada Fluminense, para a qual era transportada por via férrea63.

Assim, a partir de 1938, o setor pecuário, que sofrera forte abalo nas suas vendas com a crise dos anos 20/30, voltara a apresentar resultado positivo no intercâmbio para o mercado interno, quando o país se encontrava em estado de guerra. O fator aumento das vendas, combinado às mudanças provocadas no processo produtivo do rebanho, alcançando maior taxa de desfrute do produto final, além de um período de precipitações pluviais dentro de padrões de normalidade na região, sem a ocorrência de enchentes64 — facilitando o criatório — foram alguns dos fatores a propiciar ganhos significativos nos rendimentos das fazendas, sobretudo na planície pantaneira; ganhos esses que foram reinvestidos em outros setores produtivos, como dito anteriormente, principalmente na pequena e média indústrias alimentícia e de construção civil.

Sobre o setor industrial, no município de Corumbá, o seu crescimento pode ser observado na Tabela 1.2.:

63 PROENÇA, Augusto César. Pantanal: gente, tradição, história... p. 118-119.

64 Dadas as condições da criação bovina, sobretudo na região do Pantanal, ainda em grande parte realizando- se sob a forma da pecuária extensiva — apesar do alcance das modificações introduzidas, naquele momento, nas principais propriedades do município de Corumbá —, esta atividade encontrava-se em grande medida sujeita às alterações climáticas e fluviais existentes na planície pantaneira. Desta forma, um ano de cheia acima dos parâmetros normalmente observados, como aquela acontecida em 1942, poderia prejudicar toda a produção daquele período, uma vez que muitas cabeças de gado poderiam ser perdidas com a enchente. Por isso a ocorrência da seca, isto é, condições climáticas em que a enchente anual da planície pantaneira ficava dentro do limite normalmente observado, era um fator favorável ao criatório bovino na região. MATO GROSSO. Interventor Julio Strübing Müller. Telegrama nº 15, de 10/03/1942. Cuiabá: 1942. AN

Tabela 1.2. – Desenvolvimento do setor industrial – Corumbá – 1930, 1940 e 1950 Setores 1930 1940 1950 Alimentação (1) ... 2 13 nd Produtos de limpeza... -- 3 nd Serrarias... -- 7 nd Estaleiros... 1 nd nd Construção civil (2) ... -- 9 nd Charqueadas... 2 3 nd Gráficas... 1 3 nd TOTAL... 6 38 49

(1) Inclui as indústrias de massas alimentícias, refrigerantes e cerveja. (2) Inclui a fabricação de telhas, tijolos e cal.

Fontes: ANNUARIO de Matto Grosso, 1930: 84-86.; MATO GROSSO, 1942: 9-10.; IBGE, 1960: 317-320.

Assim, em 1930, o Annuario de Matto Grosso65 registrou quatro estabelecimentos, destacados em função de sua importância: Saladeiro e Matadouro Público, da firma Monaco Barros & Cia. Ltda.; o Saladeiro Otilia, da firma Barros, Gomes & Cia. Ltda.; a Fábrica de Cervejas e Gazozas de José Rodrigues S. Pedro e o Estaleiro de Construção Naval dos Irmãos Puccini & Cia. Também possuíam anúncios encartados nesta publicação A Central, de F. Roca — fábrica de massas alimentícias, torrefação e moagem de café, sal e açúcar — e a empresa Sequeira & Cia., responsável pela pautação e fabricação de livros contábeis, além de funcionar também como casa editorial. No ano de 1940, Corumbá contava com 38 estabelecimentos, concentrados principalmente no setor alimentício e da construção civil. Em 1950, segundo dados do IBGE, já havia chegado a 49 o número de empresas industriais existentes na cidade, sendo 49,9% indústrias do setor alimentício66.

Já se observou que, em termos sócio-econômicos, esse momento foi marcante para o processo de consolidação de Campo Grande como pólo aglutinador da região Sul do estado, notadamente no campo comercial, representando ao mesmo tempo a perda da hegemonia que Corumbá mantivera neste setor até o início do século — sobretudo até meados dos anos 20 —com a presença forte das casas comerciais no comércio intra e inter-regional67. A consolidação desse novo bolsão de desenvolvimento dentro do estado, centrado em Campo

65 ANNUARIO de Matto Grosso – 1930 – 1º ano... p. 84-86.

66 PINTO, Maria Magdalena Vieira. Núcleos urbanos. In: IBGE. Conselho Nacional de Geografia. Geografia

do Brasil: grande região Centro-Oeste... p. 317-320.

67 Sobre este tema cf. ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso e a História: 1870-1929 — ensaio sobre a transição do domínio da casa comercial para a hegemonia do capital financeiro...

Grande, já fora assinalada por Annibal Benicio de Toledo, último presidente do Estado de Mato Grosso no período que antecedeu ao movimento de 1930, na defesa que faz sobre onde deveriam recair os esforços políticos e econômicos, no sentido de promover o povoamento do Estado:

“Dahi a minha idéa de renunciar ao aproveitamento da navegação fluvial de Corumbá a Cuyabá, como caminho único para o progresso que tem de nos vir do Sul. A faixa de 100 légoas de pantanaes que separa as duas cidades, impropria, como é, para a fundação de nucleos intermedios de povoações urbanas, não nos dá absolutamente esperança de melhoras para esta situação em que estacionamos há mais de 60 annos, desde que se iniciou a navegação do Cuyabá. Esse pantanal infindo não pode ser habitado tão cedo. Por isso me firmei no pensamento de melhorar e povoar o caminho de Campo Grande — Coxim — Cuyabá, mais curto, de construcção mais facil e economica do que qualquer outro, atravessando terras ferteis e, portanto, povoaveis por colonias agricolas, que são as que maior densidade de população podem promover.”68 (Os grifos são nossos) Outra variável a indicar esta mudança aparece no crescimento das principais cidades do estado, expresso nos seus ganhos populacionais entre os anos de 1920 e 1940, que pode ser observado na Tabela 1.3.

A partir dos dados fornecidos pela Tabela 1.3., podem-se comparar as diferentes taxas de crescimento dos municípios do Sul de Mato Grosso entre 1920 e 1940, anos em que foram realizados recenseamentos gerais da população brasileira naquele período69. A maior variação aconteceu em relação ao município de Dourados (140,2%), que em 1940, emancipado politicamente, começou a destacar-se, principalmente em razão do influxo migratório que passou a abrigar nessa década e seguintes, com o desenvolvimento da atividade agrícola nesta parte do estado. A segunda colocação coube a Campo Grande que, apesar de ainda não ter atingido o primeiro posto entre os municípios mato-grossenses, teve sua população aumentada em 132,3%, o dobro da variação atingida pelo município de Cuiabá (61,5%), que ainda possuía a maior população em termos absolutos, em 1940.

68 MATO GROSSO. Mensagem apresentada á Assembléa Legislativa e lida na abertura da 1.ª Sessão

Ordinaria de sua 15.ª legislatura. Cuyabá: Typ. Official, 1930. p. 12. NDHIR-UFMT

Tabela 1.3. – População das principais cidades mato-grossenses – 1920 e 1940 (1)

Cidades 1920 1940 Variação

Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total %

Cuiabá... 16.440 17.238 33.678 27.479 26.915 54.394 61,5 Campo Grande... 12.120 9.240 21.360 26.330 23.299 49.629 132,3 Corumbá... 10.447 9.100 19.547 16.131 13.390 29.521 51,0 Ponta Porã... 10.713 8.567 19.280 17.408 15.588 32.996 71,1 Três Lagoas (3) ... 5.450 3.594 9.044 8.212 7.166 15.378 70,0 Dourados (2) ... 3.488 2.750 6.238 8.080 6.905 14.985 140,2 Estado... 133.146 113.466 246.612 230.405 201.860 432.265 75,3

(1) Foram consideradas todas as cidades com população acima de 15.000 habitantes, em 1920, ano base da tabela.

(2) Em 1920, distrito de Ponta Porã.

(3) Incluída, por tratar-se de centro urbano situado a beira da Estrada de Ferro Noroeste. Fontes: BRASIL, 1926: 110-113.; IBGE, 1952: 51.

Excetuando-se as duas cidades acima destacadas — Dourados e Campo Grande — os outros quatro municípios examinados — Cuiabá, Corumbá, Ponta Porã e Três Lagoas — tiveram uma variação populacional entre os anos de 1920 e 1940 que ficou entre 51,0% (Corumbá) e 71,1% (Ponta Porã). Mesmo Três Lagoas, localizada da mesma forma que Campo Grande no caminho da Estrada de Ferro Noroeste, à qual deve parte de seu desenvolvimento, não alcançou o percentual de crescimento populacional desta última, sendo registrado um aumento de 70,0% no número de habitantes deste município entre 1920 e 1940.

Em relação ao município de Corumbá, é importante destacar duas questões relacionadas ao crescimento de sua população nesse período. A primeira prende-se às próprias mudanças acontecidas no setor pecuário, que levou parte dos descendentes dos pioneiros, conforme o relato de Corrêa Filho, a deixarem a moradia no Pantanal e fixarem residência na zona urbana. Neste sentido,

“Entre os descendentes dos pioneiros, já se encontram médicos, engenheiros, advogados, veterinários, agrônomos, todos empenhados em concorrer para o engrandecimento dos pantanais afamados (...). Embora nem sempre morem nas suas fazendas, cuidam de dotá-las de habitações confortáveis, onde possam estanciar durante alguns meses. Nos restantes, permanecem em Corumbá, onde constituem o grupo dos maiores

capitalistas, interessados nas charqueadas próximas, que lhes garantem o consumo das boiadas.”70

Assim, em 1940, Corumbá registrava 34,7% de sua população residindo em área urbana, 24,4% na suburbana e 40,9% na zona rural, alcançando, desta forma, os maiores índices de urbanização entre as cidades situadas na região pantaneira71. Mesmo a capital do estado, distanciava-se nesse quesito em relação a Corumbá, uma vez que em Cuiabá 58,0% da população ainda se localizava na zona rural.

Outro fator a colaborar para o incremento do município foi o início da construção da Estrada de Ferro Brasil-Bolívia, a partir de 1938. Segundo Corrêa Filho, a chegada da Comissão Construtora não representou apenas a atração de uma nova leva populacional que se dirigiu a Corumbá, causando a já citada elevação geral dos preços dos aluguéis na cidade, mas também o aumento dos serviços oferecidos na malha urbana, inclusive os educacionais72. Corroborando esta assertiva, pode-se constatar que o crescimento da cidade, até os anos 60, deu-se em direção à região Sul do perímetro urbano73, abrangendo os bairros periféricos do Sagrado Coração de Jesus, Populares (Velhas) e Cristo Redentor74 — este último, incluindo a região situada atrás da estação férrea de Corumbá. Nesta área, situaram-se não só o núcleo populacional relacionado aos trabalhadores que participaram da construção dos novos ramais ferroviários, como também aqueles que foram atraídos pela abertura da indústria siderúrgica do grupo Chamma no município, a partir de 1944, com a instalação da Sociedade Brasileira de Mineração (SOBRAMIL).

Neste sentido, Oliveira evidencia o caráter multiplicador desse investimento, que chegou a transladar, segundo depoimento do responsável pela empresa A. Chamma, cerca de duas mil pessoas, sobretudo nordestinos, utilizados como força de trabalho na coleta de madeira para os fornos siderúrgicos, afora outras categorias profissionais, advindas em etapas posteriores de implantação e funcionamento da empresa. Considerando que em 1940

70 CORRÊA FILHO, Virgílio. Pantanais mato-grossenses: devassamento e ocupação... p. 131.

71 Eram estas as cidades situadas nesta região: Cuiabá, Corumbá, Aquidauana, Cáceres, Poconé, Santo Antônio, Bela Vista, Miranda, Porto Murtinho e Nioaque. Ibid., p. 156.

72 Ibid., p. 143-144.

73 ITO, Claudemira. Corumbá: a formação e o desenvolvimento da cidade... p. 24 et seq. 74 COSTA, Paulino Lopes da (Org.). O profeta do Pantanal... p. 108-109.

a cidade contava com 29.521 habitantes, isto representava um acréscimo de 6,8% em sua população urbana. Assim,

“O frenesi dessa urbanização — sem esvaziamento do setor rural — acelerada passou a invocar novos limites para o abastecimento. (...) Noutros termos, elevou-se a capacidade produtiva da economia local. Foram refeitas as contas e as possibilidades de investimentos em novas unidades produtivas e no comércio de mercadorias de toda espécie; ampliou-se a necessidade de profissionais liberais, de atividades sociais e de prestação de serviços.”75

Neste sentido, este foi outro fator a colaborar para permitir a realocação do capital acumulado pela atividade comercial e pecuária, no município de Corumbá, como frisado anteriormente.

Este conjunto de condicionantes — as mudanças provocadas pela crise dos anos 20/30 no setor pecuário, combinada a condições climáticas favoráveis e ao aumento de vendas no período de guerra; o movimento em torno da construção do ramal ferroviário Brasil-Bolívia, além da chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Noroeste à cidade, bem como a instalação de novas indústrias, provocaram um efeito multiplicador sobre as atividades produtivas na região, que acabou alavancando o surto industrial que o município conheceu a partir da segunda metade dos anos 40. Esta incipiente industrialização, tendo sido decisiva na conformação de uma nova composição social no município, acabou por diversificar a própria malha urbana, colaborando, alguns anos depois, para a expansão do ensino, público e privado, em Corumbá.