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A sociedade em Mato Grosso no pós-guerra

nº 4. Cuiabá: 1935 p 1 APE-MT

1. A sociedade em Mato Grosso no pós-guerra

Como foi dito ao final da primeira seção do capítulo anterior, o fim do Estado Novo encontrou o estado de Mato Grosso em vias de iniciar um novo período de dinamização em termos econômicos. Neste sentido, este momento histórico foi marcado principalmente por dois processos. O primeiro, a incipiente industrialização de algumas regiões do estado, como era o caso de sua área central — capitaneada pela cidade de Corumbá. O segundo, marcado pelo desenvolvimento dos projetos de colonização pública e privada, abrangendo tanto áreas do Sul do estado, nas imediações dos municípios de Dourados, Ponta Porã e Miranda, como a região Norte de Mato Grosso (Jaciara, Vale do Jaurú e Rondonópolis, entre outras), iniciando-se, aí também, a ocupação dos territórios de floresta amazônica, localizados a partir do paralelo 16°.

Neste sentido, pode-se dizer que, a partir da segunda metade dos anos 40 e principalmente na década de 50, as diretrizes do projeto acalentado e decantado desde os albores do movimento revolucionário de 1930, a chamada Marcha para o Oeste, começou a mostrar de forma mais sensível os seus frutos na região mato-grossense. Se as bases

materiais, políticas e ideológicas para as iniciativas levadas a termo neste segundo período encontram suas raízes nos anos 30/40, foi neste segundo momento, que se iniciou com o final da Segunda Grande Guerra, que frutificaram algumas das sementes antes cultivadas.

Para isso, foi essencial a presença do Estado que, desta forma, passou por um novo processo de reorganização interna, visando à sua adequação a um conjunto crescente de tarefas que seu papel de idealizador e muitas vezes de motor destas mudanças exigia. Além disso, o retorno do país aos trilhos da democracia, com a volta à cena política dos governos estaduais, acabou impondo modificações e rearranjos internos na máquina pública, visando dar respostas a uma sociedade que cada vez mais se urbanizava, ganhando simultaneamente maior complexidade política e social1. Com isso, ainda durante o período de governo do último interventor, José Marcelo Moreira, antes mesmo das eleições para o executivo estadual em 1947, foi extinta a Secretaria Geral do Estado (Decreto-Lei n° 251, de 9 de julho de 1946), voltando a funcionar as duas secretarias existentes em 1937: a Secretaria do Interior, Justiça e Finanças e a Secretaria de Agricultura2.

Assim, essa reforma deu início a um processo de crescente expansão dos serviços públicos, em todos os níveis de governo3, com a participação cada vez maior de grupos sociais organizados, por intermédio dos partidos políticos surgidos no pós-45, na composição interna do Estado. O subseqüente crescimento do funcionalismo público, por sua vez, permitiu o uso cada vez mais freqüente dos cargos públicos como moeda de troca nos momentos de disputa e enfrentamento entre as frações e classes em disputa no interior da sociedade. Exemplos desta prática podem ser citados dentro do próprio setor educacional, muito embora a Constituição Estadual aprovada em 19474, em seu artigo 124, inciso VI, letra “a” tenha estabelecido, como requisito para ingresso no magistério público,

1 Em que pesem as particularidades assumidas por este processo em Mato Grosso, que serão tratadas a seguir. 2 MATO GROSSO. Arquivo Público Estadual. Ementário da legislação estadual (1936-1950)... p. 224. 3 Exemplo deste desmembramento das funções do Estado pode ser dado pela expansão de suas atribuições no tocante a obras públicas, num momento em que a construção de escolas em Mato Grosso, como se verá no prosseguimento deste capítulo, tornou-se um aspecto importante da atuação pública na área educacional. Assim, pelo Decreto-Lei n° 786, de 24 de setembro de 1946, foi criado o Departamento de Obras Públicas, com a retirada da Seção de Obras da Diretoria de Terras e Obras Públicas. Posteriormente, em 30 de novembro do mesmo ano, pelo Decreto-Lei n° 799 e, em 1947, pelo Decreto-Lei n° 283, de 12 de fevereiro, o novo Departamento de Obras Públicas teve suas funções redefinidas, com a criação da Comissão de Estradas de Rodagem, que passou a incorporar as construções no setor rodoviário. MATO GROSSO. Mensagem

apresentada pelo Governador do Estado de Mato-Grosso à Assembléia Legislativa e lida na abertura da 2ª sessão ordinária da sua 1ª legislatura. Cuiabá: Imprensa Oficial, 1948. p. 92. APE-MT

a realização de concurso5. Depoimentos de vários professores em exercício nesse período confirmam esta assertiva:

“No Governo do Dr. Arnaldo Estevão de Figueiredo, levei várias vezes ao Diretório [do PSD] o nome da professora Glorinha Sá Rosa, formada em Letras Neolatinas para ocupar a cadeira de Português. Sempre recusavam, alegando que a família dela era da UDN.

Certa vez, porque meu pai era do PTB, me transferiram para um lugar em que nem escola havia. Retornei a Dourados e tive meus vencimentos cortados (...) Quando a UDN perdia, as professoras que tinham menos de cinco anos eram demitidas, para entrar gente às vezes muito mais incompetente do PSD. Se a UDN ganhava, fazia o mesmo.”6

Para tal, o Estado contou, nestes anos, com uma arrecadação ascendente, que acompanhou o desenvolvimento e a diversificação da economia estadual (Tabela 2.1). Tabela 2.1. Receita arrecadada e despesa realizada – Mato Grosso – 1948 a 1954 (em Cr$1.000,00)

Ano Receita arrecadada Despesa realizada Saldo

1948... 48.956 50.660 -1.704 1949... 52.932 54.611 -1.679 1950... 64.211 65.618 -1.407 1951... 87.197 64.782 22.415 1952... 116.193 96.982 19.211 1953... 155.344 153.921 1.423 1954... 172.968 198.985 -26.017 Fonte: CAMPOS, 1960: 245.

Neste sentido, em relação à base econômica do estado, diferentemente do início dos anos 30, quando entre as três maiores riquezas da região duas eram representativas do setor extrativista — a erva-mate7 e a borracha — a segunda metade dos anos 40 encontrou Mato

5 Este tema será retomado, com mais detalhes, na terceira seção deste capítulo.

6 Depoimentos prestados respectivamente pelos professores Múcio Teixeira Júnior (Campo Grande) e Sílvia Araújo de Morais (Dourados). Cf. ROSA, Maria da Glória Sá. Memória da cultura e da educação em Mato

Grosso do Sul... p. 50; 161. Exemplos desta prática, no entanto, aparecem nas falas de outros professores

cujos depoimentos fazem parte desta coletânea.

7 É necessário deixar claro que, apesar da tendência de queda relativa da participação da erva mate na economia mato-grossense, queda esta que já vinha se dando desde meados da década de 30, a produção local era importante para o desenvolvimento do extremo Sul do estado, sobretudo para os municípios de Ponta Porã e Amambaí. Além disso, apesar desta tendência de menor participação relativa, houve momentos de recuperação nas vendas do produto, como aquele acontecido a partir dos anos 40 e sobretudo nos anos 50, em parte graças a um série de incentivos oferecidos pelo governo estadual, combinados a conjuntura favorável de aumento de vendas para a Argentina. Assim, nos anos de 1951, 1954 e 1957 a produção ervateira de Mato Grosso representava respectivamente 17,18%, 10,56% e 11,03% da produção total desta mercadoria, no Brasil. Cf. CAMPOS, Fausto Vieira de. Retrato de Mato Grosso... p. 166-167; 255. QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Uma ferrovia entre dois mundos... p. 409.

Grosso encaminhando-se para o início de um processo de diversificação de suas atividades produtivas, com a implantação de um setor industrial e, principalmente, com o progressivo fortalecimento da atividade agrícola. Das principais atividades elencadas no período anterior, apenas a pecuária continuou a ter o mesmo destaque, ocupando o posto de principal atividade produtiva em Mato Grosso, num momento em que o estado possuía o terceiro maior rebanho bovino do país, principalmente voltado para a pecuária de corte8.

A pecuária, no entanto, apesar da introdução de novas técnicas produtivas, ilustradas no capítulo anterior, ainda não conseguira ultrapassar os estágios mais primitivos da criação, destinando-se grande parte do rebanho apenas para cria no estado, de onde se dirigia para engorda e abate no vizinho estado de São Paulo. Neste sentido, as charqueadas, principalmente aquelas situadas no Pantanal, portanto, nos locais mais afastados das regiões de beneficiamento da carne, foram perdendo terreno, começando a sofrer um processo de crise irreversível a partir da década de 50.

A fim de explicitar este movimento de crescimento e decadência das charqueadas, Alves9desenvolve seus argumentos em torno da seguinte questão: por que o rebanho bovino mato-grossense vai alimentar as charqueadas, ou, em outros termos, por que esta indústria, praticamente estacionária até 1905, vai expandir-se exatamente quando há o surgimento dos frigoríferos em São Paulo, Argentina e Uruguai, isto é, em todo o circuito com o qual Mato Grosso mantinha contato? A resposta a estas questões estava colocada nas diferenças existentes entre os mercados da carne e do charque, em termos de consumo nacional e internacional.

Enquanto a carne congelada destinava-se a alimentar a parcela de maior poder aquisitivo dos centros urbanos mais desenvolvidos da Europa, Estados Unidos e as grandes cidades brasileiras, o charque era alimento produzido para os trabalhadores. Nesses termos, chegava a ser exportado para o Nordeste do Brasil e até mesmo para a Inglaterra e Cuba. Por isso os matadouros industriais absorveram as carnes platinas, cujo boi era de boa qualidade, o que facilitava um melhor aproveitamento da carne e demais subprodutos do gado. Da mesma forma, a maior taxa de lucro provinda da venda de seus animais para o

8 Segundo dados do IBGE, Mato Grosso tinha um rebanho bovino estimado em 7.956.200 cabeças em 1955, ou 12,51% do total existente no país, que chegava a 63.607.580 animais. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Anuário Estatístico do Brasil: 1956... p. 116.

abate industrial, por parte dos fazendeiros destas regiões, levou ao estrangulamento da atividade dos saladeiros e charqueadas nos três países do Cone Sul.

Assim, no momento em que os frigoríferos passaram a utilizar um rebanho que era utilizado anteriormente nas charqueadas, abriu-se um novo mercado para o charque produzido em Mato Grosso. Neste sentido, quando relacionado o desenvolvimento deste setor no plano local às suas determinações mais amplas, encontradas no próprio processo contraditório como a sociedade capitalista promoveu sua expansão nesta região, é possível dizer que a permanência das charqueadas era condizente com o nível de desenvolvimento das forças produtivas na região da pecuária mato-grossense, principalmente nas áreas mais afastadas, como era o caso do Pantanal. O gado mato-grossense, de baixa qualidade, dadas as condições ainda pouco desenvolvidas do criatório na região, encontrava na charqueada um espaço apropriado ao seu aproveitamento, com custos menores, que também possibilitava um melhor pagamento ao produtor.

É importante assinalar, contudo, que esta presença forte das charqueadas na região, dependente que era das determinações mais amplas presentes na sociedade capitalista, expostas anteriormente, teve um curto apogeu, que durou até meados da segunda metade dos anos 20, quando o progressivo melhoramento do rebanho mato-grossense começou a tornar viável sua venda para o abate em São Paulo10. Quando esta atividade se tornou menos rendosa em Mato Grosso, fosse pelo barateamento da produção de carne congelada, fosse pelo barateamento do transporte até os frigoríficos paulistas, por meio da via férrea, os capitais platinos, que vicejavam nas charqueadas mato-grossenses abandonaram esta atividade, deixando espaço apenas para a empreita local. Apesar disso, diante de um mercado em que crescia o consumo de carne resfriada — mas no qual ainda existia espaço para a produção de charque11 —, as charqueadas permaneceram até os anos 50, mesmo

10 ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso e a História: 1870-1929...p. 65 et seq.

11 É importante ressaltar que “o constante crescimento do mercado consumidor, acima referido, foi sem dúvida o fator que deu margem à sobrevivência das charqueadas, conforme assinalado por Nascimento.” NASCIMENTO, Luiz Miguel do. As charqueadas em Mato Grosso: subsídio para um estudo de história econômica... Apud QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Uma ferrovia entre dois mundos... p. 533. Essa observação de Queiroz, em conformidade com as declarações do próprio autor, vem ao encontro das assertivas de Cano, ao tratar do tema da concorrência entre a produção regional brasileira e a indústria pólo, esta última sediada em São Paulo: “[desta forma, a] produção periférica poderia ficar ‘momentaneamente a salvo’, desde que o ‘mercado desse para todos’, ou seja, desde que a indústria sediada no pólo não estivesse funcionando com grande capacidade ociosa e que, por várias razões, não estivesse ampliando fortemente sua capacidade produtiva. [Assim], a destruição de ativos pela concorrência (...) parece ter ocorrido, até o início

quando já estava instalada a indústria frigorífica em São Paulo12, desde meados da década anterior.

Além disso, há que se observar o fato de que as charqueadas que tiveram maior êxito nesta empreitada foram exatamente aquelas situadas no Pantanal, isto é, nas zonas mais afastadas e menos dinâmicas em termos da pecuária regional. De fato, a existência de rebanhos disponíveis nas áreas mais próximas dos centros de engorda e abate, combinada a uma conjuntura mercadológica favorável, já comentada anteriormente, favoreceram a permanência desses estabelecimentos embora, simultaneamente, tenham reforçado os padrões tecnológicos ligados à pecuária extensiva. Desta forma,

“Que sentido haveria, de fato, no âmbito de uma economia de mercado, em se implantarem áreas de engorda de gado no distante sul de Mato Grosso, enquanto vastas áreas, muito mais próximas do pólo [São Paulo], restavam disponíveis para essa finalidade ?”13

Assim, quando o ainda lento processo de modernização da pecuária mato-grossense avançou em direção ao atendimento das demandas do abate por meio de frigoríficos, ao mesmo tempo em que a procura pelo produto passou a tornar atrativa e necessária a implantação de novas unidades industriais, foram as regiões mais próximas a São Paulo as primeiras a serem atingidas por esse processo. Entre as mudanças introduzidas, estava o aperfeiçoamento do plantel, fixando-se a preferência pelo gado nelore, do qual se tornaram os principais criadores do país, ao mesmo tempo que se desenvolveu nesta região o uso de pastagens plantadas, de melhor qualidade que as nativas. Surgiram também, desta forma, algumas áreas de engorda na região dos Campos da Vacaria, onde um grupo de pecuaristas, ligados ao então Sindicato dos Criadores do Sul de Mato Grosso abriu, no década de 50, a

da década de 1950, só em raríssimos casos, uma vez que o mercado nacional foi ‘suficiente para todos.’ (). Acrescenta ainda Cano que a indústria na periferia nacional “(...) continuou a crescer, tanto antes quanto

durante e após o Programa de Metas’. (...) Mas (...) isto não pode ser entendido como uma uma

‘industrialização regional autônoma’. (...) [Além disso], tais dinâmicas de crescimento, a maioria delas problemática, resultariam inexoravelmente em redução de participação relativa no todo industrial brasileiro.’ (CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil... p. 67; 81; 93; 184; 191. Grifos do autor)

12 Incluindo-se aí a instalação dos matadouros de médio porte, representando já a descentralização e interiorização desta atividade industrial.

13 QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Uma ferrovia entre dois mundos... cap. 4, item 4.5, subitem “A Noroeste, a decadência das charqueadas e a vinculação da economia do SMT ao pólo paulista”: p. 520 et seq.

empresa Frimar S.A. — Frigorífico Mato-Grossense —, localizada em Campo Grande, primeira planta industrial de grande porte nessa cidade14.

Isto não só reforçaria o desmonte das charqueadas mas também o processo de diferenciação da pecuária da região do planalto em relação àquela praticada na planície pantaneira, na qual o aumento da taxa de desfrute e a introdução de novas técnicas de produção eram mais lentas15. Apesar disso, frente a condições climáticas favoráveis, o rebanho bovino cresceu em todo o estado, nesses anos.

Outra problemática essencial para o processo desenvolvimentista, então em curso em Mato Grosso, foi a questão fundiária. Novamente levantando a bandeira da necessidade de promover-se o deslocamento da fronteira econômica, de tal forma a torná-la coincidente com a fronteira política, levando à ocupação produtiva de todo o território nacional, incentivou-se em todo o estado um movimento de (re)ocupação das chamadas terras devolutas. (Re)ocupação, por tratar-se de um deslocamento para estas terras de uma segunda leva de ocupantes — que iniciaram o desajolamento de antigos posseiros, geralmente pequenos proprietários, no mais das vezes sem documentação que comprovasse sua propriedade definitiva sobre aquelas terras, e ou grupos indígenas. Frente a este fato, estas áreas, a rigor, não poderiam ser caracterizadas como devolutas, uma vez que estavam ocupadas; simultaneamente, como seus ocupantes o fizeram de forma ilegal ou, dito em outros termos, sem a documentação judicial exigida16, foram no mais das vezes negociadas como propriedade estatal.

Neste processo, teve participação decisiva o governo estadual, que utilizou também este mecanismo para a acomodação dos conflitos surgidos em Mato Grosso, quando das

14 Entre outras coisas, o que diferenciava este grupo era a incipiente preocupação em “(...) se ter um mercado com procura mais estável, e [sua preocupação] com as oscilações de preços nos períodos de safra e entressafra. Suas atividades tiveram uma curta duração, lembramos que além do abate de bovinos, produzia: sebo, carnarina, farinha de ossos e de sangue. Este frigorífico entrou em concordata, depois transformada em falência e a seguir foi vendido ao Frigorífico Bordon S/A, antecessor do Swift Armour, ainda na década de 60.” GONZÁLEZ, Gilma Conceição. Mato Grosso do Sul: emergência e consolidação do complexo agroindustrial... p. 10-11.

15 Assim, em 1970, enquanto a taxa de desfrute chegava a 17,0% na região de Campo Grande, ela ficava em 13,0% na região pantaneira. Cf. OLIVEIRA, Tito Carlos Machado de. Uma fronteira para o pôr-do-sol. Campo Grande: UFMS, 1998. p. 47.

16 Mesmo existindo a promessa de que esta documentação seria providenciada em data futura, como foi o caso daqueles que ocuparam terras situadas na região de fronteira apenas com os papéis fornecidos pela Comissão Especial de Fronteiras, na espera de um lento e demorado processo de regularização das propriedades junto ao Serviço de Patrimônio da União, isto não impediu as negociações envolvendo estes imóveis. Cf. a este respeito o capítulo IV deste trabalho.

mudanças provocadas com o fim do regime de exceção do Estado Novo17. Concomitantemente, toda a gama de impostos que giravam em torno das transações territoriais — o imposto territorial, imposto sobre as vendas e consignações, sobre transmissão de propriedade (causa mortis e intervivos) e outros, sempre foram assinalados nas mensagens governamentais como sendo importantes na composição das rendas do erário público18; mesmo alguns projetos de colonização fizeram-se a partir deste tipo de ocupação19.

Sobre os projetos de colonização, sua história merece uma menção a parte neste momento da vida mato-grossense. Floresceram em Mato Grosso, entre 1943 e 1963, dezenove diferentes projetos públicos20, afora a Colônia Agrícola Nacional de Dourados, iniciativa do governo federal em 1943. Destas colônias, duas estavam situadas no Sul do estado (Colônia Bodoquena, em Miranda, e Colônia Marechal Dutra, em Ponta Porã, atual município de Aral Moreira) e dezessete na região Norte (Tabela 2.2).

A maior parte desses empreendimentos fez-se em cima de terras devolutas, com população migrante, preocupada com a busca de novas oportunidades de vida numa área pouco explorada e com a possibilidade de virem a ser proprietários, o que se tornou viável, pois, em muitos casos, o Estado facilitou o acesso à compra de terras, com o uso de subsídios — principalmente na região Norte de Mato Grosso, nas áreas pertencentes a Amazônia Legal — visando a atração destes colonos.

17 “Muitas concessões eram feitas somente por interesses políticos, especialmente, em anos eleitorais. Este foi o caso do ano de 1953, ocasião em foram concedidos 14 contratos de terras, sem que ao menos tivessem seus donos, conhecimento das áreas concedidas, pois as mesmas não estavam discriminadas.” Neste sentido, as autoras apresentam como uma das conseqüências deste processo o aumento do preço das terras. Exemplificando, áreas que valiam de 5 a 10 cruzeiros o hectare, na região de Dourados, em 1950, foram revendidas, apenas alguns meses depois, por 200 a 300 cruzeiros o hectare. SIQUEIRA, Elizabeth Madureira, COSTA, Lourença Alves da, CARVALHO, Cathia Maria Coelho. O processo histórico de Mato Grosso... p. 256.

18 MATO GROSSO. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa por ocasião do início da abertura da

sessão legislativa de 1949, pelo Doutor Arnaldo Estevão de Figueiredo, Governador do Estado. Cuiabá:

Imprensa Oficial, 1949. p. 4. APE-MT

19 Foi o caso de alguns lotes pertencentes à Colônia Agrícola de Dourados, situados em área pertencente ao grupo indígena Guarani-Kaiowá.

20 A partir de 1951 o governo estadual começou a estabelecer contratos de colonização com grupos