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4. ANÁLISES PRAXEOLÓGICAS E ASPECTOS HISTÓRICOS DOS LIVROS DIDÁTICOS NO PERIODO

4.1. Aspectos históricos e Livros didáticos que antecederam os anos 1900

O período moderno representou uma fase importante para a estruturação da Álgebra. De acordo Lloyd (2003), entre as principais questões estudadas pelos matemáticos da época era o desenvolvimento binomial. Tais estudos tinham como foco principal a solução de problemas envolvendo potenciação de polinômios. Nesse sentido, a expansão binomial tornou-se um objeto matemático importante na prática dos matemáticos. Contudo, houve a necessidade de primeiramente compreender o funcionamento das expansões binomiais. Diante desta, situação a Análise Combinatória é conduzida para o contexto das práticas matemáticas numa concepção puramente simbólica. E, com isso, a combinatória

ganha seu espaço na matemática, com uma necessidade para no estudo do desenvolvimento binomial, principalmente o estudo das permutações e das combinações. Este fato pode ser observado na primeira coletânea de textos de Análise Combinatória escritos na língua inglesa,escrito por Nicholson, em 1818.

O trabalho de Nicholson (apud Lloyd 2003), intitulado Análise Combinatória aplicação para problemas da álgebra, apesentava notações modernas para expações binomiais com expoentes quaisquer, produto com dois ou mais binômios, objetos multinomiais, reversões e conversões de séries e teoria das equações indeterminadas. Segundo Lloyd (2013), o trabalho desenvolvido por Nicholson foi muito valioso no ponto de vista da história da matemática, pois a obra reuniu os próprios estudos de Nicholson como, também, estudos de outros matemáticos que o antecederam.

No que se refere aos conteúdos estudados nas escolas secundárias brasileiras, a origem se deu com a instalação da Academia Real Militar e Academia Real de Guardas-Marinha, em virtude da chegada da corte portuguesa no Brasil. O ensino de matemática superior foi com o tempo sendo produto da Academia Real Militar, enquanto que a Matemática, em nível secundário, foi se constituindo objeto estudado na Academia Real de Guardas-Marinha. Valente (2007) ressalta que:

a criação da Academia Real Militar estabelece, no Brasil, a separação matemática elementar/matemática superior. Já a Academia Real dos Guardas-Marinha vai solidificando um programa de estudos e conteúdos de nível médio elementar. Tanto uma como a outra dão contribuições decisivas para o que podemos chamar de Matemática escolar secundária. (VALENTE, 2007, p.107).

É diante desse contexto que surgem, dentro das Academias militares, os livros didáticos de Matemática. Contudo a formação que as escolas militares destinavam aos jovens, no período imperial, tinha um caráter militar e técnico, pois formavam oficiais de carreira e engenheiros. Os cursos superiores jurídicos e médicos eram desenvolvidos em outras instituições distribuídas em Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro.

Com o surgimento dos cursos superiores, acima descritos, emergiu a questão referente aos requisitos básicos que o jovem deveria ter para ingressar

nas escolas de formação de engenheiros, ou de Médicos, ou de Advogados. Nesse sentido, Valente (2007) considera que:

o engenheiro estava desde muito tempo caracterizado como um oficial militar. Um oficial cujo núcleo de estudo centrava-se nas matemáticas. Do futuro oficial militar exigia-se o conhecimento das quatro operações fundamentais da aritmética no momento de seu ingresso na Academia Real Militar. Ao futuro médico, o primeiro plano de estudos de constituição do curso de cirurgia na Bahia exigia tão somente que o candidato soubesse ler e escrever. Ao futuro advogado, bacharela dos cursos jurídicos criados em 1827, algo mais complexo era exigido: o artigo 8º da lei de 11 de agosto que estabeleceu a criação das Academias de São Paulo e Olinda dizia: os estudantes que se quisessem matricular nos cursos jurídicos devem apresentar as certidões de idade por que mostrem ter a de quinze anos completos, e de aprovação da língua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e moral e geometria (VALENTE, 2007, p.113).

Moreira de Azevedo (1881, p.99-100) citado por Valente (2007, p.118), descreve que em 1832, por ocasião da nova estrutura organizacional das Academias Médicos-Cirúrgicas do Rio de Janeiro e da Bahia, também foram exigidos que os jovens apresentassem conhecimento de aritmética e geometria, para ingresso nas referidas instituições.

Como se vê a aritmética e a geometria, juntamente com as disciplinas clássicas, faziam parte do núcleo de disciplinas que os jovens deveriam dominar para ingressar nas instituições de ensino superior. Dessa forma, a formação entre o ensino primário e o ensino superior, denominada secundária, passou a ter um espaço privilegiado na educação do período imperial com a criação do Colégio Pedro II, em 1838. Segundo Valente (2007), o Colégio foi instituído para servir de modelo de escolarização secundária para o país.

A matemática desenvolvida no Colégio Pedro II passou a ser a principal referência dentro do contexto nacional. Nesse sentido, o colégio tornou-se o centro de discussões acerca do que deveria ser ensinado aos alunos secundaristas e dos livros didáticos que deveriam ser adotados no País. Melhor dizendo, o núcleo de decisões educacionais para o ensino de matemática escolar no Brasil. Nos primeiros anos do Colégio Pedro II, a matemática era estudada em todos os oito anos destinados à formação secundária dos jovens. Segundo Valente (2007), a Aritmética era estudada nos três primeiros anos; a geometria

nos 4º e 5º anos; a álgebra nos 6 º e 7º anos e, finalmente, a trigonometria no 8º ano. O autor revela, ainda, que a finalidade do ensino do Colégio era puramente preparatória aos exames para o ingresso dos jovens nos cursos superiores. Para isso, o Colégio precisava ter professores com excelente formação matemática e que fossem capazes de produzir o material didático que correspondesse aos programas de ensino da época.

De acordo com Valente (2007), os primeiros autores de livros didáticos foram professores que estudaram nas escolares militares e que posteriormente tronaram-se mestres da própria escola. Assim sendo os professores foram influenciados pelos livros de Bézout11, adotado na Academia de Marinha, e os livros de Lacroix12, adotado pela Academia Militar. Contudo o desafio dos professores era de produzir textos que tivessem uma característica mais voltada para o ensino secundário. É, nessa direção, que podemos observar os indícios de uma didática da matemática manifestando-se, no contexto do Colégio Pedro II, com uma preocupação voltada às organizações didáticas dos livros. Valente (2007) descreve ainda que mesmo com as várias

reedições das primeiras obras didáticas nacionais entrando pela segunda metade do século XIX, haverá, por essa época, o que poderemos chamar de atualização da escrita dos compêndios de matemática em face do que se está produzindo para o ensino nas escolas francesas. Essa atualização está representada pelas compilações de novos autores didáticos franceses, que já de um tempo substituem os velhos manuais de Bézout e Lacroix não mais reeditados. O principal responsável por essas compilações é Cristiano Benedito Ottoni (VALENTE, 2007, p.128).

Para Lorenz e Vechia (2004), Cristiano Benedito Ottoni foi o autor cujos livros didáticos predominaram no ensino de matemática do Colégio Pedro II, na segunda metade do século XIX até 1890, com os seus compêndios de aritmética, álgebra, geometria e trigonometria. Os autores ressaltam que Ottoni publicou em, 1852, no Rio de Janeiro, o livro Elementos de Álgebra para os estabelecimentos de instrução superior e secundária, utilizado no Colégio Pedro II até 1870. A obra

11 . EttieneBézout era examinador dos aspirantes e dos alunos de Artilharia na França. Publicou no final do século XVIII o curso de MAthématiques à l`uagedesgardesdupavillon de la marine e o curso de Mathématiques à l´usageducorpsroyal de l´artilleire(LORENZ&VECHIA, 2004,p.58).

12 . SylvestreFraçoisLacroix, professor de Matemática da ècolePolitechinque, da ècole Central

desquatreNations e do Collége de France[...]A versão em português adotada no Colégio foi Elmentos de Geometria de S.F.Lacroix-tradução para uso da Imperial Academia Militar(LORENZ&VECHIA, 2004,p.57).

foi uma compilação de Elémentsd`Algébre, escrito por Bourdon13, em 1817, e tal

foi reimpresso mais de vinte vezes até o fim do século XIX (VALENTE, 2007, p.151). A versão do Elémentsd`Algébre, de Bourdon, de 1891, foi organizada em 10 capítulos para uso na L´écolePolytechnique. A figura 6 mostra que o capítulo V, intitulado formationdespuissancesetextractiondesracines d`undegréquelconque, possui um sub capítulo destinado ao estudo do Binômio de Newton, como consequência das fórmulas do que o autor intitula de Teoria das Combinações.

Figura 6: Sumário do livro Eléments d`Algébrede.

Fonte: Bourdon(1891).

O que se denomina, na obra de Bourdon (1891), Teoria das Combinações é o desenvolvimento, nesta ordem, das fórmulas da Permutação simples, do Arranjo simples e da Combinação simples. Identificamos na obra quatro tarefas distribuídas em seis páginas do livro.A seguir descrevemos as tarefas, as técnicas e o discurso tecnológico/teórico identificados no livro Eléments d`Algébrede Bourdon (1891).

Tarefa T1.1: apresentar a noção de Permutação, Arranjo e Combinação.

13 .Pierre Louis Bourdon, matemático francês que lecionava em várias instituições e era inspetor da Universidade de Paris. Ficou muito conhecido pelos seus livros didáticos Eléments d´arithmétiques e Eléments d´algèbre(LORENZ&VECHIA, 2004,p.65)

Técnica 1.1 e discurso tecnológico/teórico: A técnica utilizada por Bourdon (1891) para o desenvolvimento da tarefa T1.1 consiste em construir intuitivamente alguns agrupamentos com as letras a, b, c, d,...O autor inicia mostrando que duas letras, a e b, fornecem duas Permutações ab e ba. Três letras a, b e c, fornecem seis Permutações abc, acb, cab, cba, bac, bca. Em seguida, o autor explica que para um total de m letras a, b, c, d, e,..., selecionadas 2 a 2, ou 3 a 3, ou 4 a 4,..., Têm-se a constituição de Arranjos. Em seguida, Bourdon (1891, p.210) explica que: ab, ac, ad,..., ba, bc, bd,...,ca ,cb..., são Arranjos 2 a 2 de m letras; da mesma forma abc, abd,...,bac, bad,..., abc,...são arranjos 3 a 3 de m letras. E, finalmente, o autor explica que a Combinação de n elementos selecionados 2 a 2, ou 3 a 3, ou 4 a 4,..., “são grupos de arranjos que diferem um do outro pelo menos com uma letra”(BOURDON, 1891,p.211). A justificativa para o uso dessa técnica (discurso tecnológico/teórico) parte da constituição dos agrupamentos por meio de listagem direta para apresentar as noções de Arranjo simples, de Permutação simples e a noção de Combinação.

Tarefa T1.2: mostrar uma regra geral para o número de Permutações de n elementos.

Técnica 1.2: A figura 7 mostra que Bourdon (1891, p.212) partindo da noção de Permutação com duas letras (a e b) e com três letras (a, b e c), descritas na técnica 1.1, utiliza a notação P2 para representar o número de

Permutações com 2 letras. E, com isso, apresenta a seguinte expressão: P2 = 1 x

2. Em seguida o autor utiliza a notação P3 para representar o número de

Permutações com 3 letras. E, com isso, apresenta as seguintes expressões: 2x3 ou 1x2x3 ou P3 = 1 x 2 x 3. A partir dessas duas situações o autor explica que a

Permutação de n letras (Pn) é igual ao produto da Permutação das (n-1) letras

Figura 7: Representação do número de Permutações com 2 letras.

Fonte: Bourdon (1891)

O discurso tecnológico/teórico consiste numa abordagem teorista nos termos de Gascón (2003)

Tarefa T1.3: mostrar uma regra geral para o número de Arranjo de m elementos tomados n a n.

Técnica 1.3: A figura 8, mostra que Bourdon (1891, p.213) partiu da regra para calcular o número de Permutações com n letras, descrita na Tarefa (T1.2), e utiliza a notação An para representar o número de Arranjos de m letras tomadas n

a n. Para isso, o autor considera, inicialmente, que seja conhecido o número de Arranjos de m letras tomadas (n-1) a (n-1). Pois, como em cada um desses

Arranjos entram (n-1) letras, e o número de total de letras é m, então (m-n+1) letras que faltarão em cada um dos Arranjos. Diante disso, o número total de Arranjos de m letras tomados n a n é calculado pela seguinte expressão:𝐴𝑛 =

𝐴 𝑛−1 . (𝑚 − 𝑛 + 1) . Partindo dessa regra Bourdon (1891, p.213) realiza uma

sequência de cálculo de Arranjos, iniciando com n = 2, depois n=3, depois n = 4 e, com isso, generaliza a seguinte regra geral:

𝐴𝑛 =𝑚. 𝑚 − 1 . 𝑚 − 2 . 𝑚 − 3 … 𝑚 − 𝑛 + 1 .

Figura 8: Cálculo do número de Permutações com n letras.

Fonte: Bourdon (1891)

Técnica 1.3.1: A Técnica 1.3.1 é uma consequência da Técnica 1.3 na qual o autor por considerar a Permutação como um caso particular do Arranjo e,

com isso, admitindo que m = n generaliza a seguinte regra geral para o cálculo do número de Permutações: 𝑃𝑛 = 𝑛. 𝑛 − 1 . 𝑛 − 2 . 𝑛 − 3 … 2.1 . O discurso

tecnológico que justifica a Técnica 1.3 é formado pelos pressupostos de uma abordagem teorista nos termos de Gascón (2003)

Tarefa (T1.4): mostrar uma regra geral para o número de Combinações de m elementos tomados n a n.

Técnica 1.4: Na figura 9, Bourdon (1891, p.213) partiu da regra para calcular o número de Permutações com n letras, descrita na Técnica 1.2 e, também, da regra para calcular o número de Arranjos com m letras tomadas n a n, descrita na Técnica 1.3, para calcular o número Combinações com m letras tomadas n a n, utiliza a notação Cn. Para isso, o autor explica que Permutando

todas as possíveis n letras de cada Combinação têm-se os Arranjos das m letras tomados n a n. Diante disso, o autor conclui que: 𝐴𝑛 = 𝐶𝑛𝑥𝑃𝑛. Em seguida, apresenta a regra geral 𝐶𝑛 =𝐴𝑃𝑛𝑛 =𝑚. 𝑚−1 . 𝑚−2 …(𝑚−𝑛+1)𝑛. 𝑛−1 . 𝑛−2 …3.2.1 .

Figura 9: Cálculo do número de Permutações com n letras.

Fonte: Bourdon (1891)

A tecnologia que justifica a Técnica 1.4 tem sua estrutura construída a partir das tarefas e técnicas precedentes, mantendo assim uma escolha didática com as características de uma abordagem Teoricista, nos termos de Gascón (2003).

O livro de Bourdon (1891) não apresenta grupo de exercícios resolvidos e nem exercícios propostos para os alunos. Os três problemas descritos na obra – identificados em nossa análise praxeológica por Tarefa 1.2, Tarefa 1.3 e Tarefa 1.4 – tiveram a finalidade de mostrar, por meio de situações particulares para depois generalizar as fórmulas da Permutação simples, do Arranjo simples e da Combinação simples.

Dessa forma, pode-se observar que essa obra não apresenta problemas propostos para que o aluno resolva e não pressupõe a aprendizagem como consequência da atividade matemática do aluno. A escolha de abordagem, pelo que se pode perceber da obra analisada, é Teoricista, nos termos de Gascón (2003). Retomando o apresentado no item 3.2, lembramos que as organizações

didáticas Teoricistas privilegiam teorias matemáticas e o processo de aprendizagem começa e praticamente acaba no momento que as teorias são transmitidas para os alunos.

Após a proclamação da República, em 1889, as reformas educacionais, iniciando com a de Benjamin Constant em 1890, produziram um processo intenso de alterações no currículo do Colégio Pedro II. De acordo com Lorenz e Vechia (2004, p.64), na área de matemática, os estudos passaram a ser mais aprofundados, incluindo tópicos de matemática superior. Foi-lhes atribuído um maior número de anos de estudos; maior carga horária e um número maior de itens no programa. Essas mudanças no programa de matemática acarretaram na inserção de novos livros didáticos, visando aprofundar os estudos.

Com isso, o Livro Elémentsd`Algébre, de Bourdon, foi inserido oficialmente, como livro didático, no programa de ensino de 1895. Três anos mais tarde, 1898, a obra foi substituída pelo Leçonsd`Agébre, de Charles August Albert Broit, publicado em Paris, em 1855, 40 anos antes. Nesta obra, Charles Broit, apresenta no capítulo III, a mesma sequência demonstrativa da Permutação, do Arranjo e da Combinação, utilizada por Bourdon(1891), servindo de fundamentação para o desenvolvimento do Binômio de Newton. Logo, a organização didática identificada permanece, mesmo com a mudança do livro didático adotado.

Na seção a seguir, fazemos a análise praxeológica e discutimos o movimento histórico educacional brasileiro de outros livros didáticos, utilizados na pesquisa, no período que vai de 1900, passando pela reforma Francisco Campos, até a reforma Gustavo Capanema.