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4 RESÍDUOS SÓLIDOS: UMA TEMÁTICA AMBIENTAL E SOCIAL

4.1 OS ASPECTOS NORMATIVOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A questão ambiental dos resíduos sólidos se relaciona com vários aspectos, dentre eles, a contaminação dos solos, da água, do ar, além da poluição visual causada pelo descarte inadequado. Cita-se, ainda, o desperdício de materiais e o consumo intenso de matéria prima e de recursos naturais. Conforme Guerra (2012), vive-se hoje uma sociedade residual, na qual não somente são geradas quantidades exageradas de resíduos como igualmente é grande a dificuldade de se encontrar formas adequadas de gestão dos materiais descartados. Com isso, destaca-se a quantidade de recursos públicos necessários a essa gestão que, quando bem realizada, pode tornar a geração de resíduos não mais um problema, mas uma solução, sendo economicamente viável, socialmente includente e ambientalmente correta.

No sentido de compatibilização de tais aspectos, surge a lei 12.305/2010, a qual será estudada para facilitar a correta aplicação da legislação.

Ao tratar diretamente da questão dos resíduos, tem-se que a gestão desses materiais é problemática não só pela falta de capacidade dos municípios, mas pela quantidade de material gerada diariamente em cada cidade. A solução para essa questão não impõe uma fórmula simples e única para todas as realidades, mas pode-se dizer que certas causas como o consumo exagerado e o descarte incorreto são aspectos recorrentes.

Apesar da denominação usual de lixo, os resíduos são valiosos, sendo compostos por materiais passíveis de recuparação, a qual pode minorar a pressão sob o meio natural. Tal recuperação se dá, principalmente, por meio da reciclagem dos materiais, concebida como processo que viabiliza a transformação dos recicláveis já utilizados em novos produtos. Esse procedimento se dá após a coleta seletiva, na qual ocorre o recolhimento dos materiais. Conforme Figueiredo (2013, p. 4 e 5):

Conceitualmente, lixo e resíduo possuem as mesmas características, ser fruto de um período seguinte de uma atividade humana. Porém, existem diferenças significativas entre eles, sendo tal diferenciação essencial para a

compreensão de como se utilizam estes termos. (...) Por sua vez, resíduos sólidos são materiais encontrados no lixo e que podem ser usados para outros fins como a reutilização e a reciclagem. Logo, resíduos sólidos passam de lixo a mercadoria no momento que são usados na atividade produtiva, adquirindo valor de troca (Marx, 1996). Esta potencialidade econômica se incrementa quando os residuos podem, potencialmente, ser reciclados.

Dessa forma, examinar a temática dos resíduos sólidos implica considerar também o consumo, o descarte, a degradação ambiental, a possibilidade de ocorrência de enchentes e a poluição das águas pelo chorume quando a destinação se dá de forma incorreta. Entretanto, a temática dos resíduos esconde em si uma discussão social nem sempre ressaltada.

A composição dos resíduos sólidos urbanos, formados por materiais orgânicos e inorgânicos, requer soluções variadas. Aqui serão enfocados os denominados de “recicláveis”, tais como o vidro, o papel, o papelão, o aço e o plástico que compõem os materiais utilizados na reciclagem.

Neste momento é importante tecer comentários acerca desse processo. É certo que a reciclagem se conforma como um procedimento importante na redução dos danos causados ao meio ambiente. Todavia, é necessário que seja dado um destaque crítico à temática, pois, ao memo tempo em que se propaga uma ideia que a vincula à sustentabilidade, deve-se observar que esta não reduz o culto ao consumo, somente conformando-se como uma opção dotada de feições ambientais.

É essencial que a reciclagem esteja relacionada ao conjunto de outras opções possíveis como: repensar o consumo, reduzir e reutilizar os materiais. Não há que se afirmar a sua inviabilidade ou atacar a reciclagem de forma radical, mas posicionar-se contra a ode que a coloca como primeira opção para a solução sustentável dos resíduos (FIGUEIREDO, 2009).

É preciso analisar criticamente o desenvolvimento sustentável, conforme exposto no capítulo 1, e igualmente a reciclagem, a qual se fundamenta na sustentabilidade. Assim, de acordo com Marques (2013, p. 85):

A defesa da sustentabilidade afirmada por meio de múltiplos discursos, muitas vezes divergentes entre si, apresenta-se como uma questão de interesse geral, pois “todos” devem estar envolvidos com o compromisso de “salvar o planeta”. É nesse

contexto que a prática da reciclagem ganha legitimidade e apelo social e dá respaldo à estruturação de uma indústria fornecedora de matérias-primas mais baratas para certos segmentos da produção.

Ao citar a reciclagem como solução para a destinação dos resíduos, é preciso lembrar que essa é proporcionada pelo trabalho dos catadores. É deles a mão de obra responsável pela recuperação dos materiais após o descarte, e de quem a indústria da reciclagem compra, a preços irrisórios, todo o material que precisa para a transformação que é realizada. Conforme Waldman (2008, p. 2):

No país, a reciclagem é indissociável da catação desempenhada basicamente por pessoas excluídas do dito setor formal da economia. Exercendo trabalho informal, os catadores atuam com comprovada excelência na coleta de matérias e não por outra razão, tem sido crescentemente incorporados nas políticas de gestão de resíduos sólidos.

Em complemento, é possível acrescentar o exposto por Marques (2013, p. 80):

A indústria da reciclagem tem como uma de suas características marcantes uma profunda relação com o urbano, tanto por sua dinâmica operacional como pelos recursos que mobiliza. Ela pressupõe a existência de grandes volumes de resíduos urbanos como fonte de sua matéria-prima. E, em sua forma de funcionamento à brasileira, também pressupõe que haja um grande contingente de trabalhadores disponível e disposto a se submeter às condições de trabalho extremamente difíceis, degradantes, e à remuneração irrisória.

No interior desse ciclo, reside a importância do trabalho da catação em destaque na atual legislação nacional acerca dos resíduos. A lei 12.305/2010, denominada Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS – representa significativo avanço na temática ambiental no Brasil, sancionada após cerca de vinte anos de tramitação das discussões sobre a temática14. Ao longo dos anos, a ausência de uma norma disciplinadora da temática específica dos resíduos gerava insegurança jurídica e falta de proteção ao meio natural.

A partir da vigência da lei 12.305, foi explicitada a competência dos municípios para a gestão integrada dos Resíduos Sólidos (art. 10), objetivando _______________________________________________________________

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a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Trata-se da busca pela inclusão de trabalhadores, que devem se vincular a cooperativas e/ou associações para se tornarem alvo dessas políticas.

A PNRS define a responsabilidade compartilhada como o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados (art. 3º, XVII). Assim, pela nova lei, produtores, consumidores e poder público são igualmente responsáveis pela gestão integrada dos resíduos sólidos. Esta gestão, por sua vez, caracteriza-se por ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável (art. 3º X).

Nesse sentido, ao contemplar a responsabilidade compartilhada, o legislador continuou a acompanhar a exegese do texto da Constituição (art. 225, CF), segundo a qual é dever comum de todos a responsabilidade pela garantia de um meio ambiente sadio (GUERRA, 2012). A partir da leitura desses termos, percebe-se que a legislação em comento trata de questões técnicas, mas também jurídicas, destacando o desenvolvimento sustentável como um de seus pilares, além de fazer referência a outros princípios do direito ambiental. 15

A intenção do legislador ao buscar a inclusão social e a emancipação econômica dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis é sanar uma questão social marcada pela pobreza e desigualdade, gerando renda para essa categoria de trabalhadores, ao mesmo tempo em que objetiva solucionar o

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15 Cite-se, como exemplo, o Princípio do poluidor-pagador (art. 6º, II, PNRS), que consiste na

obrigação de indenização e de reparação por parte do poluidor, aspecto presente em diversas leis ambientais brasileiras, sendo, inclusive, contemplado na Constituição Federal Brasileira (art. 225, § 3º), segundo o qual “As atividades e condutas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

problema ambiental do descarte desregrado de materiais na natureza. A seguir será tratada com maior detalhe a atividade da catação.

4.2 INCLUSÃO SOCIAL DE CATADORES NA POLÍTICA NACIONAL DE