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INCLUSÃO DE CATADORES E CONCRETIZAÇÃO DO TRABALHO DECENTE – NOVOS RUMOS E VELHOS PROBLEMAS

4 RESÍDUOS SÓLIDOS: UMA TEMÁTICA AMBIENTAL E SOCIAL

6 AVANÇOS E DIFICULDADES PARA A INCLUSÃO SOCIAL E A EFETIVAÇÃO DO TRABALHO DECENTE SOB A PERSPECTIVA DO

6.2 INCLUSÃO DE CATADORES E CONCRETIZAÇÃO DO TRABALHO DECENTE – NOVOS RUMOS E VELHOS PROBLEMAS

O presente item apresentará os resultados da investigação realizada durante a última visita de campo às cooperativas de catadores de materiais recicláveis de Natal/RN, em dezembro de 2014. Por meio de entrevistas semiestruturadas com representantes das cooperativas e da observação da catação, foi possível buscar novos elementos para reflexão acerca da política municipal. Além disso, pode-se revisitar aspectos já relacionados anteriormente, como forma de perceber a manutenção ou a modificação das ações que tem como alvo a categoria de catadores no município.

Na COOPCICLA, o catador entrevistado desempenha a catação desde os oito anos de idade, participando da instituição desde a sua fundação e ocupando, na época, a posição de presidente. Essa cooperativa havia passado por mudanças dos quadros administrativos, sendo interessante frisar que a catadora entrevistada no ano anterior já não estava mais na presidência. Já na COOCAMAR, a entrevistada foi a vice-presidente, que contava com 12 anos nos quadros da organização. O cuidado com a escolha de entrevistados com longos anos na atividade objetivava possibilitar a coleta de informações mais fidedignas.

De início, foi possível novamente constatar que a catação continua sendo opção última do indivíduo frente ao desemprego, representando uma escolha involuntária frente à necessidade de sobrevivência. Quando questionados acerca da motivação que leva o indivíduo à catação:

É porque, na verdade, eu resolvi trabalhar no lixão... na época meus pais, a gente morava no interior, veio morar aqui em Natal e tinha o lixão. E a única maneira de se viver era essa. Como eles começaram a trabalhar no lixão e naquela época não tinha condições de pagar uma pessoa para ficar com a gente, porque a gente era tudo pequeno, aí, na verdade, ele trazia a gente para o lixão. E foi passando, eu fui crescendo [...] É a maneira de sobreviver. Como não arrumava um emprego,

tinha o lixão, era mais fácil de ganhar aqui. Ninguém consegue procurar um emprego. Na verdade, quando eu trabalhava no lixão o ganho era melhor do que você estar trabalhando de carteira assinada. (...) Por isso que a gente, na verdade, nunca se preocupava em arrumar um emprego. Vivia dentro do lixão. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

No mesmo sentido, a representante da COOCAMAR, afirmou:

Isso, além da falta de emprego, são pessoas oriundas do lixão. Já trabalhavam no lixão ou tentaram alguma coisa, de alguma... de certa forma tentaram lá fora, depois da saída do lixão, não conseguiram e depois voltaram para cá. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

Desse modo, ainda não se pode vislumbrar a busca pela catação enquanto uma escolha individual, o que impossibilita a ampliação das capacidades do indivíduo e a concretização do desenvolvimento, conforme apregoa Sen (2000). A inserção do indivíduo na cooperativa representou melhoria significativa nas condições de trabalho. Além dos demais benefícios apontados, os entrevistados afirmaram:

Hoje em dia o conhecimento que a gente tinha. Naquela época a gente trabalhava no lixão, a população lá fora via a gente com outros olhos. Quando eles falavam “um catador de lixão”, eles pensavam que a gente era pessoa sem confiança. Hoje em dia, o que eu digo que melhorou bastante mesmo foi o conhecimento que a gente tem da população. Hoje em dia a gente tem a confiança. A gente chega na casa do morador, a gente bate palma, a gente (inint). Ele lá dentro abre a porta, a gente vai lá no quintal dele, pega o material. Tem vezes que a gente entra pela porta da frente da casa dele, chega lá na cozinha até lá atrás. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

A cooperativa é... avulso, eles estão trabalhando de qualquer jeito. A cooperativa não, (...) está trabalhando de forma organizada, com pagamento, é uma diferença muito grande. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

Dentre os aspectos destacados, o reconhecimento da população ainda é um dos principais fatores. A criação da cooperativa, além de possibilitar a continuidade da catação fora do ambiente do lixão, tornou possível a diminuição do preconceito com a categoria, embora situações pontuais ainda existam. Além disso, a garantia do pagamento pelo serviço prestado foi

também indicada, apesar de não ter sido possível precisar o valor recebido por mês pelos catadores de Natal:

Tem mês que ganha mais de um salário, tem mês que você ganha menos, e tem mês que chega a passar de um mil. Assim, eles têm as vantagens deles. Eles vão na rua lá, aí ele pega um objeto, um eletrônico, um computador, um objeto que é interesse dele. Ele paga uma taxinha da cooperativa, ele leva e aquilo ali ele vende. Por exemplo, se ele pega um computador, paga dois reais, três na cooperativa. Ele pode vender por cinco, ele pode vender por 10, ele pode vender por 100. Ali é um ganho para eles. Como a cooperativa não paga hora extra, aí fica como um bônus para ele. Que já ganhava pouco. Então já que ele foi lá na rua e pegou esse material, ele tem chance de ficar com o material e vender para ele. Por isso que tem meses que chega até mais de um mil. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

Assim, a gente tem... a parte da produção, tem a parte da Urbana e tem, a gente dá um sacolão. Então, dá uma faixa de 700 reais. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

Pelo exposto, em razão da instabilidade da renda auferida com a catação, qualquer outra oportunidade de trabalho, muitas vezes, se torna atrativa, sendo usual o fluxo de indivíduos que deixam a cooperativa, o que não contribui para o fortalecimento da organização. Quando questionados acerca da frequência com que os catadores deixavam a cooperativa, bem como sobre as principais motivações para tanto, os entrevistados afirmaram:

Quando arrumam um emprego, um ganho melhor. Ou por se chatear. O dessabor do dia a dia, trabalha no sol quente, e você tem vezes que você se chateia, porque tem uma palavra que talvez você não gosta, ou porque fez coisa errada... Chateia, sai e não volta mais. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

Com frequência. Sai e volta, pede para voltar de novo, não... dificilmente alguém que saiu não volta. (...) Porque não está dando, às vezes, acha que ser avulso, você ganha mais. E na realidade acaba não dando certo e eles voltam. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

Mesmo não obtendo certeza acerca do valor auferido por cada catador, percebeu-se que ainda não é possível proporcionar ao trabalhador uma quantia estável, nem garantir o ganho do salário mínimo mensal, o que diminui as chances de concretização do trabalho decente. Entretanto, tal deficiência não

deve ser atribuída às cooperativas, mas à insuficiência do programa de coleta seletiva do município que não consegue ainda encaminhar 2% dos materiais recicláveis para as organizações.

Assim, a baixa quantidade de material encaminhado para as organizações interfere na possibilidade de inserção de novos catadores nas cooperativas. Passa-se a ter um limite reduzido de vagas, reduzindo a efetividade das ações municipais para inclusão social e emancipação econômica dessa categoria:

É, a gente tem um limite. O limite da gente, de catador, hoje em dia, é quarenta e cinco catadores. A gente não pode passar mais de quarenta e cinco catadores, porque se a gente botar mais, depois a gente vai diminuir. Como a gente depende só desse material e da venda desse material, se eu fosse colocar na cooperativa... A não ser que a cooperativa comece a pegar novos materiais. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

Hoje a gente está com 60. (...) É, quando... se for necessário, a gente... (...) a gente pegar outros trechos no caso, nos outros bairros, a gente acomoda outras pessoas. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

Desse modo, a ampliação do programa de coleta seletiva se mostra essencial para: (1) a inserção de novos indivíduos nas organizações, possibilitando a entrada de catadores que realizam a catação de forma autônoma; bem como (2) para o aumento dos rendimentos dos já cooperativados, representando elemento importante para a efetividade das ações municipais.

O contrato com a Prefeitura de Natal que proporciona o pagamento pelos serviços prestados pelas cooperativas é um ponto bastante positivo que merece destaque. Trata-se de um avanço que ainda está sendo implantado por outras prefeituras no Brasil. Em Natal, esse contrato proporciona além do reconhecimento, a possibilidade de continuidade e manutenção das cooperativas, conforme expôs o representante da COOPCICLA:

É. Sei que é um contrato que a cooperativa tem com a prefeitura. Veja um exemplo, a prefeitura tem um contrato com a marquise e tem um contrato com a gente. É o mesmo sistema. Do jeito que eles pagam as empresas, pagam a gente... Assim, a gente trabalhava até de graça. A gente fazia

serviços de gari do jeito que eles fazem lá. E, na verdade, a Urbana bancava sempre o caminho e a gente se sentia lesado por isso. A gente não sabia, não entendia das coisas, e dizia, “não, a Urbana dá um caminhão para a gente se virar”, mas na verdade a gente estava trabalhando de graça para eles. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

Outros avanços puderam ser percebidos, como o interesse dos representantes na organização interna da cooperativa. A COOPCICLA, por exemplo, contratou um profissional especializado no suporte a empreendimentos de economia solidária:

A gente contratou o David, que é um rapaz muito (inint), e ele só trabalhava com negócio de cooperativismo, porque ele ajuda nas cooperativas. Aí ele veio e a gente está pagando... acho que a gente paga a ele 300 reais por mês...a cooperativa paga a ele para fazer esse sistema. Qualquer dúvida que a gente tenha com ele, ele vem lá e a gente tira junto. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

Foi possível perceber também que as cooperativas buscam outras formas de renda com a utilização do material coletado para a confecção de vassouras, feitas de material pet, e bolsas, fabricadas a partir da lona de banners, para a venda. Há, no galpão da COOPCICLA, dois ateliês para a fabricação desses itens pelos próprios cooperativados, o que representa uma potencialidade para o aumento da renda, mas também para o encaminhamento dos indivíduos para novas atividades.

Figura 24: Máquina do ateliê de costura da COOPCICLA,

dezembro de 2014.

Figura 25: Confecções de bolsas com material de lona na

COOPCICLA, dezembro de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 26: Ateliê para confecção de vassouras com

material pet - COOPCICLA, dezembro de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Por outro lado, alguns aspectos negativos foram mantidos. Os acidentes de trabalho continuam a ocorrer, mesmo que em pequena quantidade e menor gravidade. Foi possível perceber que tais ocorrências são percebidas de forma natural pelo catador. Para os entrevistados, acidentes são apenas os eventos graves e os cortes e os episódios menos sérios são vistos como acontecimentos a que estão naturalmente expostos. Quando questionados

acerca da ocorrência de acidentes de trabalho nas cooperativas, os representantes informaram:

Graças a Deus aqui, aconteceu o acidente... graças a Deus, há muito tempo que aconteceu o acidente com a menina, mas... foi um acidente grave. Graças a Deus que...(...) Foi o primeiro e o último, graças a Deus. Assim, estava no trecho trabalhando – isso faz uns 06 anos, eu acho. 05 anos,0 6 anos –, ela em cima do caminhão, estava (batendo no poste), um fio caiu e pegou no pescoço dela. Ela caiu para trás e ficou. (...) É besteira, para mim corte no trabalho levou porque (...) fui pegar um berg, pegou no dedo, porque na verdade a gente não trabalha com material perigoso, a gente trabalha com material reciclável. (...) É, tem vez que quebra um vidro, o morador bota dentro de uma sacola, tem vez que ele na verdade não sabe, pega aquele material e embrulha no jornal, pega uma revista. Como o catador não está vendo o que é, tem vez na pegada daquele saco corta a mão ou corta o pé. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

Não. (...) É pouco. É pouco. (...) É, só com corte. Geralmente é corte. É com corte. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

Outro elemento que se manteve foi o fato de que o uso dos equipamentos de segurança ainda encontra certa relutância por alguns trabalhadores, não sendo ideais as condições de prevenção de acidentes de trabalho nas organizações. Essas, por sua vez, ainda dependem de doações de EPIs. De acordo com a catadora entrevistada:

A gente consegue EPI quando tem projetos. Mas a cooperativa também quando não tem, a gente compra. Mas aquela mesma... aquele mesmo problema de sempre, o pessoal não querem usar, dizem que têm alergia e não sei o quê. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

Os galpões estão cada vez mais lotados com material, denotando a necessidade de ampliação do espaço. É o que se pode visualizar nas imagens que seguem:

Figura 27: Interior do galpão de triagem da COOPCICLA,

dezembro de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 28: Interior do galpão de triagem da COOCAMAR

dezembro de 2014.

Figura 29: Material coletado durante festa privada em

Natal, depositado na área externa da COOCAMAR, dezembro de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Os catadores ainda convivem diariamente com o mau cheiro proveniente dos resíduos depositados na estação de transbordo, piorando as condições de saúde e segurança no local:

Figura 30: Resíduos acumulados na estação de

transbordo de Natal, bairro de Cidade Nova, dezembro de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

O trabalho continua não sendo realizado em condições posturais adequadas, prejudicando a saúde do trabalhador. O catador ainda realiza o seu trabalho abaixado, curvado ou sentado no chão.

Figura 31: Interior do galpão de triagem da COOPCICLA

– dezembro de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Durante um período de seu funcionamento, a COOCAMAR contou com uma esteira para facilitar a triagem do material. Nesta, os catadores posicionavam-se de forma correta, sem precisar se abaixar constantemente para separar o material. Porém, há anos a esteira encontra-se quebrada, dificultando a realização do trabalho. Acerca do período em que a esteira estava em funcionamento, a representante entrevistada afirmou:

Sem a esteira a produção diminuiu, com a esteira a produção é bem mais rápida. Mas é... é por causa do abaixar. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

As imagens que seguem tornam possível a visualização do estágio de sucateamento da esteira, equipamento que poderia facilitar o trabalho dos catadores e a melhoria das condições de labor:

Figura 32: Estrutura que abriga a esteira de triagem de

materiais recicláveis em Natal, dezembro de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 33: Esteira de triagem de materiais recicláveis

desativada, Natal-RN, dezembro de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

A ausência de contribuição para a Previdência Social foi outro elemento percebido na visita feita em 2014. Isso também distancia o trabalho dos parâmetros definidos pela OIT, em função da impossibilidade de garantia de uma justa remuneração:

Não. (...) Na realidade, faz muito tempo que a gente tenta ver como é que vai fazer, o pessoal, tem pessoas que não... não querem aceitar nem a gente descontar a cota, imagine a previdência. [REPRESENTANTE DA COOCAMAR, dezembro de 2014].

O apoio da Prefeitura foi reconhecido e valorizado durante as entrevistas. Entretanto, aspectos relacionados à impossibilidade de intervenção na cooperativa e a necessidade de ampliação dos bairros atendidos pela coleta seletiva foram frisados:

A minha [nota] é de 07 a 08. Não vou dizer 10 e nem vou dizer 05. (...) O que ele poderia melhorar? Ele poderia melhorar para gente na... por exemplo, mais um carro ou dois para gente crescer no nosso serviço, por exemplo, a gente punha... eram 16 caminhões que serviam as cooperativas, quando trocou de prefeito naquela época, reduziu para 12 e agora está com 6. Tem muitos bairros que a gente fazia e deixou de fazer... por quê? Por falta de... de carro, igual eu falei. Tem um bairro na zona norte que já era para ter começado há uns seis meses atrás. [REPRESENTANTE DA COOPCICLA, dezembro de 2014].

Outro ponto que merece destaque é o fato de que as cooperativas, em 2014, ainda dependiam da venda do material coletado para atravessadores. Não era possível vender diretamente as empresas de reciclagem, apontando- se, como um dos fatores contribuintes para tanto, a pouca quantidade de material, o que diminuía o valor pago e a renda auferida pelas organizações.

Pelo exposto, a partir da nova aproximação com o campo, alguns elementos foram revisitados em função da manutenção de certas dificuldades no desempenho da catação.

Assim, destaca-se que o trabalho da catação não é fácil, mas é ainda essencial. Foi possível vislumbrar que o catador está sujeito a diversas doenças, como problemas auditivos, dermatológicos, respiratórios, lesões musculoesqueléticas, pulmonares, contaminação por agentes químicos e biológicos, além do risco de contato com vetores e acidentes das mais diversas ordens. Os galpões visitados não são ideais ao trabalho, pois apresentam iluminação inapropriada, pouca ventilação, grande acúmulo de material – que chega a dificultar a movimentação do catador no interior do local –, presença de ruídos excessivos e ausência de boas condições ergonômicas de trabalho, constatando-se um ambiente precário de labor.

Trata-se de uma realidade que se distancia do conceito de trabalho decente por não ser possível afirmar a existência de um labor remunerado de forma justa, realizado em condição de liberdade, equidade e segurança.

Os catadores autônomos vivenciam uma realidade ainda mais degradante, puxando carrinhos e carroças pesados pela cidade, além ter seu potencial de organização reduzido em função da não cooperativação. Constatou-se também que a catação é o meio de sobrevivência encontrado quando não resta alternativa ao desemprego, inviabilizando a hipótese de que é uma atividade buscada pelo indivíduo como forma de satisfazer-se.

A renda, apesar da organização dos indivíduos, ainda não proporciona o seu desenvolvimento, em razão de não garantir o auferimento de reservas ou quantias utilizadas para fins que possam ir além da estrita sobrevivência. Por tais aspectos, não foi possível constatar a existência de um trabalho decente no contexto estudado.

As cooperativas apresentam um funcionamento ainda dificultoso, apesar do esforço dos representantes, até mesmo em função das deficiências no programa de coleta seletiva em que estão inseridos. A melhoria das condições de trabalho ainda depende do apoio de instituições do terceiro setor e da Prefeitura de Natal.

Nesse sentido, quanto à concretização do trabalho decente por meio das ações que objetivam a inclusão socioprodutiva de catadores em Natal, pode-se afirmar que não foi possível vislumbrar a prática de um trabalho exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, persistindo uma realidade de (1) precariedade das condições de trabalho; (2) preconceito em função da atividade desempenhada; (3) ausência de contribuição com a Previdência Social, o que inviabiliza a adequação da remuneração recebida; (4) busca da atividade como solução ao desemprego; (5) poucas oportunidades de encaminhamento para outras atividades laborais. Portanto, não há como afirmar que o presente contexto da catação em Natal constitui-se como favorável à concretização do trabalho decente o que, consequentemente, não conduz à existência de um emprego verde. No município, a catação ainda se constitui como última alternativa ao desemprego, não havendo condições ideais de labor que concretizem a dignidade no desempenho da atividade.

Internamente, as cooperativas trabalham com os insumos que possuem para buscar a melhoria do trabalho desempenhado e do serviço prestado à população. É preciso reconhecer e destacar a luta diária dos representantes

para a manutenção das organizações e dos catadores para realizar a coleta seletiva com os poucos instrumentos disponíveis.

A contratação dos serviços prestados pela cooperativa deve sim requerer a preocupação com o aspecto social dos trabalhadores. É certo que, na contratação de uma empresa privada para a consecução de um serviço público, o Estado exige da primeira a comprovação da licitude e das condições adequadas de labor dos seus empregados. No mesmo sentido, ao contratar uma cooperativa de catadores para a operacionalização da coleta seletiva em busca da inclusão social, a busca pelo trabalho decente deve ser seu primado. Entretanto, sem que isso se constitua em uma interferência direta do poder público sobre as cooperativas, mas o amparo na melhoria dos serviços prestados.

Desse modo, a contratação das cooperativas pelo município de Natal envolve a busca da inclusão social, observando a necessidade de melhoria das condições de vida e labor dos cooperativados. É preciso lembrar que o desenvolvimento apenas se concretiza quando os benefícios do crescimento levam à ampliação das capacidades (SEN, 2000).

Assim, a contratação de cooperativas, mesmo que incentivada pela PNRS, deve atentar para a possibilidade de precarização das relações de trabalho, o que requer atenção por parte do poder público, a fim de que apoie essas organizações que ainda se encontram em fase prematura em muitos municípios brasileiros. Trata-se da necessidade de promoção da “desinformalização” das cooperativas, conforme propõe Sachs (2008).

Em Natal, mesmo que a organização dos catadores tenha se iniciado em 2004, as cooperativas ainda dependem de projetos e convênios com instituições do terceiro setor e do apoio do município. Esse, por ser o ente responsável pela coleta seletiva, tendo contratado as cooperativas para sua