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Aspectos do progresso na ciência

R: Estou aqui para obedecer, mas não tenho defendido esta opinião após a determinação ter sido emitida, como eu disse.

4. CIÊNCIA, RELIGIÃO E PROGRESSO 1 Considerações iniciais

4.7. Aspectos do progresso na ciência

Ainda quanto à visão de progresso na ciência, o capítulo 2 desta dissertação debateu a respeito do processo de produção de conhecimento científico, e pudemos notar que o sentido de progresso nesse campo não assume um caráter tão objetivo quanto se propaga, isto é, de maneira absoluta e inquestionável. Arthur Koestler (1905- 1983), jornalista e escritor judeu húngaro radicado no Reino Unido, em sua obra Os

sonâmbulos — História das concepções do homem sobre o universo, lançado em 1959,

177 Tradução livre: Os corpos humanos são instrumentos de medição cujas propriedades de autosseleção

devem ser levadas em conta.

178 Tradução livre: Os valores mensurados de muitas quantidades cosmológicas e físicas que definem

nosso Universo são circunscritas pela necessidade que observamos a partir de um local onde as condições são apropriadas para a ocorrência da evolução biológica e em uma época cósmica superior às escalas temporais astrofísica e biológica necessárias para o desenvolvimento de ambientes e bioquímica que dão sustento à vida.

procura expor os fios gêmeos da ciência e da religião, que começam com a unidade indistinguível do místico e do sábio na Irmandade Pitagórica, que se separam e reúnem- se de novo, umas vezes entrelaçados em nós, outros correndo paralelamente, e que terminam na polida e mortal “casa dividida da fé e da razão”, dos nossos dias, onde, em ambos os lados, os símbolos se enrijeceram em dogmas, e onde se perde de vista a comum fonte de inspiração. Ele afirma que a ciência não progride de forma racional e clara, mas em linha ziguezagueada, parecendo mais uma atitude de sonâmbulos do que as atitudes de um cérebro eletrônico (KOESTLER, 1961, p. XIV). O autor, portanto, defende que o progresso na ciência não ocorre de maneira contínua e orgânica, mas se desenvolve por meio de saltos, pulos, alternado por perseguições ilusórias, regressos, períodos de cegueira e amnésia. Ou seja, é cheio de idas e vindas e repleto de controvérsias. Ele ainda demonstra que grandes adventos ocorreram por intermédio de resultados inesperados e até mesmo por erros de cálculo, como o caso de seu herói, Johannes Kepler (1571-1630), e suas primeiras duas leis descobertas (conhecidas respectivamente por “lei das órbitas elípticas” e “lei das áreas”).

Somando-se ao que já foi apresentado, voltamos ao pensamento de Erich Fromm, na sua obra O Espírito de Liberdade, na qual se expressa sobre as implicações sociais do processo de construir conhecimento, independentemente do tipo, indo ao encontro do que também acredita Koestler quando fala sobre a constituição dos dogmas que enrijecem ciência e religião:

Qualquer processo na ciência, nas ideias políticas, na religião e na filosofia tende a criar ideologias que competem e lutam entre si. Além disso, tal processo é ajudado pelo fato de que tão logo o sistema de pensamento se transforma no núcleo de uma organização, surgem burocratas que, para manter poder e controle, desejam ressaltar as diferenças, e não os pontos comuns, e que se interessam, portanto, em tornar os acréscimos fictícios tão importantes, ou mais ainda, do que os fragmentos originais. Assim a filosofia, a religião, as ideias políticas e por vezes até mesmo a ciência são transformadas em ideologias, controladas pelos respectivos burocratas (FROMM, 1981, p. 22).

Um caso contemporâneo que merece referência são as contradições da física quântica ortodoxa e a dificuldade da comunidade acadêmica em verdadeiramente aceitar uma revisão das suas bases conceituais. Existem diversas correntes contrárias a várias cláusulas pétreas da mecânica quântica vigente, a exemplo dos professores da Universidade de Lisboa José Croca e Rui Moreira, que tratam do assunto há alguns anos e publicaram para o público leigo o livro Diálogos sobre Física Quântica (2010), em que trabalham questões relacionadas à objetividade do progresso na ciência, analisando

especialmente as ideias implícitas — e pouco explicadas às pessoas em geral — ao modelo aceito pela ciência no que tange à física quântica.

Para isso, percorrem a história da ciência para usar fatos marcantes dela como paralelos aos episódios que ocorrem na atualidade. O mais importante deles foi o esforço de Galileu Galilei para deixar condições conceituais para o estudo do movimento local, necessitando contrariar a física aristotélica, que era a concepção vigente à época, como anteriormente discutimos. Portanto, Galileu precisou defender as ideias de Nicolau Copérnico, que ontologicamente unificou o mundo sublunar e o supralunar, permitindo, assim, epistemologicamente pesquisar o movimento dos corpos celestes (CROCA; MOREIRA, 2010, p. 41-42).

Nesse mesmo sentido, segundo os autores, a física quântica convencional precisa ser revista em suas bases conceituais. Ainda que funcione e apresente resultados eficazes de intervenção no planeta179, o mundo atômico precisa ser unificado ao mundo da matéria. Em que sentido? A física quântica convencional, conforme elaborada especialmente por Niels Bohr (1885-1962), apresenta, implicitamente à sua matemática e eficácia científica, a negação da realidade objetiva independente do observador e, com isso, prepondera a noção de não localidade e de não causalidade. A teoria fundamenta- se filosoficamente no princípio de complementariedade, que admite a existência no universo de um resíduo irracional irredutível. A partir da crença nessa visão da realidade, a quântica moldou seu desenvolvimento matemático sobre a ontologia de Fourier. No entanto, Croca e Moreira afirmam que essa teoria física não consegue atender a muitas questões que a natureza lhe impõe180. Os autores também declaram que, nessa interpretação, as partículas atômicas e subatômicas que compõem a matéria obedecem a outra lógica, diferente da que a “matéria sólida” seguiria.

Em contraposição a isso, e inspirados nos estudos do físico francês Louis De Broglie (1892-1987), Croca e Moreira propõem uma física quântica com base numa matemática não linear que tenha como fundamento conceitual a localidade e a causalidade, recorrendo a uma nova ontologia para proporcionar uma nova

179 Para os autores, existem três critérios que definem o que é uma teoria física: 1) aproximação com os

fenômenos que deseja descrever; 2) capacidade de prever novos fenômenos; 3) capacidade de construir novos instrumentos, aumentando a ação no mundo (CROCA; MOREIRA, 2010, p. 70). Para eles, as três mais importantes teorias físicas são: mecânica e gravitação de Newton, eletromagnetismo e a mecânica quântica. No entanto, não é por serem consideradas teorias físicas que exprimem a verdade absoluta e última. A própria mecânica quântica em questão, segundo eles, dá sinais de esgotamento e carrega consigo fortes contradições que clamam por uma revisão urgente.

180 Na obra de Croca e Moreira, os autores demonstram diversos paradoxos da mecânica quântica e

possíveis soluções que não serão aqui expostos, pois fogem em partes do propósito do trabalho, mas que podem ser consultados em Diálogos sobre Física Quântica (2010) e em outros artigos e livros deles. Outros cientistas como Einstein, De Broglie, Planck e Schrödinger, à sua época, já questionavam as premissas básicas dessa teoria.

epistemologia. Essa nova física quântica abrangeria a física quântica convencional no corpo de soluções possíveis aos desafios da realidade, mas como uma das soluções ao mundo atômico, e não a solução para todos os casos. Isso amplia seu espectro de compreensão e atuação no mundo natural.

Mesmo não entrando nos detalhes físicos e matemáticos dos paradoxos da mecânica quântica e das teorias alternativas a ela, devemos refletir sobre algumas questões. Nesse debate, nos chama a atenção a resistência da comunidade científica a novas ideias181. Isso ilustra o que foi exposto em Fromm a respeito do controle e do poder que estão envolvidos no empreendimento humano, seja ele científico, religioso, artístico, político ou outro. O autor explica que a manutenção da soberania e da autoridade tem parcela significativa na definição do rumo do progresso na ciência e na religião, levando em conta relações de poder, aspectos financeiros e de status social. A intransigência à evolução das ideias foi um motivo de duras críticas da razão contra as instituições de fé. No entanto, nesse aspecto, a ciência em muito se assemelha ao que ela combateu na religião. Isso nos leva a questionar se é um atributo exclusivo de uma instituição social ou se independe da natureza da instituição, mas um atributo inerente à condição humana que está por trás de todas as instituições.

4.8. Reflexões finais

Diante da amplitude do debate sobre progresso, esse diminuto espaço de reflexões, envolvendo no assunto a interação ciência e fé, pôde salientar a contribuição de ambas para o tema. A ciência, com seus processos e métodos não tão objetivos quanto se imagina, e a religião, com as possibilidades de progresso em suas percepções sobre a divindade e o mundo, parecem ter atuado em conjunto no desenvolvimento do saber e, portanto, na promoção do progresso.

Uma vez discutida tal perspectiva, desvencilhando-se de mitos e controvérsias, de que maneira o convívio harmonioso pode continuar a produzir bons resultados, a fim de se avançar em novas descobertas e novos conhecimentos? Como estabelecer o intercâmbio e o diálogo, respeitando as particularidades e os limites desses campos do saber? E mais: será possível a um cientista — uma pessoa supostamente direcionada em

181 O que foi resumidamente demonstrado no campo da mecânica quântica ocorre em diversas outras

áreas da ciência. Gildo Magalhães expõe, por exemplo, em seu artigo “A evolução das espécies: da Natureza ao liberalismo econômico” (2007), os debates em torno do conceito do evolucionismo darwiniano, as influências sofridas fora do campo da biologia, os paradoxos que possui, bem como alternativas a essa teoria da evolução.

ser racional — manifestar e vivenciar algo tão intrinsecamente ligado à emoção e ao sentimento?

5. CIÊNCIA E FÉ EM DEBATE: DIÁLOGO POSSÍVEL?