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Ao final desta jornada de estudo e pesquisa, o que se pode definitivamente concluir sobre o que foi aqui registrado? Na verdade, após um trabalho como este, só se veem novas perspectivas de investigar mais sobre o tema e descortinam-se amplos caminhos de conhecimento que convidam a alma perquiridora a trilhá-los.

Ao refletir sobre os aspectos aqui apresentados, notamos que, em essência, respeitando suas inúmeras particularidades, ciência e religião são empreendimentos humanos em busca da verdade, do bem-estar, da felicidade, de um futuro melhor... Mas, no meio do caminho, surgem questões como autoridade, poder, soberania, entre outros, o que, por muitas vezes, ofusca aquele objetivo primeiro. A necessidade de domínio pode levar à intolerância em relação ao novo/desconhecido — e em muitos casos, se não em todos, ocorre prejuízo ao progresso.

Foi perguntado, na introdução, se o termo “guerra” melhor traduziria a relação entre ciência e fé. Ainda que não se negue a existência de atritos, essa dissertação tentou pelo menos demonstrar que há evidência suficiente para entender que não se deve restringir tal interação tão somente ao patamar de conflito. Como vimos, há potenciais fatores a serem destrinchados no que concerne ao convívio entre esses campos do saber. Por que empobrecer o debate? A conciliação pode não ser obrigatória para garantir desenvolvimento, mas por que descartar a possibilidade de somar esforços, se tanto ciência quanto religião buscam conhecer mais sobre a vida, a natureza e o mundo? Deixar essa oportunidade de lado não parece uma escolha sensata, nem atitude produtiva, mesmo que sejam esferas de operação bem definidas e independentes. Estamos, sim, diante de culturas distintas, variados métodos, pessoas diversas, diferentes histórias... Mas isso impede de haver um denominador comum, que estabeleça uma ponte construtiva entre ciência e religião, com o objetivo de beneficiar as populações com mais compreensão sobre o funcionamento das coisas, gerando, portanto, progresso?

Isso posto, é preciso refletir: como superar a construção histórica de conflito, tendo em vista que, no senso comum, foi criada uma imagem de distância abissal entre ciência e fé? Mas, apesar desse possível retrato desanimador, será que é mesmo assim que a questão se desenrola no modus faciendi?

Vale, então, repercutir os resultados de estudo conduzido, entre 2005 e 2007, pelos pesquisadores Elaine Howard Ecklund, do Departamento de Sociologia da Rice University, e Jerry Z. Park, do Departamento de Sociologia da Baylor University, intitulado “Religion Among Academic Scientists” (RAAS) [tradução livre: Religião

entre cientistas acadêmicos]. Eles aplicaram um questionário a 2.198 integrantes de universidades, para colher pontos de vista a respeito de ciência e fé. Os participantes foram selecionados aleatoriamente em 21 universidades de ponta, constantes do relatório anual “Top American Research Universities”, produzido pela Universidade da Florida. Os entrevistados representavam sete disciplinas diferentes (das ciências naturais: biologia, química e física; e das ciências sociais: sociologia, economia, psicologia e ciência política). Houve devolutiva por parte de 1.646 pessoas, com um percentual de resposta de 75%. E os resultados foram publicados no Journal for the

Scientific Study of Religion.

O que foi observado? Dentre vários pontos, destaca-se: “Only a minority think that conflict exists between religion and science”210 (ECKLAND; PARK, 2009, p. 283). E mais: “Our results showing that scientists do not see religion and science as in conflict may help religious members of the general public adopt a more positive attitude toward science and scientists”211 (ECKLAND; PARK, 2009, p. 290). Naturalmente, isso também pode inspirar representantes da ciência resistentes ao tema.

No Brasil, em 1993, o professor dr. José Geraldo de Paiva, do Departamento de Psicologia da USP, defendeu sua tese de livre-docência, intitulada Itinerários religiosos

de acadêmicos: um enfoque psicológico. Em outros moldes, usando metodologia

qualitativa com intuito de proceder com uma análise psicológica, entre maio de 1990 e outubro de 1991, ele entrevistou 26 acadêmicos da USP, escolhendo os candidatos a partir do grau mínimo de doutorado, sendo oito representantes das ciências humanas (história), dez das ciências exatas (física) e oito das ciências biológicas (biociências). O objetivo era conhecer o modo como tais pesquisadores relacionavam ciência e religião em suas vidas. O uso do termo “itinerários” no título indica que esse processo contempla encontros e desencontros de um cientista com a religião. Nas suas conclusões, José Geraldo registrou que, objetivamente, nenhum dos entrevistados da física e das biociências emitiu qualquer frase de incompatibilidade entre ciência e religião. Na área de história, subjetivamente todos os entrevistas declararam a possibilidade, ou o fato, da coexistência de ciência e religião na vida do cientista. No entanto, para os acadêmicos dessa área, objetivamente a compatibilidade entre ciência e religião é, por vezes, negada ou posta em dúvida (PAIVA, 1993, pp. 145-163).

210 Tradução livre: Apenas uma minoria acha que existe conflito entre religião e ciência.

211 Tradução livre: Pelo fato de nossos resultados mostrarem que os cientistas não veem a religião e a

ciência em conflito, isso pode ajudar os membros religiosos do público em geral a adotarem uma atitude mais positiva em relação à ciência e aos cientistas.

O físico teórico e teólogo inglês John Polkinghorne, em seu livro Belief of God

in an Age of Science (1998, p. 77), endossa essas análises: “Only in the media, and in

popular and polemical scientific writing, does there persist the myth of the light of pure scientific truth confronting the darkness of obscurantist religious error”212. Naturalmente, trata-se de apenas uma amostra de estudos, que já denota um campo fértil a ser explorado, diferentemente do que atribui o senso comum. Muito ainda precisa ser aprendido, e cada pesquisa realizada oferece mais domínio da complexidade envolvendo o intercâmbio entre ciência e religião. Assim, com mais acerto, propõem-se alternativas concretas no encurtamento das aparentes distâncias entre elas. Diante disso, a dicotomia reducionista deveria ser substituída pela cooperação mútua, pois há vários motivos para dialogar face aos enormes desafios planetários.

Pode-se elencar, entre tais razões, o recorrente uso do sentido de progresso para a dominação do próximo, ou para satisfazer a ambição desmedida de poucos à custa da exploração alheia de muitos. Nesse ponto, vale mencionar o que apontou Koestler: com o distanciamento entre ciência e fé, logo, entre ciência e discernimento espiritual, consciência moral e valores relacionados, o progresso tecnológico chegou, trazendo seus benefícios, mas também pôs ao alcance do dedo a possibilidade de destruir todo o planeta. Para o autor, ou o ser humano de fato levará a cabo tal intento ou partirá para as estrelas. E ele atribui essa questão, em grande medida, à tentativa da ciência pós- galileana em substituir a religião. O efeito oriundo dessa postura, na verdade, foi a difusão de fome espiritual, pois o divórcio entre ciência e fé seria responsável por o ser humano não mais conseguir alcançar satisfação intelectual.

A arte perdeu a inspiração mítica, a ciência a inspiração mística; o homem tornou-se de novo surdo à harmonia das esferas. A filosofia da natureza passou a ser eticamente neutra, e “cega” tornou-se o adjetivo favorito para a obra da lei natural, a hierarquia espaço-espírito foi substituída pelo contínuo espaço-tempo (KOESTLER, 1961, p. 376).

Portanto, diante dessas reflexões, parece mais frutuoso incentivar o intercâmbio produtivo entre os agentes sociais, respeitando as particularidades de cada área, e reconhecer os pontos frágeis para acertá-los pelo caminho. Talvez, assim, possamos vislumbrar a construção de um futuro melhor, a passos árduos, com mais amor, altruísmo e solidariedade — sentimentos pragmáticos que ainda não progrediram no mesmo passo dos avanços tecnológico-científicos; ainda assim, não devemos perder a

212 Tradução livre: Apenas nos meios de comunicação e na literatura científica popular e polêmica

persiste o mito do confronto da luz da verdade científica pura contra as trevas do erro religioso obscurantista.

esperança que isso ocorra o quanto antes, pelo bem do planeta e pela sobrevivência dos povos; pelo bem da ciência e pelo bem da religião. Enfim, pelo progresso de todos.

Nas considerações finais de um trabalho como este, faz-se necessário também expor algumas frustrações da pesquisa, que deriva da vontade desmedida de querer sempre estudar tudo, resultando na impossibilidade de abordar tanto quanto foi pretendido na proposta. Um ponto que seria importante de ser apresentado em futuras análises é a contribuição brasileira no debate sobre ciência e religião. Quando, no capítulo anterior, Francis Collins descreve os constrangimentos nos eventos que reuniram cientistas e religiosos, dos quais participou, lembro-me dos eventos que pude frequentar no Brasil. Não percebi, tanto na LBV quanto em outros movimentos (como no Seminário Neurociências e Fé Cristã, organizado pelo Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos), esse mesmo embaraço, quando se discutiam assuntos nevrálgicos para ciência e religião. Acredito que os modelos brasileiros poderiam produzir valiosos resultados de diálogo e auxiliar no aprofundamento do debate. Para isso, ainda se ambiciona produzir uma análise pormenorizada da atuação de Novos Movimentos Religiosos no Brasil213 nesse assunto. Em especial, identificamos, inicialmente, a Christian Science e a própria Legião da Boa Vontade como possíveis estudos de caso. Como mencionado na introdução, a LBV, por exemplo, dedica-se à aproximação e ao diálogo entre as áreas do saber. Examinar de maneira mais detalhada como isso ocorre, comparando com outras metodologias de interatividade, seria um interessante objeto de investigação. No cenário internacional, algumas instituições poderiam ser pesquisadas, a exemplo da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, fundada em 1603, que contou com a participação de Galileu Galilei. Assim, uma análise comparativa seria igualmente bem-vinda. Fica o desafio, então, para, numa próxima pesquisa, buscar-se examinar o que pode ser acrescentado ao debate a partir dessa perspectiva.

Ainda nesse sentido, nota-se que a bibliografia consultada se encontra predominantemente em língua inglesa e, quando em português, é majoritariamente composta de traduções de autores internacionais. Isso corrobora a necessidade de se produzirem estudos sobre esse tema no Brasil, pela crença na profunda contribuição que

213 Algumas referências bibliográficas sobre Novos Movimentos Religiosos são: HANEGRAAFF, W.

New Age Religion and Secularization. Numen, vol. 47, fasc. 3, 2000, pp. 288-312; GUERRIERO, Silas.

Novos Movimentos Religiosos: o quadro brasileiro. São Paulo: Paulinas, 2006; BIRMANN, Patrícia.

Relativismo mágico e novos estilos de vida. Revista do Rio de Janeiro/UERJ, ano 1, n. 2, 1993; CAMPBELL, Colin. Half-belief and the paradox of ritual instrumental activism: a theory of modern superstition. The British Journal of Sociology, 47, 1, 1996; CHAMPION, Françoise. Les sociologies de la post-modernité religieuse et al nébuleuse mystique-esotérique. Archive de sciences sociales de religions, n. 67/1, 1989.

nossa identidade nacional e formação histórico-cultural podem oferecer à compreensão deste objeto.

Outro ângulo que tornaria a dissertação mais rica seria desvencilhar-se da visão ocidental do tema e conseguir aprofundar-se em correntes de pensamento oriental. O budismo, hinduísmo, islamismo, confucionismo, entre outras, proporcionariam, além de elementos histórico-culturais diversos dos encontrados a partir do cenário europeu e judaico-cristão, uma provocação ao sentido de alteridade. O aprendizado só tende a ser mais fecundo.

Um possível desdobramento da pesquisa seria reunir e examinar mais materiais de reflexão quanto a um tema crucial para o debate ciência e religião: evolucionismo

versus criacionismo (e aqui podemos incluir a própria experiência pessoal de Charles

Darwin), pois esse enfoque se presta, por excelência, a uma abordagem tanto do ponto de vista da religião quanto do da ciência. Sobre isso, pouco foi apresentado, apesar do montante de conteúdo encontrado durante a pesquisa. Na necessidade de optar por alguns recortes, achamos que, pela extensão em que já se encontrava a presente dissertação, esse assunto poderia perder em profundidade. Por ser um tópico que mereceria atenção relevante, haveria muito para expor num espaço cada vez mais diminuto.

O campo de investigação é vasto e profícuo para a ampliação do saber em torno das perspectivas históricas do intercâmbio entre ciência e religião. De que forma elas trabalham, por exemplo, a questão da verdade? Tanto a religião quanto a ciência tratam desse ponto, e propõem abordagens, teorias e métodos de verificação. Em que se assemelham ou se distinguem? Quais ferramentas são utilizadas para definir suas verdades? As verdades científicas podem influenciar as verdades religiosas, e vice- versa214? Enfim, muitos temas merecem ainda a atenção de pesquisadores interessados. Nossos votos são pela ampliação das análises e dos debates, a fim de que alcancemos, a partir de um entendimento abrangente, ferramentas conceituais e práticas para consolidar uma harmonia proficiente, que forneça caminhos de interação verdadeiramente saudável pelo bem da Humanidade.

214 Uma literatura acadêmica que não foi explorada nessa dissertação poderia contribuir com esse ponto

de investigação. Trata-se de pesquisas realizadas por campos da ciência com o objetivo de examinar verdades religiosas registradas nas suas escrituras sagradas. O pesquisador alemão Werner Keller (1909- 1980) é autor do livro E a Bíblia tinha razão... (1955), que analisa diversas passagens bíblicas com base em achados arqueológicos e estudos científicos. No Brasil, também existem pesquisadores sobre esse tema, como, por exemplo, André Leonardo Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Pedro Paulo Abreu Funari, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que lançaram livros sobre o Jesus histórico.