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Visões do conceito de progresso

R: Estou aqui para obedecer, mas não tenho defendido esta opinião após a determinação ter sido emitida, como eu disse.

4. CIÊNCIA, RELIGIÃO E PROGRESSO 1 Considerações iniciais

4.2. Visões do conceito de progresso

O sociólogo norte-americano Robert Nisbet (1913-1996) demonstra, em seu livro História da ideia de progresso, quão caro é o pensamento de progresso para a Humanidade, declarando que “nenhuma idéia, por si só, foi mais importante, ou talvez tão importante quanto a idéia de progresso na civilização ocidental, durante quase três mil anos” (NISBET, 1985, p. 16).

Não se tem o propósito, neste trabalho, de abrir amplo debate sobre a definição do termo e os respectivos pressupostos ideológicos agregados aos diversos conceitos sobre ele, mas, isso sim, analisar o intrincado relacionamento entre ciência e fé sob esse aspecto. Nesse sentido, o próprio Nisbet auxilia numa compreensão do que seja progresso, recorrendo ao que afirmou o historiador irlandês J. B. Bury (1861-1927):

[...] a idéia de progresso acredita que a humanidade avançou do passado — a partir de alguma condição original de primitivismo, barbárie, ou até nulidade — continua agora avançando e deverá ainda avançar através do futuro que possa ser previsto (BURY apud NISBET, 1985, pp. 16-17).

Para Nisbet, esse conceito apresenta a ideia de progresso como uma síntese entre passado e a profecia do futuro, firmada na direção unilinear do tempo. O autor alia Bury ao historiador norte-americano Arthur O. Lovejoy (1873-1962), para quem a ideia de progresso representa “uma apreciação não só do processo histórico em geral como também da tendência predominante que se manifesta nela” (LOVEJOY apud NISBET, 1985, p. 17). Isso, ainda segundo Lovejoy, conduz à crença na “tendência inerente à natureza e ao homem de atravessar uma sequência regular de etapas mais recentes superiores às mais antigas — mesmo levando-se em conta alguns atrasos ou retrocessos” (LOVEJOY apud NISBET, 1985, p. 17). Nisbet acrescenta que esse princípio contém a presunção de continuidade, de graduação, de naturalidade e de inexorabilidade de tais estágios de desenvolvimento: “O avanço do inferior para o superior deve parecer tão real e certo como qualquer outro aspecto das leis da natureza” (NISBET, 1985, p. 17).

Sobre o uso dos termos “avanço” ou passagem do “inferior para o superior”, Nisbet explica que, a partir dos gregos até o século XX, duas proposições estavam intimamente relacionadas, apesar de serem distintas.

Primeiro, a lenta, acumulativa e gradual melhoria em “conhecimento”, o tipo de conhecimento incorporado nas artes e ciências, nas múltiplas maneiras que o homem tem para lidar com os problemas apresentados pela natureza ou pelo esforço intenso do ser humano para conviver com grupos humanos. [...]

A segunda proposição mais importante ou linha de pensamento que encontramos na história da idéia de progresso se localiza em torno da condição moral e espiritual do homem na terra, sua felicidade, sua independência nos tormentos da natureza e da sociedade e, sobretudo, sua serenidade e tranqüilidade. A meta do progresso ou avanço é o empreendimento da humanidade, “na terra”, resultante dessas virtudes espirituais e morais, levando assim a uma cada vez maior perfeição da natureza humana (NISBET, 1985, p. 17).

Entretanto, o autor aponta que, desde o passado, chegando aos dias atuais — e, segundo ele, provavelmente também assim ocorrerá no futuro —, houve quem acreditasse que as duas máximas têm um relacionamento inversamente proporcional entre si. Já citamos no primeiro capítulo, por exemplo, a afirmativa de Draper, que é oportuno repetir-se aqui:

A divine revelation must necessarily be intolerant of contradiction; it must repudiate all improvement in itself, and view with disdain that arising from the progressive intellectual development of man. But our opinions on every subject are continually liable to modification, from the irresistible advance of human knowledge. [...] The history of Science is not a mere record of isolated discoveries; it is a narrative of the conflict of two contending powers, the expansive force of the human intellect on one side, and the compression arising from traditionary faith and human interests on the other125 (DRAPER,

1875, p. vi).

Nos capítulos 2 e 3, foi possível visualizar, no que se refere às funções específicas da ciência e da religião, que estamos diante de um contexto multifacetado e complexo. Isso se amplia quando se passa a lupa sobre como essas áreas cumprem seus papéis no contato estreito uma com a outra. Portanto, deve-se evitar a simplificação feita por Draper e estudar algumas evidências históricas que demonstram que o intercâmbio entre ciência e fé parece ter sido benéfico ao progresso do conhecimento. E Nisbet até mesmo conclui que o pensamento referente a progresso também se disseminou entre as escolas religiosas, diverso do que usualmente se tenta difundir a fim de ratificar o clima de atrito entre ciência e fé, esta última representando a contramão do avanço do saber:

Entretanto, apesar de antiga e recorrente, essa concepção não é, e nunca foi, em nenhuma época, aceita universalmente pelos intelectuais. [...] havia desde o começo gregos e romanos que acreditavam exatamente no contrário, que o começo foi desgraçado, que a salvação residia no acréscimo do conhecimento. E esses espíritos estavam presentes nas épocas cristã, medieval e sobretudo moderna (NISBET, 1985, p. 18).

125 Tradução livre: A revelação divina deve necessariamente ser intolerante à contradição; deve repudiar

toda a melhoria em si, e ver com desdém tudo o que for decorrente do desenvolvimento intelectual progressivo do homem. Mas nossas opiniões sobre todos os assuntos estão continuamente sujeitas a modificações, a partir do avanço irresistível do conhecimento humano. [...] A história da Ciência não é um mero registro de descobertas isoladas, é uma narrativa do atrito entre duas potências em conflito, a força expansiva do intelecto humano de um lado, e a compressão decorrente da fé tradicional e interesses humanos do ou

Cabe, então, analisar alguns contextos que acentuaram como o intercâmbio ciência-religião pode ter privilegiado o progresso do conhecimento, e examinar de que forma foi possível uma contribuição da mentalidade religiosa para a ciência se desenvolver. E, com isso, tentar compreender se, de fato, há respaldo histórico para a suposta imagem da ciência como único símbolo do progresso, e da religião como do antiprogresso (ou da decadência). Existe a ideia de progresso para a religião? Na religião em si, ocorre progresso? E, quanto à ciência, todo seu desenvolvimento visa ao progresso? Tal progresso é objetivo como se divulga? Essas são algumas questões para aprofundar a análise a respeito da relação ciência-religião — repleta de contradições e mitos, como temos visto. Seria possível alcançar um estágio em que haja um intercâmbio produtivo e consciente entre esses tipos de saber?