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5. DISCUSSÃO COMPARATIVA E LIÇÕES PARA O BRASIL

5.2 ASPECTOS TARIFÁRIOS E DE REGULAÇÃO ECONÔMICA

No Brasil, calcula-se as tarifas a partir da medição do consumo, por categorias e faixas. Considera-se diversos elementos, dentre eles a capacidade de pagamento do usuário, o custo mínimo necessário para a prestação do serviço em quantidade e qualidade adequadas, etc., o que se assemelha ao modelo norte-americano. Independentemente do modo de regulação de preços e de seu potencial de indução à eficiência, a cobrança se dá mensalmente, por volume de água faturado (R$/m³), como costuma ocorrer nos Estados Unidos. No Brasil, cobra-se uma tarifa mínima, decorrente de um volume mínimo faturável, o que não é muito usual nos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, é comum a cobrança conjunta de serviços de abastecimento e esgotamento. Os encargos do esgotamento são balizados pela medição do consumo de água, mesmo quando esses sistemas são operados de forma independente. A cobrança conjunta também ocorre no Brasil. Em relação aos subsídios legalmente permitidos e praticados, no Brasil, são comuns os programas de assistência aos cidadãos de baixa renda, como a prática de tarifas inferiores (tarifas sociais), subsidiadas por outras classes socioeconômicas dos usuários dos serviços. As tarifas subsidiadas em função das condições socioeconômicas dos usuários, embora ocorram nos Estados Unidos, não são usualmente adotadas pelas companhias de abastecimento (IAW, 2014; AWWA, 2016a).

No Brasil, como nos Estados Unidos, a gestão dos recursos hídricos é descentralizada e a regulação de preços, no setor de abastecimento, pode ocorrer em âmbito local ou estadual, por agências municipais ou estaduais. O formato predominante de regulação econômica, no Brasil, é o de agências reguladoras estaduais, enquanto, nos Estados Unidos, a regulação ocorre, principalmente, em nível local. No entanto, destaca-se também a atuação das public commissions norte-americanas, que exercem a atividade em âmbito estadual. As agências estaduais brasileiras e as commissions norte-americanas se assemelham no sentido de que possuem, em comparação com a maioria dos governos locais, maiores capacidades, técnica e institucional, para exercer a atividade regulatória.

No contexto norte-americano, um ponto positivo do sistema tarifário é a proteção de todos os usuários, inclusive menores, por meio de transparência e participação nos processos decisórios. Os usuários são notificados sobre alterações dos sistemas e podem apelar diretamente para os reguladores, porque a própria commission possui uma estrutura interna para isso, composta pelos ratepayer advocates (MARQUES, 2011). As commissions,

por suas características, possuem maior independência do que as demais agências governamentais. A commission da Califórnia, por exemplo, dispõe de uma equipe selecionada por suas competências técnicas, com longos mandatos e de difícil demissão, o que facilita sua independência. No entanto, as commissions só atuam acima de um patamar mínimo de dimensão e regulam, frequentemente, operadores privados.

No Brasil, argumenta-se que as agências reguladoras desempenham um papel precário e que, dada a precariedade da estrutura regulatória, os contratos de concessões entre CESBs e municípios, titulares dos serviços, são incompletos quanto à definição de metas; de aspectos tarifários e quanto à transparência do mecanismo de subsídios cruzados, o que aumentaria sua possibilidade de captura e se traduziria na diminuição do controle, de fato, sobre a prestação dos serviços (SEROA DA MOTTA, MOREIRA, 2006; CORREIA, 2008). A determinação do preço das tarifas de água é uma tarefa sujeita a lobby por grupos de interesse nos três países. O controle de preços, nos Estados Unidos, sofre interferência de alguns fatores, tais como a responsabilidade pela gestão dos ativos (pública ou privada) e a influência política de associações importantes, como a American Water Works Association (AWWA).

Os principais métodos existentes de regulação de preços são: por taxa de retorno e por limite de preço (price cap), oriundos dos Estados Unidos e da Inglaterra, respectivamente. O modelo de tarifação mais antigo, e bastante difundido, é o norte- americano, também denominado custo de serviço, “a custo contábil”, “a custo histórico” ou, ainda, “a taxa de retorno fixa” (ARAÚJO, s/d). No Brasil, o modelo de fixação tarifária segue, majoritariamente, o norte-americano. No entanto, argumenta-se que a regulação econômica por taxa de retorno constitui um método tarifário com mecanismos incipientes de estímulo à eficiência.

Soma-se a isso o fato de que as agências reguladoras estaduais de saneamento básico, no Brasil, começaram a ser criadas no final da década de 1990 e, em sua maioria, são dos anos 2000, com experiência regulatória ainda incipiente. As commissions norte- americanas, por sua vez, são institutos mais antigos, criados no início do século XX, para regular SUPs como transportes e saneamento. As commissions, já em meados de 1930, adquiriram autoridade regulatória abrangente a respeito da fixação tarifária e da qualidade dos serviços (JONES, 2006).

Já o modelo de regulação econômica inglês é caracterizado por apenas um órgão (OFWAT), criado em 1989, que centraliza as decisões e atua de forma independente. Além

disso, o método inglês de fixação de tarifas induz à eficiência, ao introduzir mecanismos como o price cap e o yardstick competition, que envolve a comparação do desempenho das companhias considerando parâmetros de custos; níveis de serviços; queixas e necessidades dos consumidores; etc. O yardstick competition é importante, principalmente, em um contexto de fragmentação da prestação de serviços e de significativas diferenças na performance individual das companhias, como ocorre no Brasil.

Barbosa e Brusca (2015, p. 98), entre outros defensores do price cap como indutor à eficiência, argumentam que “The empirical results for England and Wales show that Ofwat's price cap had the largest effect and improved performance in the sector” e que os resultados, para os Estados Unidos, sugeriram que o price cap, quando adotado, implicava em tarifas mais baixas do que o método da taxa de retorno. No Brasil, no entanto, além das características tarifárias serem semelhantes às norte-americanas, em muitos casos há uma negociação direta com o município ou com as agências reguladoras, que nem sempre têm um sistema tarifário definido, o que possibilita certa debilidade no controle da rentabilidade das companhias.

Neste contexto, a regulação econômica brasileira pode aprender com o modelo inglês, tanto a respeito da efetividade das decisões de um órgão regulador econômico centralizador e fortalecido (OFWAT), quanto em relação aos possíveis ganhos de eficiência a partir da adoção de instrumentos de fixação tarifária similares aos ingleses. A Lei Federal nº 11.445/2007, por meio de seu artigo 38, introduziu mecanismos semelhantes aos praticados na Inglaterra, como o yardstick competition, ao estabelecer que as revisões tarifárias periódicas objetivam a distribuição de ganhos de produtividade com os usuários e que “§ 2º Poderão ser estabelecidos mecanismos tarifários de indução à eficiência, inclusive

fatores de produtividade [...] § 3º [...] definidos com base em indicadores de outras empresas do setor” (BRASIL, 2007, grifo nosso).

Apesar da lei ter introduzido a competição comparativa e ter representado um avanço em relação ao estabelecimento de diretrizes tarifárias, ela não impõe um desenho institucional único e o modelo brasileiro de fixação de preços dos serviços de abastecimento de água permite a utilização de instrumentos relacionados ao sistema inglês de regulação de preços (price cap, yardstick competition) e ao modelo norte-americano de tarifação por taxa de retorno. Neste sentido, identifica-se, no Brasil, outra similaridade em relação aos Estados Unidos: “diferences in regulation imply that there are also different criteria for setting tariffs” (BARBOSA, BRUSCA, 2015, p. 96).

No Brasil, como nos Estados Unidos, pode-se desenvolver a regulação econômica quanto a uma maior uniformidade no processo de fixação tarifária, considerando a fragmentação do setor. Sob este aspecto, aprende-se com a experiência inglesa, que induz as companhias aos ganhos de produtividade e, concomitantemente, não estimula os cidadãos ao uso irracional dos recursos hídricos, em comparação com os Estados Unidos, cujo consumo de água ultrapassou, no ano de 2013, a faixa de 400 litros per capita por dia. No Brasil e na Inglaterra, esse consumo foi inferior a 200 litros diários per capita, conforme apresentado no gráfico 14 (IWA, 2014).

A discussão sobre a estrutura de regulação econômica brasileira, para além da questão outrora debatida sobre poder concedente, e da responsabilidade de gestão e operação dos serviços (administração pública versus privada), deve considerar elementos que podem distorcer a alocação dos recursos, como os subsídios cruzados, bem como o papel dos instrumentos de incentivo à eficiência, em prol do compartilhamento dos ganhos de produtividade com os usuários, em um cenário de fragmentação dos serviços e de efeitos de aprendizagem ainda incipientes das agências reguladoras.