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A regulação, que tem por objetivo central aumentar o nível de eficiência econômica dos mercados, influencia o comportamento dos agentes, ao criar alterações nos ambientes em que eles interagem. Disputas políticas e conflitos de interesse, seja em âmbito público ou privado, não são exclusivas nem dos países analisados, nem do setor de abastecimento de água. O sucesso dos ciclos regulatórios é influenciado por fatores como a trajetória e a credibilidade dos órgãos reguladores.

Uma das principais razões para as distinções regulatórias entre Estados Unidos e Inglaterra é a credibilidade de seus órgãos reguladores no decorrer da história. Enquanto a credibilidade dos reguladores norte-americanos aumentou com o passar do tempo, a exemplo da EPA, o mesmo não se pode dizer dos reguladores europeus. A experiência brasileira é recente. A criação de agências reguladoras do setor, no Brasil, deu-se a partir da década de 1990. No Brasil, argumenta-se que as agências reguladoras desempenham um papel precário e que, dada a precariedade da estrutura regulatória, os contratos de concessões entre CESBs e municípios são incompletos quanto à definição de aspectos tarifários e quanto à transparência do mecanismo de subsídios cruzados, o que aumenta sua possibilidade de captura.

A trajetória incipiente desses órgãos dificulta afirmar se as limitações regulatórias brasileiras se relacionam, principalmente, ao insuficiente desenvolvimento das agências ou ao nível de credibilidade que possuem para exercício da regulação. A regulação econômica brasileira pode aprender com o modelo inglês, tanto a respeito da efetividade das decisões de um órgão regulador econômico centralizador e fortalecido, quanto em relação aos possíveis ganhos de eficiência a partir da adoção de instrumentos de fixação tarifária similares aos ingleses. No entanto, o ambiente regulatório precisa estimular os ganhos. A Lei Federal nº 11.445/2007, marco no setor, introduziu mecanismos semelhantes aos praticados na Inglaterra, como o yardstick competition, mas é preciso que os órgãos tenham credibilidade para efetivar as instituições em um cenário de efeitos de aprendizagem incipientes.

O setor de abastecimento brasileiro é semelhante ao norte-americano, em termos estruturais e tarifários. Difere-se do brasileiro no sentido de ter uma tecnologia desenvolvida, fruto da liderança do país, nos anos 2000, em investimentos em P&D e inovação. No entanto, fatores político-institucionais limitam a difusão dos avanços técnicos. Apesar dos esforços

estaduais quanto à gestão das perdas de água; da existência, na maioria dos estados, de instrumentos operacionais e normativos sobre as perdas; e do empenho das unidades federativas e das associações para fazer cumprir os requisitos normativos, permanecem desafios principalmente relacionados à uniformidade das políticas de gestão de perdas de água entre diferentes regiões norte-americanas, como no Brasil.

Já o setor inglês, apesar de ter assistido a uma importante melhoria quanto à gestão das perdas nos últimos anos, enfrenta uma série de necessidades relacionadas à inovação. A falta de alinhamento entre os diversos atores envolvidos na provisão e na regulação dos serviços limita a capacidade do setor inglês de explorar inovações tecnológicas, o que também ocorre no Brasil. Na Inglaterra, aponta-se que os incentivos à inovação se limitam à redução de perdas e à manutenção da qualidade da água potável.

As regulações brasileira e inglesa, seja pela falta de alinhamento entre os agentes envolvidos na provisão e na regulação dos serviços, seja por outros motivos, têm limitado a capacidade do setor de explorar inovações tecnológicas. Por outro lado, no ambiente regulatório norte-americano, o avanço tecnológico dos Estados Unidos não tem sido acompanhado pelas instituições. No Brasil, a eficiência e o desenvolvimento tecnológico são princípios legais na prestação de serviços de abastecimento de água, estimulados pela Lei Federal nº 11.445/2007. Apesar disso, pesquisas recentes que avaliaram o desempenho de empresas brasileiras, com base na estrutura regulatória ao qual estão atualmente sujeitas, apontaram para uma realidade em que os instrumentos regulatório ainda não incentivam maiores níveis de eficiência, pelo contrário, a efetividade da atividade regulatória permanece fraca (CARVALHO, SAMPAIO, 2015) e os subsídios cruzados são, possivelmente, fatores originários da dispersão de ganhos de eficiência no setor (FERRO et al., 2014).

A distribuição heterogênea dos recursos hídricos brasileiros, que ocorre também na Inglaterra (STERN, 2010; ANA, 2015), leva a crer que os dois países podem aprender a partir da experiência norte-americana de compartilhamento de ativos, interconecção de redes e negociação de água (common ownership/physical connection/water trading). Em termos operacionais e tecnológicos, a operação conjunta constitui uma importante dimensão estrutural do setor norte-americano, apesar de sua fragmentação.

Os elementos supramencionados, de ordem econômica e tecnológica influenciaram na dinâmica ambiental. O ambiente regulatório inglês limitou a capacidade do setor de explorar inovações tecnológicas, o que influenciou no cumprimento da Water Framework Directive. Apesar disso, puderam ser percebidos significativos avanços na qualidade da água

potável e nos serviços de saneamento após a privatização das companhias inglesas, melhorias oriundas, inclusive, de investimentos de capital e da redução de ineficiências.

O ambiente conflituoso inglês após a privatização das companhias, quanto ao papel do órgão regulador econômico acerca de assuntos ambientais; o cenário de intenso lobby nos Estados Unidos, sobre os impactos de custos e benefícios da implantação de diretrizes legais ambientais; bem como os custos que as legislações ambientais impuseram à sociedade nos dois países foram compensados pela reversão da tendência de degradação da qualidade da água, nos Estados Unidos, e pelo cumprimento das diretrizes europeias e melhorias na qualidade de água, na Inglaterra. Nos Estados Unidos, pioneiros no desenvolvimento de legislações e indicadores ambientais para proteção da qualidade hídrica, maiores benefícios ambientais foram dificultados pelo histórico de atuação de reguladores ambientais, a exemplo da EPA, cuja trajetória remonta à oscilações políticas e à falta de autonomia. Atualmente, no entanto, esses reguladores adquiriram credibilidade, na contramão da experiência inglesa.

No Brasil, como nos Estados Unidos e na Inglaterra, existem instrumentos normativos que visam à proteção ambiental; à promoção da saúde; à preservação dos recursos hídricos e à melhoria da qualidade das águas para diversos usos e para consumo humano. No entanto, estão sujeitos aos interesses políticos e às pré-disposições dos gestores para efetivá-los. Importantes ações foram realizadas nos 2000 e instrumentos necessários ao setor de abastecimento, para além dos normativos, existem, como indicadores de qualidade de água; programas; banco de dados. Precisam, contudo, ser aprimorados, inclusive em termos de uniformidade de adoção entre as UFs.

Neste sentido, a regulação deve atuar. A efetividade da lei 11.445 supriria importantes lacunas, relacionadas à falta de harmonização das políticas setoriais; à falta de cooperação entre entes federativos e de integração de órgãos de distintos setores com competências comuns; aos problemas de incompatibilidade entre mecanismos de monitoramento e avaliação da qualidade da água no país, entre outras. A regulação ambiental brasileira é dificultada, entre outros fatores, pela fragmentação da atividade; heterogeneidade das redes de monitoramento existentes, em relação ao número de parâmetros analisados e à frequência de coleta; diferença entre UFs de capacidade e disposição política para efetivar as legislações.

As características brasileiras do setor se assemelham às norte-americanas, no entanto, a experiência dos Estados Unidos diferente substancialmente da brasileira. Para

assegurar uma regulação que crie incentivos à aplicação dos instrumentos a longo prazo, as agências precisam ser dotadas de credibilidade, reforçada por fatores como estabilidade do mandato dos dirigentes, quadros técnicos qualificados e estáveis; fonte de recursos próprios; entre outros, que facilitam a continuidade das ações para além do ciclo político-eleitoral. Informações sobre esses aspectos são obtidas, inclusive, na base de dados da associação brasileira das agências reguladoras, mas esforços de pesquisa sobre sistematização de dados em relação a questões que asseguram a independência das agências e que favorecem seu desenvolvimento são importantes.

Ademais, as limitações desta pesquisa em relação à coleta de dados sistematizados sobre investimentos em P&D especificamente no setor e sobre perdas de distribuição, em perspectiva histórica, sugere futuros esforços de pesquisa sobre esses importantes aspectos que influenciam na dinâmica tecnológica do setor e que são fundamentais para analisar a eficiência das companhias. Lacunas em termos de detalhamento de instrumentos de regulação econômica: duração dos contratos de concessão, operação de companhias com contrato vencido, possibilidade de ineficiência de subsídios cruzados, entre outros aspectos tarifários, também constituem elementos importantes de pesquisa.