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Regulação dos serviços de abastecimento de água : análise comparativa entre os modelos brasileiro, norte-americano e inglês

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO TECNOLÓGICO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

MARIA CLARA DE OLIVEIRA LEITE

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA:

ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS MODELOS BRASILEIRO,

NORTE-AMERICANO E INGLÊS

VITÓRIA/ES 2016

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MARIA CLARA DE OLIVEIRA LEITE

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA:

ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS MODELOS BRASILEIRO,

NORTE-AMERICANO E INGLÊS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável (Modalidade Profissional) da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável, área de concentração em Saneamento Ambiental e Saúde Pública.

Orientador: Prof. Dr. Ednilson Silva Felipe.

VITÓRIA/ES 2016

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MARIA CLARA DE OLIVEIRA LEITE

REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS MODELOS BRASILEIRO, NORTE-AMERICANO E

INGLÊS

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável (Modalidade Profissional) da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisição parcial para obtenção do título de Mestre em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável na área de concentração em Saneamento Ambiental e Saúde Pública.

Aprovada em ___________ de _____________de _____.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. DSc Ricardo Franci Gonçalves Examinador Interno – PPGES/UFES

Prof. DSc Mônica Pertel Examinadora Externa –PEA/UFRJ

Prof. DSc Ednilson Silva Felipe Orientador – PPGES/UFES

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Maria Eli e Ricardo, que me apoiaram ao longo de todo o mestrado. Queridos pais, não só minha arte eu devo a vocês, mas também minha ciência. Ainda no núcleo familiar, agradeço aos meus irmãos, Mariana e Augusto, e à Creuzinha. Agradeço aos demais membros da família, em especial à vovó Tuta, por compreender minha ausência nos últimos tempos, e à tia Penha, sempre presente, embora distante geograficamente.

Ao Pedro e seus familiares, pela sabedoria compartilhada, pela compreensão e pelo companheirismo. Aos amigos, especialmente às Luízas do meu coração, ao Davi, ao Tiago, à Aline e ao Vitor, pelos conselhos, pelos abraços e pela amizade de tantos anos, inclusive nesses últimos do mestrado.

Aos colegas de mestrado e às amigas, em especial à Ludimila, com quem muito aprendi e por quem fui confortada muitas vezes, à Fernandinha e ao Gustavo, pessoas também especiais.

Aos membros da banca. À examinadora externa, Profa. Dra. Mônica Pertel, por ter aceitado o convite; ao prof. Dr. Ricardo Franci, pela sabedoria compartilhada e por todos os ensinamentos no decorrer do mestrado; e ao meu orientador, prof. Dr. Ednilson Felipe, pela confiança depositada desde o início e por ter, de fato, orientado-me. Agradeço também aos demais professores do programa, por terem participado da minha formação. Por fim, àqueles que, de alguma forma, contribuíram para que este estudo fosse concretizado e para este importante momento da minha vida profissional.

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“Existe uma conexão pouco entendida entre escolhas éticas que parecem muito pequenas em escala e aquelas cujas consequências aparentes são muito grandes, e que um esforço consciente para aderir a esses princípios em todas as nossas escolhas – mesmo que pequenas – é uma opção a favor da justiça no mundo. Tanto em nossas vidas pessoais quanto nas nossas decisões políticas, temos que atentar para a ética, resistir à distração, sermos honestos uns com os outros e aceitar a responsabilidade pelos nossos atos – sejam eles individuais ou coletivos. Podemos acreditar no futuro e trabalhar para atingi-lo e preserva-lo ou podemos andar cegamente em círculos, comportando-nos como se um dia não fossem mais existir crianças para herdar nosso legado. A escolha é nossa; a Terra está em jogo.”

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RESUMO

Analisa a regulação brasileira, no que se refere ao abastecimento de água, em comparação com os modelos regulatórios inglês e norte-americano. Levanta o arcabouço institucional referente a tais regulações, a partir da década de 1970 em diante; estabelece parâmetros comparativos entre os instrumentos regulatórios brasileiros e os dos países selecionados; apresenta as diferenças e similaridades entre os modelos comparados, com foco no brasileiro, por meio de pesquisas bibliográficas e análise teórica, que inclui dados secundários de diversos documentos nacionais e internacionais. O recorte temporal retrata o desenvolvimento das principais instituições do setor nesses países. A estrutura regulatória do setor, na Inglaterra, é centralizada e bipartite, com a separação funcional entre os órgãos reguladores econômico e ambiental, ao passo que as estruturas norte-americana e brasileira são institucionalmente pluralistas, com responsabilidades repartidas entre órgãos de âmbitos federativos distintos e participação de diversos intervenientes. Estas características estão relacionadas à forma de provisão dos serviços, às questões históricas pelas quais passou o setor nesses países e, inclusive, às decisões dos principais agentes, acumuladas ao longo do tempo. Em perspectiva histórica, a obstrução da política setorial não é exclusiva do Brasil. A regulação passa por ciclos e a credibilidade dos órgãos reguladores é fator essencial quanto ao sucesso de um ciclo. A trajetória e a independência dos órgãos são fundamentais na resolução de conflitos sem que haja favorecimento de determinado grupo de interesse. Uma das principais razões para as distinções regulatórias entre Estados Unidos e Inglaterra é a credibilidade de seus órgãos reguladores no decorrer da história. Já a experiência regulatória brasileira é recente. A criação de agências reguladoras do setor, no Brasil, deu-se a partir da década de 1990 e, nos anos 2000, intensificou-se. A trajetória incipiente desses órgãos dificulta afirmar se as limitações regulatórias brasileiras se relacionam, principalmente, ao insuficiente desenvolvimento das agências ou ao nível de credibilidade que possuem para exercício da regulação. Neste sentido, pode-se apreender com ambas as experiências, a depender do aspecto considerado.

Palavras-chave: Brasil. Estados Unidos. Inglaterra. Modelos regulatórios. Abastecimento de água.

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ABSTRACT

It analyzes the water supply’s regulation in Brazil, comparing it with the English and North American regulatory models. It raises the institutional framework, from the 1970’s onwards, relating to such regulations. It establishes comparative parameters between Brazilian and the selected countries regulatory instruments; It presents the differences and similarities between the compared models, focusing on Brazil, through bibliographic research and theoretical analysis, which includes secondary data from sundrey national and international documents. The time frame ilustrates the main institution’s development on this sector, in these countries. The sector’s regulatory structure, in England, is centralized and bipartite, with functional separation between the economic and environmental regulators, while the US and Brazilian structures are institutionally pluralistic, with responsibilities divided between different federation’s levels and the participation of various stakeholders. These features are related to the services provision form, the historical issues that the industry in these countries passed through, and even to the decisions taken by key players, accumulated over time. In historical perspective, the obstruction of the sectoral policy is not unique to Brazil. The regulation goes through cycles and the credibility of regulators is an essential factor associated to the cycle’s success. The organ’s trajectory and independence are essential in conflict resolution without favoring the interests of a particular group. One of the main reasons for the regulatory distinctions between the United States and England is the credibility of its regulatory agencies throughout history. The Brazilian regulatory experience is recent. The creation of regulatory agencies, in the sector, in Brazil, took place from the 1990’s, becoming more intense in 2000’s. The incipient trajectory of these agencies hinders to affirm whether the Brazilian regulatory restrictions are related mainly to the insufficient development of the agencies or to the level of credibility they have to exercise regulation. In this sense, one can learn with both experiences, depending on the considered point.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Companhias estatutárias (water only companies) existentes à época da privatização

... 47

Figura 2 - Dez autoridades regionais de água (Regional Water Authorities) ... 47

Figura 3 - Companhias inglesas e galesas de abastecimento e esgotamento e tarifas médias por elas praticadas para consumidores domésticos ... 52

Figura 4- Estrutura regulatória do setor na Inglaterra. ... 59

Figura 5 - Desvertizalização do setor de abastecimento de água ... 70

Figura 6 - Estrutura regulatória do setor nos Estados Unidos ... 94

Figura 7 - Diferentes cenários quanto às políticas estaduais de gestão de perdas nos Estados Unidos ... 106

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Contas médias de água de consumidores residenciais na Inglaterra e no País de

Gales em períodos quinquenais (1999-2015). ... 57

Gráfico 2 - Histórico e perspectiva de evolução das contas de água para consumidores residenciais na Inglaterra e no País de Gales (1989 – 2049) ... 58

Gráfico 3 - Mudança na conta média de água de consumidores residenciais devido a ganhos de eficiência ... 64

Gráfico 4 - Nível anual total de perdas por vazamento entre 1994-2004 (Ml/d) ... 67

Gráfico 5 - Nível total de perdas por vazamento em 1994-95 e 2006-07 (Ml/d) ... 68

Gráfico 6 - Investimentos das companhias de abastecimento e esgotamento em P&D. ... 72

Gráfico 7 - Porcentagem da amostra que não atendeu às especificações por região 1991-2014 ... 79

Gráfico 8 - Histórico das tarifas médias praticadas pelas companhias norte-americanas de saneamento entre 1988 – 2014 (em dólares) para consumidores residenciais ... 100

Gráfico 9 - Aumentos anuais das tarifas praticadas pelas companhias norte-americanas de saneamento entre 2004-2014 (em porcentagem) ... 101

Gráfico 10 - Histórico de produção e distribuição de água pela PRASA entre 1945 e 2009 (em milhões de galões por dia) ... 105

Gráfico 11 Tendência de declínio de dispendios públicos e privados com P&D (entre 1972 -1996) ... 107

Gráfico 12 Investimentos privados em P&D nos SUPs dos países selecionados (entre 2000 -2003) ... 108

Gráfico 13 - Patentes em processo de registro por oito países, relacionadas à coleta de água (entre 2000 e 2006) ... 110

Gráfico 14 - Consumo médio diário de água (em litros per capita) e tarifas médias praticadas (em dólar, em 2013) por países selecionados ... 119

Gráfico 15 - Evolução da criação de agências reguladoras de saneamento básico no Brasil . 131 Gráfico 16 - Evolução da tarifa média e da despesa total dos prestadores de serviços entre 2004-2014 (por m³). ... 141

Gráfico 17 - Tarifa média e despesa total média dos prestadores de serviços em 2014, por estado ... 142

Gráfico 18 - Evolução do índice de perdas na distribuição entre 2004-2014... 144

Gráfico 19 - Distribuição de classes do IQA (valores médios em 2013) ... 155

Gráfico 20 - Distribuição de classes do IQA (valores médios em 2011). ... 156

Gráfico 21 - Percentual de resultados em desconformidade (classe 2) nos anos de 2009, 2010 e 2011 ... 157

Gráfico 22 - Percentual de resultados em desconformidade (classe 2) nos anos de 2009, 2010 e 2011 ... 158

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Significado das classes de enquadramento por valor do ice ... 153 Quadro 2 – Significado das classes da qualidade da água por valor do iqa ... 155 Quadro 3 – Perspectiva comparativa dos modelos regulatórios ... 189

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

CONTEXTUALIZAÇÃO ... 12

OBJETIVOS ... 13

METODOLOGIA ... 14

JUSTIFICATIVA, LIMITAÇÕES E ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ... 16

1. ASPECTOS CONCEITUAIS DA REGULAÇÃO DE MONOPÓLIOS NATURAIS E INDÚSTRIAS DE REDE ... 19

1.1. ECONOMIA DA REGULAÇÃO: JUSTIFICATIVAS PARA REGULAÇÃO ... 20

1.2. PRINCIPAIS DESAFIOS DA REGULAÇÃO ... 28

1.3. JUSTIFICATIVAS DA REGULAÇÃO DO SETOR DE ABASTECIMENTO ... 40

2. O MODELO REGULATÓRIO INGLÊS ... 44

2.1. HISTÓRICO DO SETOR DE ABASTECIMENTO INGLÊS ... 44

2.2. A ESTRUTURA REGULATÓRIA ... 53

2.3. MODELO DE TARIFAÇÃO ... 59

2.4. REGULAÇÃO E DINÂMICA TECNOLÓGICA ... 66

2.5. REGULAÇÃO E QUESTÕES AMBIENTAIS ... 75

3. O MODELO REGULATÓRIO NORTE-AMERICANO ... 81

3.1. HISTÓRICO DO SETOR DE ABASTECIMENTO NORTE-AMERICANO ... 81

3.2. A ESTRUTURA REGULATÓRIA ... 87

3.3. MODELO DE TARIFAÇÃO ... 94

3.4. REGULAÇÃO E DINÂMICA TECNOLÓGICA ... 102

3.5. REGULAÇÃO E QUESTÕES AMBIENTAIS ... 113

4. O MODELO REGULATÓRIO BRASILEIRO ... 121

4.1. HISTÓRICO DO SETOR DE ABASTECIMENTO BRASILEIRO ... 121

4.2. A ESTRUTURA REGULATÓRIA ... 129

4.3. MODELO DE TARIFAÇÃO ... 135

4.4. REGULAÇÃO E DINÂMICA TECNOLÓGICA ... 143

4.5. REGULAÇÃO E QUESTÕES AMBIENTAIS ... 149

5. DISCUSSÃO COMPARATIVA E LIÇÕES PARA O BRASIL ... 163

5.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS E HISTÓRICOS DA REGULAÇÃO NO SETOR ... 163

5.2 ASPECTOS TARIFÁRIOS E DE REGULAÇÃO ECONÔMICA ... 166

5.3. ASPECTOS TECNOLÓGICOS ... 169

5.4. ASPECTOS AMBIENTAIS... 177

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 190

(13)

INTRODUÇÃO

 CONTEXTUALIZAÇÃO

O saneamento básico integra um conjunto de serviços de utilidade pública indispensáveis à efetivação de direitos sociais à moradia adequada e à melhoria dos aspectos sanitários. O acesso seguro à água potável e a condições sanitárias adequadas constituem direitos básicos, fundamentais à sobrevivência e ao desenvolvimento humano. O déficit na prestação desses serviços é um fator de risco, que traz consequências graves em termos de saúde pública, ao permitir a incidência de infecções; a ocorrência de doenças como a diarreia, etc. Apesar disso, o abastecimento seguro de água e a falta de acesso à água potável, juntamente com condições inadequadas de saneamento e salubridade, permanecem como desafios cruciais à saúde pública, em âmbito global.

O saneamento básico, por sua influência direta sobre o bem-estar da população, tem sido discutido em nível mundial. Neste contexto, a universalização do acesso aos serviços de saneamento passou a constituir parte das metas de desenvolvimento do milênio da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2000, realizou-se a Cúpula do Milênio, por meio da qual foram traçados Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que apresentaram metas a serem alcançadas até 2015. O sétimo objetivo versou sobre a sustentabilidade ambiental. Dentre suas metas, destacou-se a redução pela metade, entre 1990 e 2015, da proporção da população sem acesso seguro à água potável e ao esgotamento sanitário (WHO, 2013).

Apesar dos progressos significativos obtidos pelos ODM, estima-se que 663 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao adequado abastecimento de água. Ao menos 1,9 bilhão de pessoas contam com fontes inadequadas ou inseguras de água, sujeitas à contaminação fecal. Uma nova agenda foi definida na Cúpula da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015. Mais ampla, a agenda inclui Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com objetivos e metas a serem alcançados até 2030. O sexto objetivo, que aborda ações de saneamento e melhoramento da qualidade e disponibilidade hídrica, estabeleceu como meta inicial alcançar o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos (WHO, 2016). Vários fatores, no entanto, exercem pressão sobre o abastecimento, a qualidade e a disponibilidade de água, tais como: mudanças climáticas; desmatamento; crescimento populacional; uso inadequado do solo e dos próprios recursos hídricos. Essas pressões costumam afetar a qualidade das águas superficiais, com efeitos adversos à saúde pública. A preocupação com questões ambientais relacionadas ao uso dos recursos e ao abastecimento de

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água leva à necessidade de revisão constante de ações direcionadas à garantia da oferta segura de água. Faz-se necessário tanto o estabelecimento de diretrizes sobre o assunto, quanto o monitoramento da prestação dos serviços, sobretudo porque o setor opera com características que tornam necessária a atividade regulatória.

No século XX, os jornais brasileiros noticiavam, com frequência, as deficiências em relação ao abastecimento público de água, em termos de quantidade e qualidade (TUROLLA, OHIRA, 2007). Atualmente, o país ainda enfrenta dificuldades quanto à universalização dos serviços, sobretudo em determinadas regiões e unidades federativas (UFs).1 A promulgação da Lei Federal nº 11.445, em 2007, conhecida por Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB), foi um marco importante em relação ao estabelecimento de diretrizes para o setor, inclusive regulatórias (BRASIL, 2007). Esta lei impulsionou a criação de órgãos reguladores dos serviços de abastecimento. À época, no entanto, ainda havia uma indefinição quanto à titularidade na prestação dos serviços.

A imprecisão quanto ao ente federativo titular dos serviços perdurou por décadas, o que dificultou a regulação do setor e refletiu na prestação dos serviços. O aumento de instrumentos normativos e órgãos reguladores, a partir da década de 1990, sugere a importância que o tema adquiriu ao longo dos anos. A experiência incipiente e as lacunas do modelo regulatório brasileiro (indefinição da titularidade dos serviços; fragmentação; etc.) permitem que a comparação com modelos ricos historicamente, como o norte-americano e o inglês, identifique oportunidades em relação aos instrumentos regulatórios brasileiros. Ao comparar as experiências regulatórias, enriquecidas e distintas, dos Estados Unidos e da Inglaterra com as do Brasil, considera-se como essas experiências podem fornecer lições para a brasileira e o que pode ser aprendido a partir dos modelos norte-americano e inglês.2

 OBJETIVOS

Objetivo geral

O objetivo desta pesquisa é analisar em que sentido as experiências institucional e regulatória dos modelos inglês e norte-americano podem fornecer lições para a brasileira no que tange à busca por eficiência no setor de abastecimento de água.

1 A exemplo do Amapá, cujo índice médio de atendimento urbano por rede de água esteve, em 2014, situado em

nível inferior à 40% (BRASIL, 2016).

2 A Inglaterra foi, ao longo do trabalho, referenciada como país membro da União Europeia (UE), tendo em vista

que, apesar do referendo popular ocorrido em junho de 2016 ter indicado sua saída, a retirada oficial não foi homologada até o término desta pesquisa.

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Objetivos específicos

Para tanto, almejou-se alcançar os objetivos específicos descritos a seguir:

o Levantar o arcabouço institucional referente à regulação brasileira dos serviços de abastecimento de água, a partir da década de 1970.

o Levantar o arcabouço institucional referente à regulação inglesa dos serviços de abastecimento de água, a partir da década de 1970.

o Levantar o arcabouço institucional referente à regulação norte-americana dos serviços de abastecimento de água, a partir da década de 1970.

o Estabelecer parâmetros de comparação entre os instrumentos regulatórios brasileiros e os dos países selecionados.

o Apresentar, a partir dos parâmetros, diferenças e similaridades entre os modelos comparados, com foco no brasileiro.

 METODOLOGIA

Esta pesquisa, por sua finalidade de contribuir com questões de ordem prática, identificadas no contexto social em que o pesquisador se insere, caracteriza-se como aplicada. Em outra dimensão, considerando os métodos empregados no decorrer de seu desenvolvimento, é qualitativa (CRESWELL, 2007).

A abordagem qualitativa é indicada quando o objetivo primordial do estudo é compreender os eventos estudados (GIL, 2010). Em outras palavras, “com frequência esse enfoque está baseado em métodos de coleta de dados sem medição numérica, como as descrições e as observações” (SAMPIERI, COLLADO, LUCIO, 2006, p. 5). Convém ressaltar que os dados que emergem de um estudo qualitativo são analisados de forma descritiva e não com foco em suas correlações estatísticas com outras variáveis (CRESWELL, 2007).

Em termos de sua delimitação, é preciso dizer que embora os serviços públicos de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos façam parte do saneamento básico, assim como os de drenagem e manejo de águas pluviais, esses não serão objetos de análise, tendo em vista que são os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário aqueles caracterizados por atividades operando em monopólio natural e indústria de rede, o que leva à especial necessidade de regulação. No entanto, optou-se pela análise do setor de abastecimento somente, uma vez que o esgotamento sanitário funciona a partir de tecnologias, princípios ambientais e uma economicidade diferente do abastecimento público de água.

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Como a ênfase da pesquisa recaiu sobre o entendimento e a tentativa de interpretação da regulação brasileira no que se refere ao abastecimento de água em comparação com os modelos regulatórios europeu e norte-americano, não sobre a correlação de variáveis numéricas, o delineamento da pesquisa é qualitativo. Além disso, este estudo pode ser classificado como descritivo-exploratório. Gil (2010) esclarece que as pesquisas descritivas tem por objetivo descrever as características de determinada população ou objeto de estudo, enquanto as exploratórias são empregadas para “proporcionar maior familiaridade com o tema, com vistas a torná-lo mais explícito” (GIL, 2010, p. 27). As dimensões descritiva e exploratória se dão porque o intuito geral da pesquisa recaiu sobre a análise da regulação brasileira, em termos comparativos, para além da descrição dos materiais levantados.

O cumprimento dos objetivos da pesquisa incluiu apenas dados secundários. A pesquisa buscou analisar a regulação brasileira quanto ao abastecimento de água, em termos comparativos, mediante buscas bibliográficas. Pretendeu-se alcançar os objetivos secundários referentes ao levantamento de dados institucionais dos países estudados nos capítulos 2, 3 e 4, sobre os respectivos países apresentados. No capítulo 5, buscou-se cumprir os demais objetivos secundários, por meio da apresentação de diferenças e similaridades entre os modelos comparados com foco no brasileiro, a partir do estabelecimento de parâmetros comparativos.

Os dados foram obtidos por meio de relatórios de pesquisas, artigos científicos e demais publicações da área de regulação, incluindo documentos e legislações de órgãos governamentais dos países estudados. Convém esclarecer que os dados bibliográficos foram buscados, principalmente, em bancos de dados virtuais. Os sítios acessados incluíram: Portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Google Acadêmico; Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).

Além desses, busca foram empreendidas em sítios de órgãos como os ministérios da Cidade (MC); da Saúde (MS); do Meio Ambiente (MMA); da Agência Nacional de Águas (ANA); do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); da Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR); da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON); do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), dentre outros sítios brasileiros.

Para obtenção de dados do setor na Inglaterra, buscas foram realizadas, majoritariamente, nos seguintes sítios: Drinking Water Inspectorate (DWI); Office of Water Services (OFWAT); Environment Agency (EA); Department for Environment, Food and Rural Affairs (DEFRA), etc. Já nos Estados Unidos, as buscas estiveram concentradas nos sítios da US Environmental Protection Agency (EPA) e de diversas associações do setor: American

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Water Works Association (AWWA); National Association of Regulatory Utility Commissioners (NARUC); National Association of Water Companies (NAWC); American Water Works Association Research Foundation (AWWARF); The International Water Association (IWA), etc. As palavras utilizadas nas buscas incluíram: regulação; abastecimento de água; saneamento básico, water sector, regulation; etc.

A estrutura dos capítulos se deu com base nos parâmetros definidos para comparação, a saber: características históricas e estruturais do setor, incluindo sua evolução institucional, regulatória e de provisão dos serviços (principais atores envolvidos, características dos órgãos reguladores, etc.); aspectos tarifários; tecnológicos; e ambientais. Estes parâmetros são fundamentais no desenho de modelos regulatórios.

Quanto à delimitação espacial de estudo, em relação ao cenário de pesquisa, a escolha da Inglaterra e dos Estados Unidos como elementos de comparação com o modelo brasileiro se deu uma vez que tais países constituem paradigmas distintos de regulação do setor e apresentam modelos com ricas experiências históricas. O recorte temporal, a partir da década de 1970, baseou-se no desenvolvimento das principais instituições do setor nesses países e nas transições ocorridas no decorrer das últimas décadas.3

 JUSTIFICATIVA, LIMITAÇÕES E ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

O aumento da criação de agências reguladoras e de instituições no setor de saneamento, e no de abastecimento de água em particular, sugere a importância que o setor vem adquirindo ao longo dos últimos anos, sobretudo a partir da regulamentação da Lei 11.445/2007. Considerando a relevância do assunto e a carência de estudos na área institucional, torna-se enriquecedor analisar o setor sob essa perspectiva. De acordo com Galvão Jr. e Paganini (2009) e Cunha (2011), é clara a escassez de trabalhos acerca das questões

3 O ano de 1973 é considerado crítico para o setor inglês pela Water Act de 1973, lei por meio da qual todo o setor

foi reestruturado, com a consequente criação de 10 Autoridades Regionais de Águas. Nos Estados Unidos, as leis Safe Drinking Water Act, de 1974 (SDWA, título XIV do Public Health Service Act); e Clean Water Act, de 1977 (CWA, Public Law 95-217), constituíram instrumentos importantes para o desenvolvimento de leis mais restritivas subsequentemente. Ambas as leis são consideradas, respectivamente, as bases institucionais federais norte-americanas no que tange à restauração dos corpos hídricos, à prevenção da poluição hídrica no país; e à promoção da saúde pública. No Brasil, em 1971, o estabelecimento do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) alterou a configuração da prestação dos serviços de saneamento. Nos Estados Unidos, desde a década de 1970, aumentou-se a consciência acerca da poluição ambiental. Nos anos 1980 e 1990, atentou-aumentou-se para a importância da gestão integrada do uso do solo e da água. No Brasil, em meados dos anos 1990, começou a ser discutida uma nova forma de regulação. Além disso, em 1989, ocorreram as privatizações das companhias de saneamento inglesas e é especialmente a partir da década de 1990 que aumenta, na União Europeia, o rigor em relação às normas ambientais de proteção da qualidade da água em âmbito continental.

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institucionais do saneamento básico, de sua regulação, fiscalização e dos serviços desenvolvidos pelas agências reguladoras existentes. Neste sentido, afirma-se que

[...] deve-se avançar nos estudos sobre regulação e fiscalização dos serviços de saneamento básico, avaliando o trabalho que vem sendo desenvolvido pelas agências reguladoras existentes. [...] é preciso produzir conhecimento sobre os novos modelos de desenho institucional já em funcionamento, em especial as experiências resultantes da retomada da operação pelo poder público local, da desverticalização da operação [...] há uma carência grande de informações, o que prejudica substancialmente a elaboração de projeções das consequências e de cenários prospectivos resultantes da implantação de novos arranjos institucionais (CUNHA, 2011, p. 23-24).

Galvão Jr. e Paganini (2009) argumentam que a regulação esteve ausente da pauta da agenda do setor nas três últimas décadas e que, no campo da pesquisa sobre saneamento básico, apenas as questões tecnológicas ocuparam espaço, tendo sido os avanços concentrados, em particular, nas áreas de tratamento de água e esgoto. Os autores colocam como evidente a lacuna no campo do conhecimento das questões institucionais. Espera-se que essa dissertação contribua neste campo de estudo. Acredita-se que o levantamento de materiais institucionais brasileiros, ingleses e norte-americanos, em conjunto, pode contribuir para melhor compreensão do desenvolvimento da regulação brasileira do setor de abastecimento de água e de como o modelo brasileiro pode aprender a partir da experiência histórica regulatória dos países analisados.

No que diz respeito às principais limitações da pesquisa, estão relacionadas às dificuldades de obtenção de dados atualizados e uniformizados dos países estudados, o que limita os esforços comparativos.4 Como exemplo da dificuldade de obtenção de dados, podem

ser citadas a falta de sistematização e divulgação de dados sobre investimentos em P&D, especificamente, no setor, bem como dados sobre perdas de distribuição.

Nem no Brasil, nem nos Estados Unidos, foram encontrados dados sistematizados sobre investimentos em P&D em perspectiva histórica, sobretudo para comparação com outros países.5 Na Inglaterra, foram obtidos dados mais sistematizados, porém desatualizados (LONDON ECONOMICS, 2009; CAVE, 2009). A Cave Review (2009), estudo encomendado pelos governos inglês e galês, forneceu dados importantes, no entanto, o próprio documento

4 No Brasil, por exemplo, a base de dados do SNIS é alimentada de forma voluntária, o que limita a obtenção de

séries históricas consistentes. A comparação sobre dados de qualidade de água é dificultada em âmbito nacional, o que se agrava em termos internacionais. A ANA encontrou dificuldade para calcular indicadores de qualidade de água, inclusive, pela falta de uniformidade, entre os estados, dos parâmetros necessários para cálculo (ANA, 2015).

5 No Brasil, estes dados foram buscados em diversas publicações online disponibilizadas por fundações de amparo

à pesquisa (FINEP, CAPES) e por bancos de dados de variados órgãos federais, tais como IBGE, MCTI, CNI, etc. A FAPESP (INDICADORES, 2011) argumenta sobre a dificuldade de encontrar dados sobre P&D no Brasil ao afirmar que essas fontes de estatísticas são escassas. Nos demais países, em sítios variados de associações e órgãos governamentais.

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esclareceu que qualquer análise de registros do setor sobre inovação é prejudicada pela falta de dados.

Coloca-se também a dificuldade de encontrar dados sobre perdas de distribuição nos Estados Unidos, em âmbito nacional, devido às diferenças, inclusive, da gestão de perdas entre as unidades federativas. Na Inglaterra, dificuldade similar foi apresentada, mas em termos de atualização de dados. Como não foram encontrados dados sobre perdas, para as companhias inglesas, tão atualizados quanto os encontrados no Brasil (até 2014), houve uma diferença entre as séries históricas apresentadas.6 No entanto, considerações comparativas foram traçadas sobre os elementos em análise por detrás desses dados.

A dissertação está estruturada em cinco capítulos, além desta seção introdutória. O primeiro capítulo apresenta os principais aspectos conceituais da regulação de monopólios naturais e indústrias de rede: os fatores que justificam a regulação de setores com essas características; os principais desafios regulatórios e as particularidades do setor de abastecimento de água que tornam necessária sua regulação.

Em sequência, o segundo capítulo aborda as principais características do modelo regulatório inglês, no intuito de levantar uma discussão a respeito das similaridades e distinções entre este modelo e o brasileiro. Estruturado em cinco seções, o segundo capítulo tem como pontos fundamentais: o histórico do setor na Inglaterra; sua estrutura regulatória; o principal modelo de tarifação adotado; a regulação e sua relação com a dinâmica tecnológica; a relação da regulação com as questões ambientais. O terceiro capítulo apresenta as características do modelo regulatório norte-americano e possui a estrutura do anterior, subdividido em cinco seções. O quarto capítulo expõe o modelo regulatório brasileiro, a partir subdivisão em cinco aspectos, como nos anteriores. No quinto capítulo, por sua vez, discute-se comparativamente os modelos apresentados, no intuito de elucidar o que pode ser aprendido pelo modelo brasileiro a partir da experiência dos Estados Unidos e da Inglaterra. São, então, colocadas as considerações finais da dissertação.

6 Comparações precisas de dados sobre perdas de água entre os países foram inviáveis, uma vez que não foram

encontrados, nesse âmbito, dados uniformizados. Na Inglaterra, em série histórica, os dados obtidos estão expressos em números absolutos. Já no Brasil, os dados são mais recentes e estão apresentados em termos percentuais. Nos Estados Unidos, por sua vez, não foram encontradas estimativas nacionais e os dados obtidos por estado estão expressos em percentual de perdas.

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1. ASPECTOS CONCEITUAIS DA REGULAÇÃO DE MONOPÓLIOS NATURAIS E INDÚSTRIAS DE REDE

Os serviços de abastecimento de água, assim como a oferta de uma variedade de serviços básicos de infraestrutura, tais como energia, telecomunicações e transporte, desempenham um papel importante para o crescimento e o desenvolvimento econômico. Os consumidores utilizam esses serviços em conformidade com tarifas e normas regulamentadas por autoridades reguladoras, em vez de consumirem pautados apenas por forças de mercado. Desta forma, preços, programas de investimentos, políticas e regras para assegurar a qualidade de tais serviços estão sujeitos à influência direta do governo. Denomina-se, a este tipo de regulação de firmas e indústrias, economia da regulação, para distingui-la de outras formas de regulação governamental de empresas, tais como regulação ambiental, de saúde e de segurança do trabalho (JOSKOW, 2000). A regulação é aqui entendida como

[...] a intervenção do Estado nas ordens econômica e social com a finalidade de se alcançarem eficiência e equidade, traduzidas como universalização na provisão de bens e serviços públicos de natureza essencial por parte de prestadores de serviço estatais e privados (GALVÃO JR., PAGANINI, 2009, p. 3).

De acordo com Posner (2000), existem duas visões – sobre o escopo da regulação

– que competem entre si no atual debate sobre o tema. A primeira sustenta que a regulação

é uma ferramenta para proteger o público contra os efeitos adversos do monopólio; já a segunda coloca que a regulação pode ser adquirida por grupos politicamente eficazes para sua própria proteção.

Posner (2000, p. 41) coloca que um importante objetivo da regulação “[...] is to compel, by the device of the internal subsidy, the provision of certain services in quantities and at prices that a free market would not offer”. Para o autor, a regulação seria um aspecto das finanças públicas, sendo que, por meio da intervenção do Estado, que age como regulador, seria possível tornar mais eficiente a tarifação e o sistema de subsídio interno. Desse modo, um dos instrumentos utilizados na regulação é a fixação de preços.

Stigler (2000, p. 3), por sua vez, afirma que “[...] regulation is instituted primarily for the protection and benefit of the public at large or some large subclass of the public”. Já Araújo (1997) aponta para a necessidade de “controlar a distribuição e quantidade do excedente social, garantindo à firma incumbente (ou concessionária) um lucro razoável, mas coibindo abuso do seu poder de mercado” (ARAÚJO, 1997, p. 8). De acordo com o autor, outras tarefas da regulação seriam: “garantir padrões de qualidade do serviço e impedir

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discriminações injustas entre consumidores, [...] estimular eficiência e progresso técnico, [...] a exigência de serviço universal como direito de cidadania ou a fiscalização de externalidades”.

Considerando as funções da regulação, seus mecanismos e seu escopo de modo geral, o objetivo deste capítulo é apresentar elementos conceituais para melhor compreensão do embasamento teórico desta dissertação. Neste capítulo, dividido em três subseções, aborda-se aspectos relacionados à economia da regulação, desde a necessária regulação de determinados setores aos principais desafios enfrentados neste sentido. Em princípio, são apresentados conceitos como os de Monopólio Natural, Indústrias de Rede e Externalidades, justificando-se a importância da regulação nesse contexto. Em seguida, são elencados alguns dos desafios à regulação, incluindo o problema da “captura”. Por fim, busca-se tratar especificamente dos serviços de abastecimento de água, enfocados neste trabalho, e do modo como as características desses serviços faz com que seja fundamental sua regulação.

1.1. ECONOMIA DA REGULAÇÃO: JUSTIFICATIVAS PARA REGULAÇÃO

O histórico mundial do setor de saneamento básico indica que as obras e os sistemas de distribuição de água foram inventados há muito tempo. Na China, engenheiros hidráulicos controlavam inundações por volta de 2200 A.C e foram realizadas diversas obras hidráulicas pelo imperador Yu, o Grande. Os Romanos, por sua vez, construíram famosos aquedutos. Em 312 A.C, deu-se a construção do aqueduto Appia, o mais antigo de Roma, com 17 Km. Em 450 D.C, a cidade de Roma possuía 11 locais públicos para banho, 1.352 fontes e cisternas, 856 locais privados para banhos e mais de 150 latrinas. Em 1.237, deu-se o primeiro abastecimento de água encanada, em Londres, com canos de chumbo. Em 1582, o holandês Peter Morice executou a primeira elevatória do rio Tâmisa acionada por força hidráulica e com tubos de troncos de madeira (NETTO, 1984).

No século XVIII, tubulações subterrâneas de madeira abasteciam Londres com água do rio Tâmisa e, em Paris, pouco antes da Revolução Francesa (1789), os irmãos Perrier construíram sistemas de água canalizada, embora tenha sido lenta a difusão de tais sistemas. Já no século XIX, na Inglaterra, deu-se a promulgação de leis de Saneamento e Saúde Pública, em 1848. No Brasil, a construção do primeiro aqueduto do Rio de Janeiro data de 1723, aduzindo águas do rio Carioca através dos Arcos Velhos até o chafariz público. Em

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1744 foi construído o primeiro chafariz público em São Paulo (NETTO, 1984; KLEIN, 1996).

Ainda no século XVIII, os vendedores de água eram indispensáveis em todas as cidades do mundo. Neste contexto, quando diversos vendedores forneciam os serviços, competindo entre si, os consumidores podiam barganhar preço e avaliar a qualidade da água, podendo alterar o fornecedor quando não estivessem mais satisfeitos. Dessa forma, vendedores ineficientes estavam fora do mercado. O advento da água encanada mudou consideravelmente a dinâmica de distribuição de água. Em sistemas canalizados, a água pode ser ofertada a um preço muito mais barato do que se fosse por vendedores ambulantes. Por outro lado, a escolha do consumidor é reduzida, pois se torna ineficiente estabelecer diversos sistemas de distribuição, concorrentes entre si.

Inicialmente, no século XIX, existiam sistemas concorrentes em várias cidades de diversos países, tais como Canada e Reino Unido. No entanto, como resultado da livre competição e da regulação municipal, logo passaram a existir monopólios dos serviços para cada área abastecida com água encanada (KLEIN, 1996). Já naquela época, percebeu-se que, no setor de abastecimento de água, torna-se ineficiente a manutenção de diversas empresas prestadoras de serviços, sendo mais vantajoso para os consumidores que a indústria opere em condições de monopólio natural.

O monopólio, caracterizado pela atuação exclusiva de uma única empresa em determinada atividade econômica, é denominado natural quando a exploração do mercado se mostra mais eficiente quando feita somente por uma empresa, uma vez que a existência de única firma produtora desses serviços pode facilitar a obtenção de vantagens econômicas. Dessa forma,

[...] se um determinado bem ou serviço (não facilmente substituível) pode ser fornecido por uma única firma para um mercado a menor custo que duas ou mais, com as tecnologias disponíveis, diz-se que este setor apresenta características de monopólio natural. Isso ocorre se existem economias de escala até volumes de produção da ordem da dimensão do mercado (ARAÚJO, 1997, p. 4).

Possas, Fagundes e Pondé colocam a ocorrência de monopólios naturais nas situações em que

[...] ocorrem significativas economias de escala e/ou de escopo (em caso de atividade multiprodutora) em relação ao tamanho do mercado, calculado para um preço ao nível do custo médio mínimo (correspondente à escala mínima eficiente) [...] (POSSAS, FAGUNDES E PONDÉ, 2001, p. 101).

Em outras palavras, o monopólio natural ocorre em uma indústria quando os custos de produção têm características tais que torna menos onerosa a oferta dos produtos por uma

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única empresa do que por várias concorrentes. De modo geral, para que ocorra o monopólio natural, é preciso haver vantagens relacionadas às economias de escala e escopo (JOSKOW, 2000).

De acordo com Riordan e Williamson (1985, p. 365), “[...] In general, markets enjoy advantages by aggregating the demands of many buyers, thereby realizing economies of scale or scope [...]”. Tais vantagens constituem economias de escala, ou seja, são aquelas referentes à “redução do custo médio em função do aumento da quantidade produzida”. As economias de escopo, por sua vez, dizem respeito à diminuição de custos devido à fabricação de produtos diversos em uma única planta, em vez de produzi-los separadamente (GALVÃO JR., TUROLLA, PAGANINI, 2008, p. 135).

Alguns serviços de utilidade pública, tais como os de abastecimento de água e os de infraestrutura, têm sido caracterizados como monopólios naturais. Nesses casos, o Estado tem responsabilidade por sua adequada provisão ou os serviços podem, ainda, ser concedidos à iniciativa privada. Em um setor caracterizado por monopólio natural, os monopolistas definem os preços praticados, de forma que os consumidores podem não ver seus interesses preservados, ficando à mercê dos monopolistas, que podem cobrar preços excessivamente elevados.

Dessa forma, se, por um lado, as situações monopolísticas fazem com que sejam obtidas vantagens econômicas, por outro, levam à ineficiências, do ponto de vista social, uma vez que restringem a produção, fazendo com que o monopolista possa elevar os preços acima do nível competitivo (POSSAS, FAGUNDES, PONDÉ, 1996). Uma vez que existem falhas nos mercados, o governo desempenha um papel importante na definição e aplicação dos termos e das condições de acesso competitivo a esses serviços. As falhas incluem: a) assimetria de informação entre os agentes econômicos; b) externalidades; c) comportamento colusivo ou não otimizante dos agentes; d) poder de mercado ou monopólio,7 entre outras violações do equilíbrio geral competitivo (ARAÚJO, 1997).8

7 As noções de poder de mercado ou de monopólio estão relacionadas à “capacidade de fixar preços acima dos

custos marginais unitários, absorvendo lucros acima do normal” (POSSAS, FAGUNDES, PONDÉ, 1996, p. 15). Convém esclarecer que, em um enfoque estático, o poder de mercado permite ao monopolista apropriar-se de parte do excedente do consumidor, o que acarretaria perda de bem-estar à sociedade como um todo.

8 A noção de equilíbrio geral se associa aos modelos de concorrência perfeita, nos quais os mercados operam

em condições de informação perfeita (sem assimetria), racionalidade ilimitada, número elevado de demandantes, livre mobilidade dos fatores, etc. Desse modo, trata-se de uma formulação estática vinculada à alocação de um montante dado de recursos que assumiria uma configuração ótima (máxima eficiência). Cabe ressaltar a necessidade de substituir a noção de referenciais de equilíbrio por outras que sejam intrinsecamente dinâmicas, em vez de estáticas, tal como o referencial evolucionário Neo-Schumpeteriano, que tem nas inovações e na mudança ao longo do tempo um elemento definidor de análise (POSSAS, 2004).

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No que tange à falha da assimetria informacional, decorre de a informação ser imperfeita, não estando distribuída igualmente entre os diferentes agentes envolvidos nas transações. Desse modo, o operador monopolista, que detém informações mais detalhadas quanto ao funcionamento dos serviços por ele prestados – inclusive mais do que o próprio governo – pode manipulá-las em seu próprio benefício.

No setor de abastecimento de água, essa assimetria também ocorre, uma vez que a informação não está perfeitamente distribuída entre empresas (prestadoras de serviço), usuários e reguladores. Os reguladores, por exemplo, dependem de informações técnicas e econômico-financeiras disponibilizadas pelas concessionárias (HOLANDA, 1995; GALVÃO JR., PAGANINI, 2009). Os usuários, muitas vezes, não possuem dados e informações referentes ao funcionamento das operadoras dos serviços, colocando-se, também, em uma situação de hipossuficiência de informação. Nesse sentido, Araújo (1997, p. 16) coloca que

[...] existe uma assimetria essencial de informação entre o regulador e as firmas reguladas, que vai além do conhecimento técnico. Não há como o regulador conhecer todas as atividades de uma firma [...]. O regulador tem assim a tarefa de fazer cumprir objetivos sociais, distintos dos objetivos da própria firma, sem ter o controle e conhecimento pleno de suas atividades.

Se, por um lado, a assimetria de informações pode gerar comportamento oportunista por parte das concessionárias, que detém informação técnica e econômico-financeira dos processos, por outro, algumas características do setor, relativas ao elevado volume de investimentos e à especificidade dos ativos9, podem levar ao comportamento oportunista também dos reguladores, mediante, por exemplo, mudança de regras tarifárias após a construção de obras e instalações operacionais. Neste contexto, é preciso observar a relação entre órgão regulador e firmas reguladas à luz da assimetria informacional entre ambos e dos objetivos da regulação.

Embora não tenha conhecimento pleno das atividades das firmas reguladas, o órgão regulador deve agir a favor da maximização do bem estar dos cidadãos, fazendo com que a firma cumpra objetivos sociais. Os reguladores devem, por isso, criar condições de evitar problemas decorrentes da assimetria de informações, tal como a “captura”, tratada adiante.

9 Os ativos específicos se relacionam ao grau em que a transação determina a existência de ativos que, uma vez

utilizados em determinada atividade econômica, são dificilmente conversíveis em outras, de modo que haja perdas quando a conversibilidade é possível (PINTO JR., PIRES, 2000). Dito de outra forma, a alta especificidade dos ativos implica em “serviços altamente especializados para os quais há um mercado muito limitado” (POLLITT, STEER, p. 21, tradução nossa).

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As falhas de mercado, relacionadas, inclusive, à assimetria informacional, distorcem o funcionamento ótimo dos setores, levando à ineficiências, de modo que a regulação seja justificada, a partir de mecanismos que propiciem a correção de tais falhas, no intuito de que o interesse público seja preservado, o abuso do poder de monopólio das empresas seja coibido e os recursos sejam alocados de forma eficiente.10

Cabe esclarecer que, de acordo com Possas, Pondé e Fagundes (1997), ao contrário do que parece, o objetivo central da regulação econômica ativa não é o de promover a concorrência como um fim em si mesmo, mas o de aumentar o nível de eficiência econômica dos mercados.11 O aumento da concorrência pode levar, frequentemente, à maior eficiência, mas não necessariamente, como constituem os casos de monopólios naturais, nos quais não há vantagens em implementar efetivamente a concorrência, mas sim na sua substituição por mecanismos regulatórios que simulem um ambiente concorrencial (BAHIENSE, 2003). Para os casos de monopólio natural, incluídos entre as denominadas falhas de mercado, a regulação se faz presente, a fim de impedir a prática de preços monopolísticos, de forma a mantê-los próximos do nível de custos médios.

Possas, Fagundes e Pondé (2001) colocam a regulação como forma de evitar situações “inferiores” do ponto de vista do bem-estar social, tais como: a) a livre operação de uma única empresa privada (que pode restringir a quantidade ofertada, levando a praticar preços de monopólio); b) a livre operação de várias empresas privadas com escala sub-ótima (operando com preços e custos elevados); c) a produção estatal com uma escala de produção sujeita a ineficiências (como influências políticas e atraso tecnológico). Para os autores, a literatura consagra tradicionalmente a ocorrência de monopólio natural como

[...] o único tipo de estrutura de mercado suscetível de justificar teoricamente a regulação pública, na expectativa de que os ganhos de custos unitários associados

10 De acordo com os defensores da escola neoclássica, em situações de concorrência perfeita, é possível

alcançar as eficiências alocativa e produtiva, o que leva ao bem-estar social. A eficiência alocativa decorre da igualdade entre o preço de mercado e o custo marginal da firma para produção da última unidade de determinado produto. A eficiência produtiva, por sua vez, divide-se em estática e dinâmica, sendo que a primeira ocorre quando o custo total de produção se dá ao menor valor possível e a segunda quando são adotadas tecnologias mais avançadas para a produção de novos produtos/serviços e melhoria nos processos (FARINA, AZEVEDO, PICCHETTI, 1998). Além desses termos, a análise econômica adota o conceito de eficiência distributiva, o qual consiste na capacidade de eliminação de rendas monopolísticas, mediante concorrência ou outros dispositivos. Convém ressaltar que em quase todas as aplicações normativas da análise econômica, especialmente nas áreas de Microeconomia e Economia Industrial, a noção de eficiência alocativa é utilizada praticamente como sinônimo de eficiência econômica (POSSAS, PONDE, FAGUNDES, 1997).

11 Cabe esclarecer que a regulação denominada “ativa”, ou seja, a regulação de serviços públicos de

infraestrutura, constitui uma intervenção voltada não a induzir maior concorrência, mas a substituí-la por instrumentos e metas administrados publicamente em atividades econômicas caracterizadas por “falhas de mercado”, diferentemente da regulação de mercados destinada à prevenção e repressão de condutas anticompetitivas, a denominada regulação reativa (POSSAS, PONDE, FAGUNDES, 1997).

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à instalação e operação de uma única unidade (planta ou empresa) mais que compensem os custos e riscos de ineficiência de sua regulação (POSSAS, FAGUNDES E PONDÉ, 2001, p.101).

Além de alguns setores de infraestrutura operarem em condições de monopólio natural, muitos deles, tais como energia, transportes, portos, telecomunicações e saneamento, possuem a característica comum de constituírem “indústrias de rede”. Araújo (1997) define as indústrias de rede como aquelas nas quais “uma estrutura física de transporte existe, é necessária para atender aos consumidores finais e sua duplicação seria antieconômica” (ARAÚJO, 1997, p. 26). Para Araújo Jr. (2005) as indústrias de rede são assim denominadas devido à

[...] estrita complementaridade existente entre os segmentos de suas cadeias produtivas, cujos elos estabelecem – por razões de natureza tecnológica – graus de interdependência entre os componentes da rede bem mais elevados do que aqueles existentes em outros tipos de indústria [...] (ARAÚJO JR., 2005, p. 2).

De acordo com Faraco e Coutinho (2007), as indústrias de rede geram diversas externalidades; demandam investimentos públicos em larga escala, uma vez que são indústrias intensivas em capital; implicam pesados custos irrecuperáveis e investimentos de longa maturação; proporcionam economias de escala significativas, etc.

Farina, Azevedo e Picchetti (1998) também apresentam características, similares, das estruturas de rede. Dentre as dez características fundamentais elencadas por estes autores, destaca-se aqui: a) a existência de custos comuns que resultam em economias de escopo, na provisão de múltiplos serviços, e de escala, quando da construção de uma rede abrangente; b) envolvimento de grandes investimentos de capital; c) interação entre o tamanho das redes e os avanços tecnológicos, que permitem a adoção de novos métodos de agrupamento e transmissão de diferentes serviços; d) externalidades, positivas e negativas, criadas a partir da adição de novos usuários na rede.

Os níveis de economia de escala e escopo, em indústrias de rede, dependerão do conjunto de tecnologias disponíveis, resultando da interação entre a base tecnológica, a dimensão do mercado e as estratégias de competição das empresas. Devido a tais fatores, determinados segmentos da indústria tenderão a ser, eventualmente, operados por monopolistas nacionais ou regionais. Em indústrias de rede, a regulação se justifica “não apenas para disciplinar a conduta de monopólios naturais, ou mitigar o poder de mercado

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nos segmentos oligopolistas, mas sobretudo para oferecer soluções racionais para situações de hold-up” (ARAÚJO JR., 2005, p. 4).12

Além das situações nas quais os mercados são caracterizados por monopólios naturais e industrias de rede, “considera-se também que a presença de importantes economias externas para outros setores (outra típica falha de mercado) justifica a ação reguladora” (POSSAS, PONDE, FAGUNDES, 1997, p. 8). Em outras palavras, pode-se dizer que a falha de mercado denominada de “externalidades” ou “efeitos externos” leva à atuação de caráter interventivo para contínua monitoração do desempenho das empresas nas quais as falhas ocorrem.

As externalidades estão relacionadas aos efeitos que a atividade econômica causa a terceiros não relacionados a ela. Varian (2012) coloca que as externalidades produtivas surgem a partir do momento que as escolhas de uma empresa ou consumidor influenciam as condições de produção de outra empresa. Complementa que a principal característica das externalidades é que há bens “com os quais as pessoas se importam e que não são vendidos nos mercados” (VARIAN, 2012, p. 679). Desse modo, seria a falta de mercados para as externalidades o fator causador de problemas. Neste sentido, de acordo com Van Den Bergh (2010, p. 2048),

The notion of externality merely conveys the idea that human interactions or interdependencies extend beyond formal markets characterized by prices and exchange. The presence of an externality means that someone's (a victim's) utility or production (co)depends on factors that are not under his/her control, but are decided by other humans or organizations (“polluters”).

Bithas (2011, p. 1705), por sua vez, esclarece a relação entre as externalidades ambientais e seus efeitos no que diz respeito ao bem-estar social. Além disso, ressalta a importância dos aspectos institucionais e dos direitos de propriedade quanto aos bens ambientais. Neste contexto, o autor coloca que

Environmental externalities imply in effect that the perpetrators steal environmental welfare from the sufferers. Institutional settings and especially the relevant property rights — or more often their absence — permit an uncompensated transfer of welfare from sufferers to perpetrators. Such a transfer is the result of environmental degradation (BITHAS, 2011, p. 1705).

O autor aponta a transferência de bem-estar quando as instituições falham em proteger os direitos individuais, com consequente redução do bem-estar ambiental sem compensação. De acordo com Bithas (2011, p. 1705), isso resulta “[...] in a level of environmental decay greater than the optimum. This sub-optimal environmental decay does

12 Traduzido por Araújo Jr. (2005, p. 4) como extorsão, este tipo de conduta (hold-up) implica em condutas

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not permit the maximization of socioeconomic welfare in the context of a given institutional system.” Acrescenta a internalização das externalidades como forma de maximizar o bem-estar socioeconômico ao expor que

The real economic process — and the social one too — results in fundamental and persistent externalities. Welfare economics, and the corresponding economic and environmental policies, proposes the internalization of externalities as a condition for maximizing socioeconomic welfare [...] only if environmental externalities are internalized can the optimum level of environmental protection be ensured within the “boundaries” of an institutional – economic system (BITHAS, 2011, p. 1703 - 1705).

As externalidades são, então, apontadas como fontes de ineficiências no funcionamento do processo competitivo. Varian (2012) argumenta que, na presença de externalidades, o mercado não apresenta necessariamente a provisão de recursos eficiente no sentido de Pareto. Diz-se que uma alocação é ineficiente no sentido de Pareto quando ela permite uma melhoria de Pareto, ou seja, quando é possível encontrar uma forma de melhorar a condição de um agente econômico sem piorar a de outro agente. Por outro lado, a situação econômica é dita eficiente no sentido de Pareto quando não há forma alguma de melhorar a situação de uma pessoa sem piorar a de outra.

A respeito do tema, podem ser destacadas duas linhas. A primeira busca demonstrar que as ineficiências paretianas dos mercados se originam de externalidades de modo indireto, uma vez que a ocorrência de externalidades leva à má alocação dos recursos, distribuídos ineficientemente. A segunda linha, por sua vez, enfoca o refinamento da noção de externalidade, procurando identificar e analisar suas novas formas de manifestação, incluindo-se nelas as denominadas externalidades de rede (POSSAS, PONDE, FAGUNDES, 1997).13

Oriundas de interações de numerosos agentes cujas ações geram resultados interdependentes, as externalidades de rede podem ocorrer quando, entre outros fatores, faz-se prefaz-sente: a) interfaces tecnológicas que exigem alguma padronização que visa garantir a compatibilidade entre as soluções adotadas pelos diversos agentes; b) tecnologias cuja difusão se dá de modo que os ganhos de cada agente com sua adoção dependem da utilização por outros agentes; c) base produtiva na qual as empresas operem com fluxos e estoques em um sistema interligado (POSSAS, PONDE, FAGUNDES, 1997, p. 44).

13 Jaffe et al. (2005, p. 167) colocam que as externalidades de rede existem se “[...] a product becomes

technologically more valuable to an individual user as other users adopt a compatible product (as with telephone and computer networks, for example).

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Considerando que as externalidades geram problemas organizacionais, relacionados inclusive aos custos de transação,14 e que a ocorrência de externalidades de rede também pode constituir falhas de mercado, a intervenção reguladora do Estado também é justificada nos casos em que as externalidades podem ser detectadas.

Constata-se, de forma resumida, que os setores de infraestrutura possuem características que os distinguem da maioria dos demais mercados de uma economia capitalista. Tais características incluem a ocorrência de monopólios naturais, indústrias de rede e externalidades, por exemplo. Neste contexto, as especificidades desses setores fazem com que o processo competitivo, considerado desejável e capaz de gerar resultados satisfatórios em termos sociais, apresente distorções ou “falhas”, de modo que seja necessária a ação compensatória do Estado, na busca pela eficiência econômica.

Por fim, aceita-se, na análise econômica, as situações de monopólios ou oligopólios naturais “como um custo social em perda de bem-estar a ser concedido em troca de um benefício de maior eficiência produtiva estática (custos unitários mais baixos)” (POSSAS, PONDE, FAGUNDES, 1997, p. 18). Para tanto, é condição essencial que o monopólio seja submetido à regulação, de forma a assegurar que os preços, de fato, garantam o benefício à sociedade.

1.2. PRINCIPAIS DESAFIOS DA REGULAÇÃO

1.2.1. As noções de Eficiência e de Modicidade Tarifária

Ao se pensar sobre a regulação econômica, faz-se essencial considerar que um de seus objetivos centrais é aumentar o nível de eficiência dos mercados, o que equivale a dizer, segundo as teorias normativas de regulação, que o Estado deve intervir na dinâmica do mercado quando o seu sistema de transações falha em proporcionar uma alocação eficiente dos recursos (FARINA, AZEVEDO, PICCHETTI, 1998).

A noção de eficiência, no entanto, pode adquirir acepções distintas, sendo usualmente empregados os termos eficiência produtiva, alocativa e distributiva. A definição

14 Os custos de transação são definidos como os recursos dispendidos para a coordenação das interações entre

os agentes econômicos, em um contexto no qual torna-se difícil compatibilizar ex ante as condutas dos agentes, em virtude das incertezas e dos oportunismos que podem ocorrer nas transações (POSSAS, PONDE, FAGUNDES, 1997). Em outras palavras, estes custos decorrem das formas pelas quais as transações econômicas são processadas, de modo que podem ser vistos como aqueles não relacionados diretamente à atividade produtiva (PINTO JR., PIRES, 2000).

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de eficiência produtiva se relaciona à operação sobre uma dada função de produção a partir da minimização dos custos de produção, o que significa, em outras palavras, operar numa dada unidade produtiva em nível próximo o bastante do rendimento máximo permitido, considerando dada tecnologia. Já a eficiência distributiva trata da eliminação de lucros extraordinários, fazendo com que o consumidor também se aproprie dos ganhos de eficiência do monopolista (POSSAS, FAGUNDES, PONDÉ, 1996). O emprego de uma nova tecnologia, por exemplo, pode levar a ganhos de produtividade, que devem ser eficientemente distribuídos, de modo que o consumidor final dos serviços também se beneficie de tais ganhos.

O termo “eficiência alocativa”, por sua vez, estritamente econômico e mais habitual entre os economistas, formulou-se teoricamente por referência ao modelo de equilíbrio geral competitivo. Trata-se da aplicação do conceito de Ótimo de Pareto a uma economia competitiva. Este conceito define que são comparáveis, em termos de bem-estar social, as alocações sociais nas quais a utilidade de pelo menos um agente econômico varia sem provocar na utilidade de qualquer outro a variação em direção oposta. Em outras palavras, não são comparáveis em termos de Pareto “duas situações tais que a utilidade de alguém aumenta enquanto a de outrem diminui” (POSSAS, 2004, p. 75). Dito de outra forma, uma situação é eficiente no sentido de Pareto quando não existe forma alguma de melhorar a condição de um agente econômico sem piorar a de outro.

A eficiência alocativa ocorreria, então, quando os preços de mercado de bens e serviços fossem iguais aos seus custos marginais de produção. Qualquer desvio dessa eficiência se traduziria na perda de excedente consumidor, o que acarretaria uma diminuição do bem-estar social (FARINA, AZEVEDO, PICCHETTI, 1998). Convém ressaltar que essa noção de eficiência alocativa é baseada em critérios estáticos e em pressupostos de concorrência perfeita em todos os mercados. Por outro lado, as situações encontráveis nas indústrias reais, pautadas em concorrência imperfeita, em um contexto de assimetria de informação, externalidades, entre outros fatores, são tratadas pela ortodoxia econômica como “falhas de mercado” (POSSAS, FAGUNDES, PONDÉ, 1996).

Firth e Mellor (1999) colocam que as mudanças na regulação alteram o funcionamento de um ambiente de tal modo que estabelecem um conjunto de opções a partir das quais a empresa pode escolher inovar. A regulação influencia, então, o que será aprendido ao criar incentivos e alterações nos ambientes nos quais os agentes interagem.

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Como a mudança regulatória influencia no incentivo à inovação, determinados ambientes regulatórios são mais, outros menos, incentivadores, no que diz respeito à decisão de inovar. Em um contexto de transformação do ambiente competitivo,15 a noção estática de eficiência alocativa pode ser superada pelo enfoque Neo-Schumpeteriano, no qual é atribuído um caráter dinâmico às estruturas de mercado e às condutas e estratégias competitivas. Dessa forma, sob esta perspectiva, é considerada uma importante dimensão do processo competitivo, a saber: a mudança tecnológica. Neste sentido, de acordo com Possas (2004, p. 86),

O enfoque centrado na noção estática de eficiência alocativa é claramente insuficiente para lidar com tais situações, uma vez que elas implicam não só um trade-off intertemporal entre eficiências presente e futura, que requerem um tratamento dinâmico para a eficiência, mas a incorporação de incerteza (em sentido forte, não redutível a risco) quanto aos resultados futuros de investimentos e inovações presentes.

Na visão de Possas (2004), a melhor opção para uma teoria econômica alternativa que trate de pressupostos dinâmicos, centrada na concorrência e na inovação, é a abordagem Neo-Schumpeteriana. Nessa perspectiva, a concorrência não é um dado ou um conjunto de precondições, mas sim um “[...] processo de interação entre unidades econômicas voltadas à apropriação de lucros e à valorização dos ativos de capital [...]” (POSSAS, FAGUNDES, PONDÉ, 1996, p. 12).

Ademais, a concorrência não pressupõe condições de equilíbrio, pelo contrário, o desequilíbrio prevalece como norma, posto que ele resulta do processo competitivo, no enfoque Schumpeteriano. Neste contexto, a concorrência não se opõe ao monopólio, sendo, na realidade, o resultado de um esforço competitivo que acaba por criar, reforçar ou dissipar assimetrias de informação, tecnologias, estratégias e poder de mercado (POSSAS, 2004).

Ressalta-se a importância de se abordar, ainda, as noções de eficiência que surgem a partir de diferentes análises, as quais incluem os conceitos de eficiência dinâmica e seletiva. A definição de eficiência dinâmica é uma alternativa conceitual à noção de uma otimização alocativa estática dos recursos, ao considerar uma alocação Pareto-ótima de recursos entre presente e futuro. Dessa forma, introduz na análise o elemento do dinamismo em relação à eficiência presente e futura, expressa na expectativa de melhoramento de produtos e processos. De todo modo, o enquadramento teórico dessa definição é, ainda,

15 Entende-se por ambiente competitivo o conjunto de estratégias inovativas e a adoção de estímulos à

eficiência produtiva, no plano das empresas, e, em âmbito mercadológico, a existência sistemática de pressões competitivas, internas e potenciais, e de fatores favoráveis à concorrência (POSSAS, FAGUNDES, PONDÉ, 1996).

Referências

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