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1. ASPECTOS CONCEITUAIS DA REGULAÇÃO DE MONOPÓLIOS NATURAIS E

1.3. JUSTIFICATIVAS DA REGULAÇÃO DO SETOR DE ABASTECIMENTO

Os serviços de abastecimento de água, integrantes do saneamento básico, possuem importantes características físicas e econômicas que justificam a regulação no setor.18 Dentre as características do saneamento, podem ser destacadas: a) a essencialidade no uso e consumo dos produtos (água); c) as externalidades no funcionamento do setor (GALVÃO JR.; PAGANINI, 2009; HOLANDA, 1995; SEROA DA MOTTA, MOREIRA, 2004; CORREIA, 2008).

O caráter essencial dos serviços (essencialidade), no que se refere ao seu consumo, significa que o atendimento deve independer da capacidade de pagamento do usuário, de modo que seja universal o acesso a eles. Portanto, na ausência de prestadores privados ou na incapacidade de pagamento pelos serviços, o Estado deve intervir para a provisão adequada e universal, devendo custeá-los, inclusive, por meio de subsídios cruzados, quando necessário.19 Em virtude da universalidade do atendimento (bem essencial) e do poder de

monopólio se contrapor ao caráter essencial dos serviços, torna-se de extrema importância o monitoramento contínuo da prestação dos serviços, o que faz, inclusive, com que a regulação se torne necessária.

Quando a produção de bens e serviços impacta, positiva ou negativamente, “a terceiros não relacionados à atividade econômica, tem-se a ocorrência de externalidades” (GALVÃO JR., PAGANINI, 2009, p. 81). No saneamento, tanto na produção quanto no consumo, surgem externalidades econômicas para indivíduos e comunidades, podendo ser positivas ou negativas. Ao se tratar de externalidades ambientais, as de caráter negativo são mais frequentes.

18 Holanda (1995), Galvão Jr. e Paganini (2009) e Madeira (2010) apresentam tais características, entre outras. 19 Os subsídios cruzados ocorrem quando, em uma indústria, os custos maiores de determinada atividade são

subsidiados pelas atividades cujos custos são menores, de forma que a média dos custos de tais atividades mantenha a uniformidade da tarifa cobrada. Posner (2000, p. 23) afirma que, por meio desse mecanismo, “serviços não lucrativos são ofertados, às vezes por tempo indeterminado, a partir do lucro de outros serviços” (POSNER, 2000, p. 22, tradução nossa).

Os efeitos externos (externalidades) no setor de saneamento básico ocorrem uma vez que a prestação desses serviços gera impactos em outras áreas, tais como a da saúde, do meio ambiente, etc. Como os efeitos da atividade de abastecimento extrapolam os limites de atuação da regulação setorial, repercutindo em outros setores, amplia-se a complexidade e o volume de informações necessárias para a regulação, o que requer articulação intersetorial (CORREIA, 2008).

Além dessas características, ressalta-se a mudança lenta no padrão tecnológico, o que leva a poucos ganhos de eficiência a partir de avanços tecnológicos e à prolongada vida útil dos ativos, sendo que a maioria deles (localizados em infraestrutura de redes) encontra- se enterrada, o que dificulta a verificação das condições de manutenção e operação da rede e a determinação de seu estado de conservação, elevando os custos de manutenção, a complexidade para detecção de vazamentos nas tubulações e, ainda, a carga de fiscalização e de informação para os reguladores. Convém esclarecer que o baixo dinamismo tecnológico do setor de saneamento acaba por limitar a possibilidade de introdução de mecanismos de competição e inovação (SEROA DA MOTTA, MOREIRA, 2004; CORREIA, 2008).

Holanda (1995) coloca que a prolongada vida útil de ativos enterrados faz com que a negligência em sua manutenção seja detectada bem tarde, o que interfere na qualidade dos serviços prestados. Ademais, torna-se complexa a verificação da qualidades dos produtos pelo usuário, o que justifica a necessidade de estrutura adequada para monitoramento da qualidade dos produtos e serviços ofertados. Os serviços de abastecimento de água são caracterizados, ainda fisicamente, por redes integradas em aglomerados, de forma que a gestão dos serviços envolva mais de um ente federado e a expansão da infraestrutura esteja associada ao planejamento urbano (GALVÃO JR.; PAGANINI, 2009).

Em relação às características econômicas do setor, ao contrário da energia elétrica, a água pode ser estocada, não necessitando que o consumo em determinado período seja igual à produção. No entanto, a necessidade de investimentos é alta, em comparação com outros setores, já que o setor é intensivo em capital e possui elevados custos fixos, sendo que os ativos são específicos e possuem longo prazo de maturação.20 É possível perceber, ainda, no setor a obtenção de economias de escala e escopo (MADEIRA, 2010; SEROA DA MOTTA, MOREIRA, 2004; TUROLLA, 2002).

20 Madeira (2010) estima que os investimentos no setor de saneamento sejam o dobro daqueles necessários ao

A economia de escala é alcançada à medida que são inseridos novos usuários na rede, de forma que os custos médios sejam, progressivamente, reduzidos. Assim, economias são obtidas a partir da redução do custo para cada ligação adicional de água e esgoto (GALVÃO JR., TUROLLA, PAGANINI, 2008). Como o acesso a tais serviços deve ser universal, os inúmeros consumidores atendidos podem se beneficiar da economia de escala da empresa. Essa característica, em conjunto com economias de escopo, viabiliza a prestação dos serviços por uma única empresa (monopólio natural), já que, se existissem diversas prestadoras de serviços, a economia de escala dificilmente seria alcançada.

A economia de escopo, por sua vez, ocorre no setor de saneamento posto que, para executar serviços de natureza diversa, como abastecimento de água e esgotamento, os custos na produção dos serviços podem ser diminuídos ao se compartilhar as estruturas, concentrando as atividades somente em uma empresa. Para executar serviços distintos, tais como distribuição de água tratada, coleta e tratamento de esgotos, a empresa compartilha, por exemplo, estruturas operacionais, tais como atendimento ao usuário, apoio administrativo, entre outras (GALVÃO JR, PAGANINI, 2009, p. 81).

O fornecimento dos serviços de saneamento requer um alto investimento em infraestrutura, de modo que o capital investido na prestação dos serviços seja recuperado apenas no longo prazo. Além do custo fixo elevado na prestação dos serviços e das economias de escala e escopo, acrescentam-se às características econômicas do setor a demanda inelástica e a existência de ativos específicos (MADEIRA, 2010; PINHEIRO, 2010, GALVÃO JR., PAGANINI, 2009).

A demanda pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento é inelástica devido à baixa sensibilidade do consumidor ao preço. Sendo pouco sensível, um aumento de preço não o leva a procurar serviços substitutos. Assim, apesar do aumento dos preços da água, por exemplo, o usuário precisará manter seu consumo, já que se trata de um bem essencial. Como a demanda é inelástica, há a possibilidade de extração de rendas significativas pelo prestador de serviço, monopolista. Dessa forma, a regulação é fundamental para garantir o equilíbrio entre produtores e consumidores.

A especificidade dos ativos, por sua vez, ocorre uma vez que a utilização da infraestrutura é exclusivamente dedicada ao abastecimento e esgotamento, de forma que os ativos tenham valor econômico apenas dentro da atividade para a qual foram desenhados. Dito de outra forma, a alta especificidade dos ativos constitui uma característica do setor na medida em que inexistem usos alternativos para os ativos empregados no abastecimento de

água e no esgotamento sanitário, de modo que os investimentos e a tecnologia utilizada sejam específicos para esses serviços (GALVÃO JR., PAGANINI, 2009). Nesse contexto, Riordan e Williamson (1985, p. 369, tradução nossa) colocam que, na situação em que há baixa especificidade dos ativos,

[...] os fornecedores podem produzir para uma ampla variedade de consumidores utilizando, em larga escala, a mesma tecnologia de produção. À medida que a especificidade dos ativos cresce, no entanto, o fornecedor precisa especializar seu investimento para determinado comprador.

As características apresentadas, em conjunto, acarretam problemas na relação entre os agentes econômicos, configurando a operação dos serviços de abastecimento de água em um contexto de falhas de mercado e monopólio natural. Quando o livre funcionamento dos mercados não preserva o interesse público, de forma que os operadores não sejam induzidos a um nível de produção com resultados ótimos quanto aos preços praticados, quantidades produzidas e padrões de qualidade ofertados, as falhas de mercado podem ser corrigidas a partir da provisão direta de bens e serviços pelo Estado, como ocorre na propriedade estatal, ou por meio da regulação (GALVÃO JR., PAGANINI, 2009). Embora a propriedade estatal seja considerada uma alternativa à regulação, não exclui a necessidade de que os serviços prestados por empresas estatais também sejam regulados, uma vez que se faz presente o principal motivo da regulação, que é a correção das falhas (MADEIRA, 2010).