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ASSENTAMENTO OZIEL ALVES PEREIRA: AS LUTAS E FINALMENTE A

Desde 1964, entraram em cena na sociedade brasileira novos atores sociais do capital no campo, semeando a fazenda, a grilagem, a injustiça e a brutalidade. Mas semearam, também, a resistência popular, semearam novas significações para velhos atos, novos atos para velhas significações (MARTINS apud STÉDILE, 2006, p. 7).

Os conflitos em torno das questões da terra, sua dimensão histórica e estrutural constituíram o legado formativo de submissão e escravização que gerou e impregnou gerações, desde a colonização, privatizando do Estado brasileiro, em benefício das classes dominantes. Isso foi agravado na ditadura militar, de 1964 a 1984, principalmente, pela supressão de qualquer forma de organização social. Com a derrota dos movimentos camponeses pelo golpe militar, a tão sonhada reforma agrária foi abortada, mesmo com a promulgação do Estatuto da Terra (primeira lei de reforma agrária do país) por esse mesmo governo (STÉDILE, 2006, p. 12).

No Município de Governador Valadares, onde se localiza o Assentamento Oziel Alves Pereira, em 1955 foi criado o primeiro Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Brasil, embora não houvesse reconhecimento oficial. Durante o governo de João Goulart, o sindicato solicitou à Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA), que promovesse a distribuição de terras. Os fazendeiros organizaram uma milícia com o apoio da Polícia Militar, visando impedir a desapropriação de uma área que já era considerada devoluta, portanto de propriedade da União. A entrega das terras estava prevista para 30 de março de 1964. No dia seguinte, houve o golpe de Estado que destituiu João Goulart e implantou o Regime Militar (ROCHA, 2004, p. 36).

Somente a partir do início dos anos 90, com a atuação do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na região, é que a fazenda Ministério é “redescoberta” e passa novamente a ser objeto de luta pelos trabalhadores rurais [...] No entanto, segundo lideranças do Assentamento, apenas 5% da área era efetivamente destinada a pesquisas, sendo o restante cedido a fazendeiros do município para a criação de gado. Ou seja, a mesma situação encontrada pelos trabalhadores antes do golpe de 64. O grande interesse dos criadores de gado na utilização da área vai caracterizar, novamente, a violência nas ações contra os trabalhadores nas duas ocupações que vão ocorrer na fazenda [...]. A ocupação durou apenas 4 dias, as famílias foram despejadas por cumprimento de mandato judicial, com a intervenção violenta da Polícia Militar. Após os despejos, as famílias acamparam no km 407 da BR 116, onde permaneceram por um ano e dez meses (FERREIRA NETO).10

Assim se constituiu a história da luta pela ocupação das terras, desde o primeiro acampamento, em 23 de agosto de 1994, por 250 famílias, oriundas de diversos municípios da região, com muitos embates, enfrentamentos e resistências e é graças à pressão e atuação do MST, que em 1996, as terras são cedidas para a Comissão Operacional da Reforma Agrária (CORA). Essa Comissão agilizou o processo de desapropriação e promoveu a criação do Assentamento, possibilitando o acesso para 50 famílias organizadas pelo MST e que participaram diretamente das ações de ocupação, além de 22 famílias de antigos empregados e prestadores de serviços para a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) que também foram contemplados com lotes e vivem até hoje nessa área.

Segundo dados do INCRA Nacional, de 2007,11 “a área de criação do assentamento é de 1942.0375 ha, obtida por meio de compra”. A notícia da ocupação definitiva foi manchete do jornal mineiro Hoje em Dia, que trazia estampado: “Fazenda da União é assentamento de sem-terra – desde 94 vivendo às margens de rodovia, famílias ocupam hoje12 em Valadares glebas do Estado”. A notícia segue dando conta da alegria das famílias e da estrutura da Fazenda para acomodá-las inicialmente, conforme a seguir:

O primeiro assentamento de sem-terra mineiros, feito em terras do Governo Federal, acontecerá hoje na Fazenda Ministério. Após um ano e dez meses de intensa discussão entre o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e os governos estadual e federal, marcada quase sempre por clima de tensão, chega ao fim mais uma luta dos sem-terra (GONÇALVES, 1996, n. p.).

O jornal noticia ainda que a sede da Fazenda seria transformada em escola e em uma construção de agrovila.

Esses fatos foram narrados com detalhes pelos entrevistados e fez parte das conversas nos períodos quando estive no Assentamento. Falam das dificuldades da vida no acampamento, da repressão policial, e falam também do apoio por parte da população e da Igreja Católica, das vitórias e das conquistas. Contam da marcha à capital mineira em ações organizadas pelo MST, em abril de 1996, como parte de uma mobilização nacional realizada pelo Movimento.

11 Dados obtidos junto ao ICRA Nacional e enviados por e-mail à pesquisadora, em 1º de março de

2009, mediante solicitação.

12 26/6/96

Enquanto estavam acampadas na BR, as famílias foram atendidas pela Escola São Tarcísio, na Cidade dos Meninos,13 situada próximo ao acampamento. A professora Nilva relata: “quando a gente estava lá em cima, na beira do asfalto, na BR, nossos meninos [...] eles eram atendidos pela Escola São Tarcísio” (Professora

NILVA, mãe, educadora e militante).

A professora historiou ainda a trajetória da mudança do acampamento para o Assentamento e da Escola São Tarcísio, na Cidade dos Meninos, para duas salas de aula no Assentamento. “Quando nós mudamos definitivo para cá, passamos a discutir com os pais. A comunidade cedeu um espaço das estruturas que já tinha e na época foram montadas duas salas de aula.”

O Assentamento foi organizado em agrovila, com uma área central e várias ruas paralelas. Dispõe de um Centro de Formação do MST, com capacidade para aproximadamente 200 pessoas, e realiza reuniões, encontros, seminários e cursos de formação bem como atividades regionais, segundo relato dos moradores. Dispõe de uma coordenação política central e os núcleos de base,14 e tem uma Associação denominada: Associação de Cooperação Agrícola Oziel Alves Pereira (ACOAP), tornando-se referência estadual pela organização social e da produção. De acordo com um dos entrevistados, que já exerceu o papel de coordenador político do Assentamento,

a comunidade é dialética; não tem só uma instância, tem a escola, tem o calendário da educação, tem a igreja. Nós temos pessoas inseridas da educação, da igreja, do Movimento; essas instâncias formam essa coordenação política [...]. Tem a Associação. A Associação não pode ser o carro-chefe da comunidade, ela tem que ser o guarda-chuva, uma ferramenta (JESSÉ – pai e militante).

Essa forma de organização social da produção tem como base a cooperação agrícola, e constitui uma das raízes dos princípios políticos do MST e de seu projeto de sociedade, discussão que surgiu e foi se concretizando “a partir de um certo número de assentamentos conquistados” (CALDART, 2000, p. 38), nas lutas históricas pela posse da terra nos movimentos camponeses. Por isso, o MST “tem

13 Trata-se de um Centro Educativo da Igreja Católica, para crianças sem famílias, ou sob guarda

judicial. No início da obra eram admitidos somente meninos, por isso a razão do nome. Posteriormente foi aberto a meninas.

14 Trata-se da organização das famílias de um assentamento. A partir de trinta famílias, o Movimento

recomenda a formação de dois ou mais Núcleos. Os Núcleos de Base (NB) destinam-se à

organização social e econômica das famílias, através da cooperação n construção de casa, escola, igreja e outros serviços e necessidades do grupo (MST, 2001, p. 84-88).

sua raiz nas lutas do campesinato brasileiro; foi gestado com a participação da Igreja, especialmente daquela presente na atuação da Comissão Pastoral da Terra – CPT” (CALDART, 2000, p. 32). Trata-se de um movimento de massa e uma

organização social (p. 27, grifo da autora). Caldart, na obra citada, chama a atenção

para a raiz camponesa do MST e afirma:

A raiz camponesa do MST tem a ver especialmente com a dimensão dos lutadores sociais do campo, misturando na herança pessoal da maioria dos seus integrantes os traços do que podemos chamar do modo cotidiano de vida camponesa, com elementos fortes da tradição de conservação e, ao mesmo tempo, de rebeldia social. Isto quer dizer que na formação dos sem- terra há um processo de tensionamento cultural que implica em uma reapropriação e, ao mesmo tempo em uma recriação da sua própria raiz (CALDART, 2000, p. 33).

A partir de 1981, a CPT começou a promover debates e encontros entre as diversas lideranças da luta pela terra no país. O Encontro Regional do Sul e o seminário de Goiânia foram os principais eventos desse período e constituíram as bases da realização do 1º Encontro Nacional dos Sem-Terra (MORISSAWA, 2001, p. 136). Essa mesma autora afirma que o MST é uma continuidade ao Movimento das Ligas Camponesas, conforme relata na página 120 da obra citada. O MST surge com a concepção de que a luta pela reforma agrária só poderia avançar mediante a organização dos trabalhadores na forma de movimento social; as lutas de massa; autonomia dos movimentos em relação às igrejas e aos partidos políticos; acumulação de forças de maneira organizada em áreas conquistadas; reforma agrária como um processo de mudança social, muito maior do que a conquista da terra (MST, 2001, p. 54-55).

Com base nessa concepção o Movimento vai assumindo um caráter contestatório que adquire força, na medida em que a luta se expande para além de sua atuação imediata e se enraíza a partir de valores que trazem de volta os ideais libertários, com vistas ao processo de mudança que faz parte dos sonhos e utopias de muitos brasileiros (CORDEIRO, 2009, p. 55).

Para isso, Caldart (2000, p. 38) mostra que:

Os diversos processos vividos em cada assentamento, e a diferenciação percebida entre uma região e oura, entre origens étnicas, entre trajetórias de vida diferentes, mostraram ao MST que, mais ainda do que na organização inicial dos sem-terra, conhecer melhor a diversidade cultural

que constitui a base social que chega aos assentamentos é fundamental para organizar o trabalho não só da produção, mas do conjunto de aspectos que compõem a vida em um assentamento. Também chama a atenção para quais devem ser as ênfases da formação e da educação das pessoas, desde a fase inicial do acampamento.

Desde sua constituição, o MST vem se consolidando como um movimento de massa de caráter sindical, popular e político, com os seguintes objetivos: luta pela terra, reforma agrária e transformação social (MORISSAWA, 2001, p. 153). Esse Movimento “[...] é um dos herdeiros do processo histórico de resistência e de luta do campesinato brasileiro”, como aponta Caldart (2000, p. 71) e diz ainda que ele é parte da história da luta pela terra no Brasil, assim como das lutas já realizadas em outros lugares e épocas.

Em Minas Gerais, o MST inicia sua organização “a partir dos vales do Mucuri e do Jequitinhonha, ocupando terra e formando lideranças, desencadeando o processo de massificação e organização no estado”,15 através de encontros e ações integradas para ampliar o Movimento no Triângulo Mineiro sob a repressão da União Democrática Ruralista (UDR) e da polícia.

Segundo Quaresma (2011, p. 83) atualmente o MST em Minas Gerais está organizado em sete regiões: Mucuri-Jequitinhonha, Vale do Rio Doce, Sul de Minas, Triângulo, Norte, Grande Belo Horizonte e Zona da Mata.

A base social que gerou ou que permitiu o nascimento do MST, conforme apresenta Caldart, foi constituída

[...] do aumento brusco da concentração da propriedade da terra e do número de trabalhadores rurais sem-terra, com destaque em determinadas regiões; do fechamento progressivo das alternativas que poderiam amenizar esta condição, gerando insegurança e miséria entre uma população acostumada a viver com um certo nível de estabilidade e, talvez por isto mesmo, também acostumada a seguir os tradicionais preceitos da ordem e progresso, o que a fez inclusive apoiar por muito tempo a ditadura militar (CALDART, 2000, p. 69, grifos da autora).

Se a ocupação de terra pode ser considerada a essência do MST, porque é com ela que se inicia a organização das pessoas que lutam pela terra (SLTÉDILE, 1997, apud CALDART, 2000, p. 109), do ponto de vista pedagógico, é a mais rica em significados socioculturais porque “formam o sujeito Sem Terra e projetam mudanças lentas e profundas no modo das pessoas se posicionarem diante da

realidade, do mundo”. Constituiu-se, historicamente, portanto, a identidade do MST como pedagogia de um movimento que, “prepara o terreno para os aprendizados desdobrados das demais vivências” (p. 108). O MST torna-se um processo educativo na formação da consciência de classe, a partir da vivência direta do enfrentamento para a construção de uma ética comunitária e da solidariedade (CALDART, 2000, p. 111-116).

5.3 CONHECENDO O ASSENTAMENTO OZIEL ALVES: UM NOVO OLHAR NO