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Ao realizar um curso superior para a Educação do Campo, a FaE/UFMG, juntamente com seus proponentes o MST/Via Campesina, em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Programa Nacional

de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) pretendia não só responder às demandas por educação dos Movimentos Sociais e a certificação acadêmica, mas consolidar as iniciativas e experiências anteriores comprometidas com a causa da Educação do Campo (UFMG, 2005, p. 4). Conforme indica o referido documento, “estas demandas foram efetivadas como política pública desde 1998 através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA”. A proposta do Curso resulta da intensa interlocução entre os proponentes, a Faculdade de Educação (FAE-UFMG) e o INCRA, pelo fortalecimento de “laços e compromissos, num exercício de respeito à diversidade cultural e características próprias, num processo dinâmico de construção conjunta”, conforme aponta o documento em referência:

Acreditamos que esse Projeto se constituirá num terreno profícuo tanto para a Universidade como para o Movimento Social, fazendo interagir teoria e prática na construção de um conhecimento que possa contribuir efetivamente para a emancipação de jovens e adultos do campo. Assim, ideal e necessidade se articulam neste Projeto, com a expectativa, por parte de seus proponentes, de os verem realizados e atendidos (UFMG, 2005, p. 4).

A proposta do curso contou com o envolvimento de docentes da FaE na realização de atividades acadêmicas diversas e assessoria aos movimentos sociais na implantação de seus projetos pedagógicos. Esse acúmulo de experiência contribui para o debate das questões referentes à formação e à busca de referenciais que possam enfrentar o desafio colocado pelo projeto: “a apropriação de conteúdo e metodologias num processo de valorização da práxis construída pela história de vida e trabalho dos educadores e educadoras do campo” (UFMG, 2005, p. 4).

O curso teve a duração de cinco anos com início em 2005 e término em fevereiro de 2010, quando a turma colou grau. O objetivo era habilitar 60 (sessenta) docentes para atuação multidisciplinar no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, em uma das quatro áreas: Língua, Artes e Literatura; Ciências Sociais e Humanidades; Ciências da Vida, da Natureza e Matemática, e está baseado nos seguintes objetivos, conforme consta no Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso:

Contribuir na construção de alternativas de organização do trabalho escolar e pedagógico que permitam a expansão da educação básica no e do campo, com a rapidez e qualidade exigida pela dinâmica social e pela superação da histórica desigualdade de oportunidades de escolarização vivenciadas pelas populações do campo.

Formar Educadores para atuação nas séries iniciais e finais do fundamental e ensino médio em escolas do campo, aptos a fazer a gestão de processos educativos e a desenvolver estratégias pedagógicas que visem à formação de sujeitos autônomos e criativos capazes de produzir soluções para questões inerentes à sua realidade, vinculadas à construção de um projeto de desenvolvimento sustentável do campo e do país;

Desenvolver estratégias de formação para a docência multidisciplinar em uma organização curricular por áreas de conhecimento nas escolas do campo;

Habilitar professores para a docência em escolas do campo nas Áreas de Ciências da Vida e da Natureza, Linguagens, Artes e Literatura, Ciências Sociais e Humanidades e Matemática, para exercício em escolas de ensino fundamental e médio.

Construir coletivamente, e com os próprios estudantes, um projeto de formação de educadores que sirva como referência prática para políticas e pedagogias de Educação do Campo (PPP, 2008, p. 8-9).

Inicialmente o Curso era denominado Pedagogia da Terra, mais conhecido como PTERRA. Com as duas sucessivas turmas que ingressaram no Curso, esse passou a denominar-se Licenciatura em Educação do Campo (LECampo). Para efeito deste projeto, será adotada a denominação Licenciatura em Educação do Campo, ora chamada de Licenciatura, ora chamada de Curso. Pedagogia da Terra é a denominação dada pelo MST ao curso de formação de educadores, realizado por universidades públicas, em parceria com esse Movimento, que já trazia “uma experiência consolidada no desenvolvimento de cursos de graduação, notadamente de Pedagogia”, e contava “com dezesseis turmas de Pedagogia da Terra, em parceria com diferentes universidades públicas”, ao procurar a UFMG para a realização de mais um curso de formação de educadores (ANTUNES-ROCHA, 2009, p. 40).

O curso prevê a articulação entre docência, gestão, pesquisa e intervenção na realidade de atuação dos educados. Foi organizado e desenvolvido em tempos e espaços formativos no regime de alternância, conforme consta do PPP, sendo constituídos de dois momentos, denominados Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade (TC), articulados processualmente, com conteúdos e estratégias específicas. Assim, o Tempo Escola foi desenvolvido na FaE/UFMG e no Centro de Formação do MST, situado na Região Administrativa do Bairro do Barreiro de Cima, em Belo Horizonte, com áreas de estudo, módulos de aprendizagem, grupos de trabalho e seminários de práticas, tornando a escola espaço de mediação na

produção de novo conhecimento e novas relações. Já o Tempo Comunidade foi desenvolvido nos locais de moradia e de atuação dos educandos, orientando-os nos projetos de pesquisa e intervenção, na produção de material didático e nas práticas de ensino. “Universidade e Assentamento/Acampamento se constituem como tempos de estudos teóricos e práticos” (PPP, 2008, p. 18). A perspectiva dessa proposta inovadora é, sobretudo, contribuir na superação da tradicional dicotomia entre teoria e prática que opõe escola e comunidade e fragmenta os saberes, tanto na academia, quanto na comunidade. Por isso, essa organização TE e TC não constitui apenas uma metodologia inovadora, mas, uma concepção dialética do processo de produção do conhecimento e de ensino como uma totalidade que se constitui no fazer e no pensar na perspectiva da construção do sujeito histórico, em todas as dimensões como uma totalidade em construção.

Esta organização do tempo e do espaço curricular

em alternância possui base empírica, teórica e institucional. Em termos empíricos, ancora-se na experiência acumulada de quase um século da Rede dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA) no Brasil e nos cursos desenvolvidos há quase uma década pelo Pronera [...]. [...] A alternância já se constitui em tema consolidado de pesquisa nos programas de pós-graduação em educação do país e do exterior. Em 2006, a CEB/CNE, no Parecer nº 1/2006, expõe motivos e aprova os dias de estudo na comunidade como letivos para a Pedagogia da Alternância (ANTUNES-ROCHA; MARTINS, 2009, p. 44-45).

Essa organização pedagógica aponta para um modelo de educação que visa à transformação social, uma das principais reivindicações dos movimentos sociais do Campo. Trata-se de um percurso formativo de articular formação às lutas sociais desses sujeitos que trazem em sua experiência de vida propostas de emancipação social, porque se encontram permanentemente no terreno da luta pela transformação das condições de vida no campo e na sociedade.

Essa formação que articula os tempos do pensar e do fazer constitui uma inovação da formação pedagógica, associada ao processo do próprio Curso nas relações institucionais, nas parcerias movimentos sociais e sindicais, o que de certa forma culminou numa práxis pedagógica coerente com os princípios da Educação do Campo e do MST. Entretanto, tal complexidade exigiria um mergulho teórico- epistemológico e pedagógico para apreender como se constroem os processos e sistematizar novos modos de aprender e ensinar – o que não constitui objeto desta pesquisa. Ao entrevistar uma integrante do Setor de Educação do MST, que

acompanhou todo o processo do Curso, ela teceu considerações a respeito da parceria e da presença dos movimentos sociais na universidade, como fica evidente no seguinte trecho:

Bom, penso que é fundamental essa parceria, primeiro que a universidade cumprindo o papel de estar aberta ao povo e, consequentemente de estar aberta aos movimentos sociais e proporcionando, abrindo as suas portas prá proporcionar aos povos do campo é... esse espaço de elaboração, de teorização das práticas que vêm sendo construídas no campo.

[...] foi uma construção, uma construção aqui presente das pessoas da Via Campesina, né? de vários outros movimentos aqui presentes eu acho que esse foi um dos pontos altos de conviver com essa diversidade, os conflitos que se apresentou procurou refletir, vivenciar. Vivemos momentos conflituosos não do ponto de vista da diferença dos movimentos, do ponto de vista das relações estabelecidas aqui normal de um processo vivenciado por uma turma de estudantes do ponto de vista de uma turma que vem de uma militância até porque o MST é referência.

As pessoas dos outros movimentos, inclusive, reconhecem, a gente aprendeu com eles e a gente aprendeu com eles também esse olhar diferente de outro lugar, apesar de ser todos movimento do campo.

No interior de cada movimento tem uma especificidade e aqui foi fundamental a gente conviver com essa diversidade chegando no final todo mundo conseguindo fazer um importante diálogo a respeito de um projeto popular do campo, do projeto de educação do campo, eu acho que isso foi fundamental (INTEGRANTE DO SETOR DE EDUCAÇÃO DO MST Entrevista).

A entrevistada ressaltou ainda as contribuições do Curso para a disciplina intelectual dos estudantes na sistematização do conhecimento e da sua prática pedagógica, como objetivo e dificuldade a ser superada, para uma educação realmente emancipatória e transformadora a partir das percepções dos envolvidos na e pela práxis social, vivenciada na escola e na comunidade.