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SEGUNDO MOMENTO DA PESQUISA: O ASSENTAMENTO OZIEL ALVES

As escolas públicas localizadas em assentamentos constituem resultado da luta do MST para que o Estado assuma o seu dever na Educação, conforme destaca Caldart (1997, p. 39-40) “Nossa luta é por escolas públicas de qualidade nos acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária de todo o país, com recursos do Estado e a participação das comunidades e do MST na sua gestão pedagógica”.

O Assentamento Oziel Alves Pereira é um dos mais importantes baluartes em defesa da reforma agrária e uma conquista do MST. Situa-se na área da antiga Fazenda Ministério, do Governo Federal, pertencente ao Ministério da Agricultura, que deveria ser destinada a estudos e pesquisas e experimentação. Entretanto, esta função não foi cumprida, tornando-se área de latifúndio e, durante o governo João Goulart ela foi transformada pelos fazendeiros em pastagem de gado. Muitas lutas ocorreram e a mobilização social em torno das terras dessa Fazenda tem início no final dos anos 50 do século XX. Provavelmente, por isso, ela entrou na lista das terras que seriam destinadas à Reforma Agrária que motivou a reação conservadora do Golpe Militar de 1964 (FERREIRA NETO).6

5 Esse nome é uma homenagem a um jovem Sem Terra de 17 anos de idade, abatido no massacre

de Eldorado dos Carajás em 1996, provavelmente para fortalecer o desejo de luta, a conquista de direitos e a força do Movimento e seus militantes.

Segundo o “Diagnóstico socioeconômico e ambiental e Projeto Final de Assentamento do PA Oziel Alves”, Ferreira Neto constata que:

Ao longo dos anos 50 e 60 a Fazenda Ministério vinha sendo sistematicamente utilizada por grandes fazendeiros do Vale do Rio Doce, “as Terras do Rio Sem Dono”, para extração madeireira e pastagem para gado. Naquela época, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Governador Valadares passou a denunciar a situação e, a partir de 1963 intensificou a mobilização visando a inclusão da área nas propostas de reforma agrária anunciadas pelo então presidente João Goulart. De acordo com José de Souza Martins, em seu livro os Camponeses e a Política no Brasil, o anúncio pelo presidente João Goulart da destinação da Fazenda Ministério para reforma agrária é considerado um dos principais motivos para a adesão do então governador de Minas Gerais Magalhães Pinto aos militares golpistas em 1964. A partir desse ano, a Fazenda Ministério desapareceu do cenário político nacional e os sindicalistas de Governador Valadares foram perseguidos, torturados e mortos, passando o imóvel público a ser intensivamente utilizado por fazendeiros da região (FERREIRA NETO).7

Minas Gerais é hoje a terceira economia do País. O Produto Interno Bruto do Estado representa 9,6% do PIB do país. O Estado conta com uma economia diversificada: O setor de serviços responde por 59,98% do PIB, enquanto o segmento industrial representa 32,1% e a agropecuária é responsável pelos 8,01% restantes.8

Segundo dados da UFV, o Projeto de Assentamento Oziel Alves Pereira foi criado em 26 de junho de 1996 (data da entrega das chaves da fazenda aos acampados pelo então superintendente da CORA – Comissão Operacional da Reforma Agrária). Possui uma área de 1.945,9232 ha e localiza-se a apenas cerca de 3 quilômetros da cidade de Governador Valadares. O acesso é feito integralmente por estrada asfaltada, pela rodovia BR 116 (Rio-Bahia).

A atividade econômica predominante na região é agropecuária, com ênfase na pecuária de corte, ainda realizada em moldes extensivos, seguida da produção de grãos, principalmente feijão, arroz e milho.

O Assentamento Oziel Alves está situado na mesorregião Vale do Rio Doce e microrregião nº 37 de Governador Valadares e é representativa no presente estudo, pois apresenta características típicas de regiões de Minas Gerais e do Sudeste do país, como agricultura extensiva e intensiva, bem como a pecuária de corte. Esse Assentamento foi escolhido objeto do segundo momento da pesquisa, pela sua

7 Disponível em: http://www.assentamentos.com.br. Acesso em: 30 maio 2010.

8 Disponível em: http://www.mg.gov.br/governomg/comunidade/governomg/numeros-da-

referência histórica na luta do MST, pela sua organização sócio-político-educacional e pela possibilidade de melhor observar a ação pedagógica de uma educadora, egressa do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFMG.

A Região Vale do Rio Doce mistura características típicas da Zona da Mata, do Vale do Mucuri e região central. Por força da produção metalúrgica e mineral do Vale do Aço, ocorre uma articulação dessa sub- região com a região central e sul/sudeste de Minas Gerais. Apesar disso, essa região é marcada por problemas de desenvolvimento, por carências básicas da população e por limitações na infra-estrutura física e industrial (ROCHA, 2004, p. 36).

Isto é confirmado pelos moradores do Oziel Alves, entrevistados na pesquisa, pois, ainda há muita concentração de terra e de riqueza na região, e cada vez mais o avanço do projeto neoliberal tem causado problemas não só para o Assentamento, mas para as comunidades vizinhas, constituídas de população de baixa renda, imersa em uma grande região latifundiária.

“Por isso nossa luta é permanente. Permanecer no assentamento foi e continua sendo um desafio para nós e isso só é possível por meio da luta, que é uma luta política” afirma Jessé, um dos entrevistados do Assentamento Oziel Alves Pereira. Esse mesmo entrevistado falou da relação homem-sociedade e cultura, afirmando que a educação, a prática pedagógica na perspectiva da educação popular, libertadora transforma a vida das pessoas individualmente, com reflexos na vida coletiva, destacando que este é um dos grandes desafios para o Assentamento. Em vários momentos, referiu-se ao processo de conscientização, atribuindo à escola e à comunidade o importante papel na formação do sujeito político, condição essencial para a vida coletiva.

Nós podemos ser uma comunidade exemplar; atender os nossos objetivos que é construir essa sociedade diferente, onde haja o novo homem, a nova mulher, com outros valores, porque os valores que estão sendo colocados aí [...], que estão sendo colocados pelo sistema capitalista [...]; alienadora, a cultura que está sendo colocada não transforma. Os valores que o capitalismo prega não servem prá nós, pros nossos filhos, para os jovens. A juventude hoje precisa de novos valores, não os valores pregados pelo capitalismo. Eles são destrutivos, estão destruindo a nossa sociedade. O sistema capitalista prega o individualismo, quer que a pessoa seja individualista, é um consumismo. Você veja que o jovem, a criança, todos são obrigados a entrar no consumo. A pressão é muito grande. Isso é prejudicial pro jovem. A nossa luta, a resistência contra o modelo de produção, a nossa luta é permanente. Temos que lutar pela escola, por uma educação dentro dos princípios que defendemos (JESSÉ – pai e militante – entrevista).

O entrevistado falou da conscientização, da necessidade de manter a chama acesa em toda a comunidade, para que a proposta não se perca, para que o entendimento da luta esteja presente em todas as faixas etárias e viva na memória individual e coletiva. Para isso, é necessário pensar “um projeto de campo e de pais. Pensar a educação articulando esses dois projetos”.

Nesse sentido, o entrevistado continuou sua fala discorrendo acerca da importância de se pensar uma reforma agrária ampla, em todos os setores e organizações da sociedade.

[...] tem que ter uma reforma agrária ampla, na religião, na educação, que Deus não seja o culpado pelas injustiças sociais, pelas desigualdades. Não podemos conviver com essas injustiças, isso é inaceitável. Por isso que eu falei que a cultura que tá aí não transforma, aliena, passa valores que não são os valores que defendemos. É preciso valorizar a trajetória, a luta. Como que cada um chegou aqui, foi chegando, formou o acampamento, até chegar ao assentamento. Tem uma trajetória. Isso precisa ser considerado. Há uma mão dupla. O que é essa mão dupla: que haja uma cooperação e que o Movimento prega muito isso. A cooperação, o coletivo (JESSÉ – pai e militante – entrevista).

A fala desse militante expressa as contradições do modelo de desenvolvimento do país e do sistema capitalista, a partir da economia agroexportadora que privilegia o latifúndio e expulsa os povos do campo. Por isso, a luta histórica no campo brasileiro traz a marca da violência, como afirma Oliveira:

Os conflitos sociais no campo brasileiro e sua marca ímpar, a violência, não são uma exclusividade apenas do século XX. São, marcas constantes do desenvolvimento e do processo de ocupação do país. Os povos indígenas foram os primeiros a conhecer este processo. Há mais de 500 anos vêm sendo submetidos a um verdadeiro etno/genocídio histórico (OLIVEIRA, 2001, p. 4).

Embora se reconheça a importância do Brasil como país agrícola, o modelo de desenvolvimento dominante é marcado pelo processo de exclusões e desigualdades dessa população, tanto na posse da terra quanto no projeto de modernidade. Conforme apontam Fernandes, Cerioli e Caldart (2004, p. 21) no “modelo de desenvolvimento, que vê o Brasil apenas como mais um mercado

emergente, predominantemente urbano, não há lugar para os camponeses, que são

Embora dominante, essa tendência não consegue avançar sem contradições. De um lado estão as contradições do próprio modelo de desenvolvimento, entre elas a da crise do emprego e a consequência explosiva que traz para a migração campo-cidade. De outro está a reação da população do campo, que não aceita esta marginalização/exclusão, e passa a lutar pelo seu lugar social no país, construindo alternativas de resistência econômica, política, cultural, que também incluem iniciativas no campo da educação (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2004, p. 21-22).

Esses mesmos autores entendem que, para pensar a vida no campo, há que se pensar a relação campo e cidade no contexto do modelo capitalista de desenvolvimento em curso no país e apresentam três elementos fundamentais para esse avanço, a saber:

[...] um desenvolvimento desigual, nos diferentes produtos agrícolas e nas diferentes regiões; um processo excludente, que expulsou e continua expulsando camponeses para as cidades9 e para regiões diferentes de sua

origem; e um modelo de agricultura que convive e reproduz simultaneamente relações sociais de produção atrasadas e modernas, desde que subordinadas ambas à lógica do capital. No campo, este processo tem gerado maior concentração da propriedade e da renda. Nas cidades, este processo tem implicado em maior concentração urbana, desemprego e intensificação da violência. No plano das relações sociais, há uma clara dominação do urbano sobre o rural, na sua lógica e em seus valores (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2004, p. 28-29, grifos dos autores).

Sob essa lógica, a agricultura camponesa fica comprometida e as relações campo-cidade ficam cada vez mais vulneráveis e deterioradas, impedindo o projeto de trabalhar em prol do desenvolvimento de si mesmas e do país, pois que dentro de uma ordem social a qual ameaça a sobrevivência das populações urbanas e rurais. Por isso,

a interação campo-cidade faz parte do desenvolvimento da sociedade brasileira, só que via submissão. O camponês brasileiro foi estereotipado pela ideologia dominante como fraco e atrasado, como Jeca Tatu que precisa ser redimido pela modernidade, para se integrar à totalidade do sistema social: ao mercado (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2004, p. 31, grifos dos autores).

Ao fazer uma análise sócio econômica do final do século XX, Frigotto (1998, p. 41) mostra a dimensão mais crucial dos limites do capital e do desenvolvimento capitalista neste final de século, ou seja,

9O texto apresenta a seguinte nota de rodapé, sob o nº 8: “Foram 30 milhões de pessoas entre a

a destruição de postos de trabalho – síndrome do desemprego estrutural; a precarização (flexibilização) do trabalho, vinculada à abolição dos direitos sociais duramente conquistados pela classe trabalhadora [...]. [...] Este processo dá-se pela conjugação da globalização excludente, que amplia o desenvolvimento desigual, e pelo monopólio privado da ciência e tecnologia.

Segundo Fernandes, o agronegócio veio “modernizar” a agricultura capitalista. É uma tentativa de ocultar o caráter concentrador, predador, expropriatório e excludente para dar relevância somente ao caráter produtivista, destacando o aumento da produção, da riqueza e das novas tecnologias. Da escravidão à colheitadeira controlada por satélite, o processo de exploração e dominação está presente, a concentração da propriedade da terra se intensifica e a destruição do campesinato aumenta (FERNANDES; MOLINA, 2004, p. 69-70).

Nesse contexto, a produção do conhecimento e a educação, como práxis social se alienam, cada vez mais, de si mesmas, pois, enquanto atividade inscrita no seio da organização social, elas estarão marcadas também “pela tendência à conservação. Esse problema se agrava ainda mais, uma vez que os educadores de um modo geral não estão instrumentalizados para abordar o fenômeno educativo em termos do contexto que o configura [...]” (SAVIANI, 1996, p. 131). Daí

a questão dos modismos em educação, ou seja: a consciência pedagógica é bastante vulnerável às influências e flutua de uma influência à outra, sem criar raízes, sem situar-se de modo mais profundo do centro de preocupação dos educadores. E o centro de preocupação dos educadores deveria ser a própria realidade educacional (SAVIANI, 2006, p. 179).

A luta dos movimentos sociais e sindicais do Campo contrapõe-se a esse modelo de subordinação e alienação. Ao fazê-lo, eles buscam sustentação em suas práticas educativas, quando se propõem formar o sujeito social e político, recuperando a centralidade real da educação numa democracia verdadeira, ao contrário do que realizam as elites que conduzem as políticas públicas. Ora, no contexto da globalização excludente, como comentamos acima, o processo de internacionalização e reestruturação produtiva, sob uma nova base científica e tecnológica exigem, cada vez mais, uma educação básica e uma formação profissional de qualidade, bem como a capacitação de educadores sob uma perspectiva crítica e comprometida com a classe trabalhadora. Eis a grande contradição do sistema educacional que precisa capacitar a classe trabalhadora no mínimo necessário às suas funções no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo,

mantê-las alienadas tanto do processo produtivo, quanto da produção do conhecimento.

Trata-se de uma educação e formação que desenvolvam habilidades básicas no plano do conhecimento, das atitudes e dos valores, produzindo competências para gestão da qualidade, para a produtividade e competitividade e, consequentemente, para a empregabilidade (FRIGOTTO, 1998, p. 45).

Aí reside, exatamente, a oportunidade e a possibilidade de superação dessas contradições pela construção de uma totalidade teoria e prática entre os conhecimentos socialmente produzidos e os modos de vida das populações do campo e da cidade, um processo de luta renhida de tensionamento cultural, nas instâncias sociais, educacionais e públicas, baseada numa reflexão filosófica sobre os problemas que a realidade apresenta. Do ponto de vista de Saviani (1996, p. 17) uma reflexão filosófica “deve ser radical, rigorosa e de conjunto”. Radical – que vai até às raízes da questão, até os seus fundamentos; rigorosa – utilizando com rigor métodos determinados,

[...] colocando-se em questão as conclusões de sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar; de conjunto – o problema não pode ser examinado de modo parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido [...]. Seu campo de ação é o problema [...] e é nesse sentido que se pode dizer que a filosofia abre caminho para a ciência, que através da reflexão pode analisá-lo e, quiçá, solucioná-lo [...] Esta reflexão é um pensamento consciente de si mesmo, capaz de se avaliar, de verificar o grau de adequação que mantém com os dados objetivos de medir-se com o real. É examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado; reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado (SAVIANI, 1996, p. 16-17).

No fim das contas, essa reflexão é um diálogo com a realidade e

como encontro dos homens que têm por tarefa comum aprender e atuar [...]. Exige igualmente uma fé intensa no homem, fé em seu poder de fazer e refazer, de criar e recriar, fé em sua vocação de ser mais humano: o que não é privilégio de uma elite, mas um direito que nasce com todos os homens (FREIRE, 1980, p. 83).

5.2 ASSENTAMENTO OZIEL ALVES PEREIRA: AS LUTAS E FINALMENTE A