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2.2 CONSTRUÇÃO E APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DA PESQUISA

2.2.3 Entrevista

Trata-se de uma das principais técnicas de trabalho em quase todos os tipos de pesquisa utilizados nas Ciências Sociais, como apontam André e Lüdke (1986, p. 33). Entendem essas autoras que a “grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada [...]” (ANDRÉ; LÜDKE, 1986, p. 34).

O contato direto com os sujeitos tanto individualmente, quanto em grupo assumiu relevância na medida em que propiciou, além da aproximação, a captação de outras expressões e manifestações que não só a fala, mas os sentimentos, que se deram pelo olhar, pelas relações estabelecidas nas conversas.

Ao considerarmos o caráter de interação social da entrevista, passamos a vê-la submetida às condições comuns de toda interação face a face, na qual a natureza das relações entre entrevistador/entrevistado influencia tanto seu curso como o tipo de informação que aparece. Como experiência humana, dá-se no “espaço relacional do conversar” [...] (SZYMANSKI, 2004, p. 11) (grifo nosso).

Essa mesma autora afirma ter constatado “que a entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado” (SZYMANSKI, 2004, p. 12). Outro aspecto que ela destaca e que considero relevante refere-se à intencionalidade do pesquisador e do entrevistado, o que contribui para a criação da ambiência da atividade.

A intencionalidade do pesquisador vai além da mera busca de informações; pretende criar uma situação de confiabilidade para que o entrevistado se abra. Deseja instaurar credibilidade e quer que o interlocutor colabore, trazendo dados relevantes para seu trabalho. A concordância do entrevistado em colaborar na pesquisa já denota sua intencionalidade – pelo menos a de ser ouvido e considerado verdadeiro no que diz -, o que caracteriza o caráter ativo de sua participação, levando-se em conta que também ele desenvolve atitudes de modo a influenciar o entrevistador (SZYMANSKI, 2004, p. 12).

A interação que se estabelece entre entrevistador e entrevistado, conforme ressalta a autora, propicia a criação de espaços de construção de diálogos, de conhecimento e de significados, o que irá refletir no resultado final, percebendo-se, assim, a participação de ambos nesse processo de comunicação. O entrevistador quer conhecer algo, desvelar, trazer à tona,

[...] utilizando-se de um tipo de interação com quem é entrevistado, possuidor de um conhecimento, mas que irá dispô-lo de uma forma única, naquele momento, para aquele interlocutor. Muitas vezes, esse conhecimento nunca foi exposto numa narrativa, nunca foi tematizado (SZYMANSKI, 2004, p. 14).

A escolha da entrevista semi-estruturada pareceu bastante adequada, por considerar o seu caráter flexível e de liberdade, tanto quando aplicada individualmente, quanto em grupo. Gaskell (2002, p. 64) considera a entrevista semi- estruturada como pesquisa qualitativa que pode ser em profundidade, com um único respondente, ou com um grupo de respondentes, que ele denomina grupo focal.

Em complementação ao grupo focal, foram realizadas entrevistas individuais durante a etapa de conclusão do Curso de Licenciatura, na semana de 15 a 19 de fevereiro de 2010, no Centro de Formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), situado no bairro do Barreiro de Cima na região administrativa do Barreiro, em Belo Horizonte/MG. Além disso, realizei entrevista com uma integrante do Coletivo Estadual de Educação do MST em MG, que acompanhou o Curso.

Tive o cuidado de seguir as recomendações pertinentes sugeridas por André (1986, p. 35), tais como o respeito pelo entrevistado, suas conveniências e a garantia do sigilo e anonimato e sempre de comum acordo com cada participante. Os nomes dos entrevistados foram escolhidos pela própria pesquisadora, aleatoriamente, registrados em seus arquivos.

Para cada pessoa entrevistada, um momento próprio, um tom de narrativa ou quase uma conversa, à medida em que não havia propriamente perguntas a serem respondidas, mas alguns tópicos iniciais, característicos da entrevista semi- estruturada, para deflagrar o processo narrativo e retomá-lo quando necessário. O registro das falas possibilitou reportar-me, muitas vezes, ao local da entrevista, revivendo aqueles momentos. “Ao ler as transcrições, são relembrados aspectos da entrevista que vão além das palavras e o pesquisador quase que revive a entrevista” (GASKELL, 2002, p. 85).

Durante as entrevistas individuais, foi possível conhecer melhor a realidade de cada uma das educadoras, suas práticas pedagógicas e militantes, assim como o projeto que cada uma representa. Esse foi um aspecto marcante observado no grupo focal, nas conversas de corredores e, sobretudo, nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), quando apresentaram às Bancas Examinadoras, a produção de conhecimento gestado na ação pedagógica em sua comunidade, à luz dos estudos feitos no Curso.

Esse foi um momento rico que apresentou um produto altamente significativo na formação dessas Educadoras nas possibilidades de ações transformadoras em sua realidade e, consequentemente, uma maior consciência política de uma práxis comprometida. Não foi o meu objetivo avaliar esses projetos, mas indicaria a importância de verificar, posteriormente, como e se estão sendo realizados para uma nova síntese integradora no Curso e nas comunidades. O Curso de Licenciatura passaria a ter desdobramentos e retroações que, como diz Morin, (2003, p. 197), são “ações que agem como retorno sobre o processo que as produz e, eventualmente, sobre a sua fonte e/ou sobre a sua causa”. Isto constituiria um recurso privilegiado para exercitar “a responsabilidade do pesquisador perante a sociedade e o homem”, na concepção de Morin (2010, p. 117) e no sentido da formação do intelectual orgânico, em Gramsci, segundo o qual “todos os homens são intelectuais, mas, nem todos desempenham na sociedade a função de intelectuais [...] não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual: é impossível separar o homo faber do homo sapiens” (GRAMSCI, 1991,

p. 7).

Os dados coletados serviram também para conhecer as contradições entre os princípios pedagógicos do MST e os das escolas públicas dos municípios onde as Educadoras atuam e que afetam a sua prática pedagógica. A partir daí, foi possível relacionar a formação na Licenciatura e a luta das Educadoras para concretizar os princípios e práticas transformadoras como o trabalho coletivo, a gestão participativa e o protagonismo dos sujeitos envolvidos (alunos, professores e pais) – objetivos proclamados nos planos e programas oficiais, mas nunca praticados. Todo esse processo é orientado pelas práticas de luta, fruto da ação política que norteia o seu fazer pedagógico.