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Capitulo 1. BREVE SINTESE SOBRE A HISTÓRIA DAS ASSOCIAÇÕES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL

1.2. Associativismo, Economia Social e Terceiro Sector

De acordo com Giddens (2001), o paradigma da modernidade5 decorre das alterações de um mundo caracterizado por constantes mutações de cariz tecnológico, que influenciam significativamente as relações entre os indivíduos, originando tensões e conflitos. Os indivíduos são convocados a, por um lado, orientarem de forma mais “controlada” os seus percursos individuais, mas, por outro, é-lhes proporcionada a construção de percursos de vida partilhados com outros, sustentados em actividades e finalidades colectivas.

Partindo desta noção da modernidade proposta por Giddens, o contexto social e a necessidade do indivíduo se envolver num colectivo mais vasto, em torno de um objectivo comum, surge quase de uma forma natural, intensificando-se no mundo pós- revolução industrial, traduzindo-se no “movimento das classes trabalhadoras em luta pelos direitos de liberdade e igualdade” (Duarte, 2008:4).

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32 Como já foi referido, todo o período que se seguiu à revolução industrial, e às condições de vida e empregabilidade associadas, originou uma sociedade com graves problemas de qualidade de vida e emprego, conduzindo a tensões e conflitos. A resposta sociopolítica a este contexto passou pela organização de um conjunto de “dispositivos” com vista à melhoria das condições de inserção profissional, visando a manutenção das condições de trabalho. Tal como refere Ferreira (2009:2),

“(…) o pauperismo e ausência de políticas sociais por parte do Estado em relação às classes laboriosas obrigou estas a procurarem soluções associativas de diferente tipo, com o intuito explícito de atenuarem ou ultrapassarem as suas condições socioeconómicas e culturais de pobreza e analfabetismo (…).”

Esta iniciativa é também sustentada ao longo deste período, e até à década de sessenta do séc. XX (época dos grandes movimentos operários do pós-guerra), por associações de diversa tipologia, nomeadamente: mutualidades, cooperativas de produção e consumo, colectividades de cultura e recreio, sindicatos e partidos de classe (Duarte, 2008), ou, como refere novamente Ferreira (2009:4):

“(…) Desde meados do século XIX até princípios do século XX, a realidade socioeconómica, política e cultural do factor de produção trabalho no contexto da racionalidade instrumental do capitalismo, permite-nos visualizar quatro (4) tipos de acção colectiva que podemos correlacionar com o associativismo do movimento operário nesse período histórico: a) reivindicações salariais e greves; b) associativismo cultural; c) cooperativismo e associações privadas sem fins lucrativos; d) sindicalismo e actividade partidária (…).”

A partir da década de sessenta, surgem na Europa os novos movimentos sociais (NMS), associados à defesa dos direitos culturais ou de autonomia, proliferando as associações anti-colonialistas, anti-racistas, pro-igualdade de género, de defesa do Ambiente, de cooperação com os países do Terceiro Mundo, apenas para citar algumas (Fernandes, 2003, citado por Duarte, 2008).

Surgem novas preocupações, associadas ao contexto do final da 2ª Guerra Mundial e aos movimentos de descolonização. O “bem comum”, o objectivo colectivo, assume o carácter de justiça, de defesa de direitos básicos como o da preservação da vida humana e do ambiente. É também a partir dos finais da década de setenta, que “começamos a observar o início das contingências das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação), e da globalização, (…) mudanças que afectam sobremaneira todas as

33 estruturas e funções do capitalismo e do Estado-Nação das sociedades contemporâneas” (Ferreira, 2009:8):

“ (…) É a partir deste período que se verifica um conjunto de “mudanças ao nível do crescimento acelerado do número de associações, da diversificação das necessidades e interesses”, associados aos problemas que preocupam a sociedade civil, bem como ainda ao “nível da organização e funcionamento visando poder possibilitar a intersubjectividade e a participação no seio das associações (…)” (Fernandes, 2003:169, citado por Duarte, 2008:5).

Ao longo das décadas seguintes, evidenciou-se um crescente aumento do número de associações, elementos integrantes da denominada economia social6, o que segundo Silva (2008:1) é justificável uma vez que, estas entidades direccionam a sua intervenção directamente para respostas que vão ao “encontro das dificuldades, disfunções e crises com que a economia capitalista contemporânea se depara, nomeadamente o desemprego, as desigualdades sociais e as necessidades que o mercado deixa por satisfazer em largos estratos de população”. Por outro lado, porque através da sua actividade, proporcionam meios e formas alternativas para:

“(…) Fazer face às actuais debilidades dos sistemas de segurança social e à manifesta impotência do estado providência para sobreviver num contexto de globalização da economia, urbanização crescente e desindustrialização, a que acrescem novos fenómenos demográficos, como sejam o envelhecimento da população, a baixa natalidade ou os fluxos migratórios de grande amplitude (…)” (Silva, 2008:1).

Neste contexto, desde meados de 1990, tem-se expandido a convicção de que a economia social pode contribuir activamente para o aumento do valor acrescentado das economias nacionais e para a criação de formas harmoniosas de compatibilizar o

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Economia Social (Comissão Europeia, 2007, citada por Silva, 2008:2): “Conjunto de empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de filiação, criadas para servir as necessidades dos seus associados através do mercado, fornecendo bens e serviços, incluindo seguros e financiamentos, e em que a distribuição pelos sócios de eventuais lucros ou excedentes realizados, assim como a tomada de decisões, não estão directamente ligadas ao capital ou às cotizações dos seus associados, correspondendo um voto a cada um deles. A economia social também inclui empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão e liberdade de filiação, que prestam serviços de “não-mercado” a agregados familiares e cujos eventuais excedentes realizados não podem ser apropriados pelos agentes económicos que as criam, controlam ou financiam.” Esta definição da Comissão tem em consideração os critérios incluídos na Carta de Princípios da Economia Social, estabelecida pela CEP-CMAF (Conferência Europeia Permanente das Cooperativas, Associações e Fundações) e abrange portanto os dois subsectores:

- a) O subsector que actua no mercado e tem carácter empresarial; - b) O subsector do não mercado.”

34 crescimento económico com objectivos de desenvolvimento sustentado e inclusão social que são, cada vez mais, uma exigência das sociedades democráticas.

De acordo com Arzeni (cit. por Silva, 2008), a economia social desempenha um papel crescente nos países da OCDE relativamente ao combate da pobreza, à promoção de uma cidadania activa, ao desenvolvimento da solidariedade e da participação, sendo certo que sem “empreendedorismo social” as sociedades não alcançarão novos patamares de inovação e competitividade.

Tal como refere Silva (2007:6, cit. Boaventura, 1998:7) a economia social, caracteriza- se pela

“(…) Emergência de organizações que, dentro do Terceiro Sector, prosseguem a sua missão social de forma mais empreendedora e estratégica, capitalizando recursos e assumindo-se enquanto projecto alternativo de providencia social, de forma a comprovar as suas vantagens comparativas em relação ao princípio do mercado e ao princípio do Estado (…).”

Neste contexto, importa definir o termo “Terceiro Sector”, conceito utilizado pela primeira vez num texto intitulado “Pour la création d′un troisième secteur, comment créer des emploi”, (Paris, Centre de Recherche Travail et Société, Université de Paris IX Dauphine, Mars), por J. Delors e J. Gaudin (www.animar.pt), não sendo o seu reconhecimento consensual, nem do ponto de vista da sua concepção teórica, nem do ponto de vista político, nem mesmo internamente entre os agentes protagonistas das actividades desenvolvidas nas organizações, tendo-se expandido nas décadas de 80 e 90, “a partir supostamente da necessidade de superação da dualidade pública/privada e da crença de que este novo sector possa dar as respostas que o Estado já não pode dar e que o mercado não procura dar” (www.animar.pt).

As organizações que compõem o Terceiro Sector procuram defender os interesses colectivos, introduzindo mecanismos de solidariedade, intervindo no mercado oferecendo bens e gerindo serviços, o que segundo Donati (1978, cit. em www.animar.pt), “pode ser interpretado como o resultado da incapacidade do mercado em responder onde a procura não é solvente ou onde exista crise relativa ao Estado de Bem-Estar, o qual tem tendência para delegar as suas funções no sector "privado social devido ao seu menor custo e maior versatilidade.”

35 Assim, poderemos considerar que o Terceiro Sector representa o conjunto de pessoas singulares e colectivas que intervêm na sociedade com preocupações de justiça social e equidade na distribuição da riqueza, regendo-se fundamentalmente por “preocupações éticas, reconhecendo o papel regulador dos mercados e não contestando a procura do lucro – não lhe conferem é um papel primordial” (Lavado e Barata, 2008), colocando acima dos interesses economicistas as necessidades e o bem-estar da humanidade. A sua estratégia de actuação passa por uma intervenção “ao nível local, territorializada, numa lógica descentralizada do poder, aliada a uma forte participação das populações, com vista a fazer delas as protagonistas na resolução dos seus problemas” (Lavado e Barata, 2008).

O Terceiro Sector representa, no fundo, “todas as actividades económicas que escapam aos constrangimentos estruturais e institucionais de regulação e de controlo do Estado e do mercado” (Billiard, Debordeaux e Lurol, 2000, cit. por Ferreira, 2009:13), sendo que as suas actividades se alargam aos domínios sociais, culturais e políticos, não sendo “lícito integrá-las nas actividades que decorrem da economia informal ou da economia subterrânea” (Billiard, Debordeaux e Lurol, 2000, cit. por Ferreira, 2009:13).

As organizações de economia social tendem a mobilizar sobretudo recursos de âmbito local e a privilegiar a satisfação de necessidades sentidas localmente, tendo como funções (www.animar.pt):

- Promover a coesão social, combatendo todas as formas de exclusão social, estimulando a criação de emprego (através de medidas activas de emprego) e melhorando as condições de empregabilidade;

- Promover a coesão económica, combatendo a marginalidade económica e promovendo o estímulo à criação de riqueza;

- Promover uma cultura de participação cívica e exercício activo da democracia.

É neste contexto que, actualmente, o associativismo e os movimentos de mobilização colectiva da sociedade civil se desenvolvem, assumindo uma função reconhecida de resposta a necessidades não satisfeitas pelo Estado Providência ou pelo Mercado, referindo Laville (2000, cit. por Ferreira, 2009:14), que “hoje, como já referimos, em função da natureza da crise do Estado e do mercado, o Terceiro Sector tem-se

36 desenvolvido com alguma expressividade, visualizando-se inclusive no futuro a sua expansão”, tendo como fundamentos:

- A situação estrutural de desemprego e de precariedade contratual, que conduz muitos profissionais, especialmente qualificados, à procura de emprego e estabilidade junto das entidades da economia social (França, Bélgica, Portugal, Espanha), ou Organizações sem Fins Lucrativos ou de Trabalho Social (Grã-Bretanha, EUA e países Escandinavos), uma vez que estas entidades “se inscrevem numa lógica de arranjar ou manter o trabalho e o emprego de uma forma estável. É uma opção que soluciona a crise do Estado-Providência e do mercado nas suas articulações com a economia formal ou informal” (Ferreira, 2009:15);

- O afastamento do Estado relativamente aos problemas que afectam a vida quotidiana das famílias e das comunidades locais, bem como o crescente surgimento de comportamentais sociais desviantes, sustentados na pobreza e na exclusão, como a violência, o crime, a insegurança, às quais os serviços de proximidade procuram responder;

- Ao sustentar-se numa lógica não concorrencial e de não maximização do lucro, participação democrática na tomada de decisão e redução da oposição entre produtores e consumidores, o Terceiro Sector assume-se também como uma alternativa aos modelos vigentes de sociedade.