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Capítulo 3. O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL E O SEU EMPENHAMENTO NA EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS.

3.2. O Projecto Integrado de Mértola

O Projecto Integrado de Mértola (PIM), denominação pela qual ficou conhecido o processo de desenvolvimento registado neste concelho, pretendeu em simultâneo, salvaguardar o património local, usando-o como um recurso para o desenvolvimento, e conduzir a população da época e as vindouras, a padrões de qualidade de vida mais

98 elevados. Se na década de 70 do século passado o mesmo se mostrava inovador81, actualmente é reconhecido como um exemplo das possibilidades existentes em termos de desenvolvimento local para estratégias baseadas na herança cultural.

Segundo Rui Mateus (Mateus, 2002) é possível estabelecer uma síntese cronológica da evolução do Projecto Mértola, cujas “ quatro etapas completadas, aliás, nos colocam numa espécie de ponto de recomeço”:

Primeira Etapa (1978-1986). Sob a iniciativa do então Presidente da Câmara Serrão Martins, e com a direcção científica de Cláudio Torres, contextualizado no ambiente revolucionário pós-25 de Abril de 1974, cria-se em Mértola uma dinâmica em torno da animação cultural, da recuperação e valorização patrimonial. Estas temáticas registaram, na altura, um grande progresso, sendo bastante comum, por todo o país, as deslocações de estudantes universitários para regiões do interior com o objectivo de trabalhar em projectos científicos, o que também se verificou em Mértola, onde as “gentes locais” partilhavam com “outros” o entusiasmo e conhecimentos. Esta troca de experiências foi de tal ordem frutuosa que conduziu, em 1980, à criação da ADPM. Dadas as dificuldades financeiras, este período não permitiu mais do que um trabalho sistemático de recolha de dados científicos, na área da arqueologia, da história local e da arte, antropologia, geografia, biologia, entre outros, lançando-se as bases para os projectos que lhes sucederam.

Segunda Etapa (1987-1991). Durante este período, registam-se alguns acontecimentos

que viriam a influenciar todo o projecto. Serrão Martins morre em 1984 e Cláudio Torres passa a residir permanentemente em Mértola. Portugal torna-se membro da União Europeia e o Campo Arqueológico de Mértola é encarregue, pelos seus parceiros científicos da área do Mediterrâneo Ocidental, de organizar o IV Congresso Internacional de Arqueologia Medieval do Mediterrâneo Ocidental, o que trouxe a necessidade de uma nova sede para os departamentos de investigação, sendo a mesma disponibilizada pela Autarquia. A adequação das infra-estruturas, associada a uma maior capacidade financeira resultante de projectos apoiados pelos Fundos Estruturais

81

O facto de associar a salvaguarda cultural ao desenvolvimento local tornou o processo de desenvolvimento local inovador, pois há 30 anos, em Portugal, este modelo era bastante invulgar, não havendo praticamente exemplos de situações semelhantes.

99 Europeus e pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, permitiram o crescimento e estabilização da equipa de investigação, bem como a aquisição de um vasto conjunto de equipamento científico. Uma gestão mais especializada tornou-se também uma necessidade, e por isso o CAM, inicialmente uma secção da ADPM, foi formalmente estabelecido em 1988, dando origem a duas entidades distintas, o que veio permitir a especialização em “áreas de trabalho”: o CAM passou a ocupar-se principalmente da arqueologia e do património edificado, enquanto os interesses da ADPM se centravam mais nas áreas do património natural e nos projectos de intervenção social, com destaque para a formação profissional e o apoio a actividades artesanais.

Terceira Etapa (1992-1995). A complicada transição entre o 1º e o 2º Quadro

Comunitário de Apoio representa elevadas dificuldades para o CAM, não só ao nível da atribuição de financiamentos mas também ao nível do número de projectos apoiados. A ADPM, contudo, durante este período, devido essencialmente ao desenvolvimento de projectos científicos de índole ambiental, apoiados pelo Ministério do Ambiente e por instituições internacionais, como o WWF, e através dos Fundos de Desenvolvimento Regional oriundos da União Europeia, regista alguma estabilidade e crescimento, tendo inclusive os impactos resultantes destes estudos estado na base da classificação de uma zona da bacia hidrográfica do rio Guadiana como Reserva Natural, objectivo que foi concretizado em 1996 (o Parque Natural do Vale do Guadiana).

Durante este período, foi constituída uma delegação da Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, sedeada em Lisboa, da qual se encarregaram alguns elementos do corpo de investigadores do CAM, que veio a tornar-se num dos pilares estruturadores do Projecto, não só pela afluência de jovens que registava, mas também porque permitia a capacitação de recursos humanos para o mesmo.

Quarta Etapa (1996-2001). Representa, segundo Mateus (2002), “provavelmente, a

finalização da ideia inicial, a estruturação de uma “vila museu””. Um considerável apoio foi dado, em 1996, pelo Fundo de Turismo, permitindo ter um grande conjunto de novos espaços museológicos (e infra-estruturas associadas) a serem concluídos até 2001, concretizando o conjunto museológico e apoiando e originando actividades

100 económicas locais associadas ao turismo cultural, representando “seguramente, do ponto de vista social e económico, o mais positivo resultado que é possível apresentar após tantos anos de trabalho” (Mateus, 2002a).

O PIM representou um verdadeiro processo de desenvolvimento local, onde a cultura era o factor de sustentação, impulsionando o turismo de índole cultural e as actividades económicas a ele associadas, e onde os actores principais eram os locais e não os visitantes. Tratava-se de um processo de e para os locais, onde “os visitantes devem sentir que são privilegiados em participar num processo cultural que existe, que é concreto e que está vivo, e ajudando, com a sua presença, com a sua apreciação, a salientar a riqueza cultural de qualquer localidade ou território” (Mateus, 2002b).

O grande objectivo era aumentar o valor do património local junto da sua população, torná-los mais orgulhosos do seu passado e dos seus testemunhos materiais, aumentar a sua confiança e alternativas face aos desafios do futuro. Junto dos visitantes, contribuir para os enriquecer com o conhecimento relativo a um local de grande valor histórico e patrimonial, fazê-los sentir que, desse contacto, alguma coisa mais levam consigo quando terminam a visita, não só em termos de conhecimentos, mas nas suas memórias, nos seus afectos.