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Atividade VII: Ser mulher negra no Brasil

4 DISCUSSÃO DOS DADOS

4.1 Discussão das atividades de intervenção e dos questionários das atividades

4.1.8 Aula 24: 31 de maio de 2016

4.1.8.1 Atividade VII: Ser mulher negra no Brasil

A fim de problematizar a maneira como tais identidades se interseccionam trazendo diferentes perspectivas na vida das pessoas, discutimos sobre alguns dados estatísticos. Primeiramente, refletimos sobre os conceitos de misoginia, machismo e sexismo. Conceitos aparentemente prontos, apesar de não incomuns no cotidiano, precisam ser explorados em seus sentidos e significados, uma vez que concebo língua e linguagem aqui como prática social e simbólica (FAIRCLOUGH, 2008), isto é, cujos sentidos são criados e atribuídos socialmente. Por essa razão, explorar esses sentidos em sala de aula pode dar espaço para que os entendimentos sejam discutidos, por vezes ressignificados. Posteriormente, analisamos os dados de homicídios de mulheres brancas e negras a partir do gráfico encontrado no Mapa da Violência 2015 (BRASIL, 2015).

Imagem 8 – Homicídio de mulheres no Brasil

Fonte: Mapa da Violência 2015.

A partir desse gráfico, foi possível observar que o homicídio atinge muito mais as mulheres negras. Como é possível ver, de 2003 a 2013, a quantidade de homicídios de mulheres brancas caiu em 0,4 pontos ao passo que, no mesmo período, o homicídio de mulheres negras subiu 0,9 pontos. Por meio do gráfico, refletimos ainda que a Lei Maria da Penha possibilitou uma ligeira queda no número de homicídios de mulheres brancas e negras no ano seguinte a sua implementação em 2006, mantendo a taxa relativamente equilibrada para as mulheres brancas. Contudo, a partir de 2008, o número de homicídios de mulheres negras tende a subir consideravelmente nos anos seguintes, chegando ao seu ápice em 2012. Em vista disso, observamos, as/os alunas/os e eu, que a Lei trouxe muito pouco impacto na queda de homicídio de mulheres negras, que viu esse número crescer após a Lei. Dessa forma, verificou-se que a Lei beneficiou quase que exclusivamente mulheres brancas, mantendo relativamente a taxa após a sua queda em 2007. Além disso, observou-se que, quando se fala em homicídios contra mulheres no Brasil, as mulheres negras são as maiores vítimas.

Em seguida, passamos a refletir sobre a taxa de analfabetismo entre mulheres brancas e negras. Segundo o documento Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça30 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)/IBGE com dados de 1995 a 2014, a taxa de analfabetismo da população analfabeta de 15 anos ou mais de idade era de 4.554.707 para as negras e 1.988.459 para as brancas em 2014. Os dados mostram que o número de mulheres negras analfabetas acima de 15 anos era maior que o dobro de mulheres analfabetas brancas com a mesma idade.

Ao perguntar por que isso acontece, Cléo responde:

30

Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_educacao.html>. Acesso em: 21 maio 2016, 11:23:45.

Cléo: Porque raça está muito ligada à classe social atualmente. Então, logo após o fim da escravidão, é,

as oportunidades eram quase nulas para as pessoas negras, então, suprir as condições econômicas na nossa sociedade, ela é muito difícil e a escolarização também foi prejudicada por isso.

Em sua resposta Cléo destaca a relação estreita entre raça e classe social, categorias identitárias que influenciam no acesso de mulheres brancas e negras à educação. Nesse sentido, Telles (2003, p. 309) lembra que “a raça é um fator marcante para a exclusão social, criando uma estrutura de classes na qual os negros são mantidos nos níveis mais baixos”. Da mesma forma, Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011) apontam que a desigualdade social no Brasil apresenta um elemento racial.

As autoras ressaltam que, em um intenso estudo empírico patrocinado pela Unesco em 1950 a fim de analisar as relações raciais brasileiras, foi possível observar que os resquícios da escravidão ainda eram muito presentes no país e que a ausência de políticas públicas para integrar as/os ex-escravas/os na nova ordem social de trabalho relegou a/o negra/o à marginalização, impedindo-a/o de participar do plano político, econômico, social e cultural do país, além de dificultar sua transformação em cidadã/o. A esse respeito, Oliveira (2006) assevera que a escravidão e o autoritarismo contribuíram para o imaginário de inferioridade da/o negra/o. Segundo a autora, a “degenerescência do mestiço, o ideal de branqueamento e o mito da democracia racial foram mecanismos de dominação ideológica eficazes, que permanecem ainda hoje no imaginário social, o que tem dificultado a ascensão social da população negra e mestiça” (OLIVEIRA, 2006, p. 81).

Apesar das consequências do período colonial na estrutura social e racial da sociedade brasileira, Telles (2003) declara que as profundas desigualdades raciais não decorrem apenas da época da escravidão ou das desigualdades de classe, mas também de uma prática social corriqueira preconceituosa e de cunho racial que ainda persiste no país. O autor afirma que as desigualdades raciais no Brasil advêm principalmente de três aspectos: a grande desigualdade social, as barreiras discriminatórias que se fazem invisíveis e a cultura racista. Com efeito, o Brasil é um dos países com maior índice de desigualdade social do mundo e isso se manifesta, sobretudo, como barreiras de classe e de raça que dificultam o acesso de negras/os às camadas mais prestigiadas da sociedade. Da mesma forma, nossa cultura racista reforça estereótipos e preconceitos que excluem as/os negras/os cotidianamente.

Após as análises, questiono o porquê dessas diferenças na vida de mulheres brancas e negras:

Professeure : Pourquoi il y a ces différences ? Comment expliquer ces informations ? Cléo : Parce qu’il y a deux sistèmes d’oppresion : c’est le genre et la race.

Interação 18 – Tradução:

Professora: Por que existem essas diferenças? Como explicar essas informações? Cléo: Porque há dois sistemas de opressão: o gênero e a raça.

Ao trazer os dois sistemas de opressão sofridos pelas mulheres negras, Cléo demonstra, mais uma vez, perceber o impacto do gênero e da raça na vida dessas mulheres. Tal desigualdade advém, como foi possível observar nas análises anteriores, do período colonial. Nesse sentido, Carneiro (2004, p. 289) afirma que “o cruzamento entre

patriarcalismo, escravidão e racismo irá determinar as trajetórias diferenciadas que mulheres

negras e brancas trilharão no Brasil”. Daí a importância das lutas das mulheres negras dentro do movimento feminista. Com efeito, o movimento se iniciou por um seleto grupo de mulheres brancas de classe média alta e que tinha acesso à educação, saúde e lazer. Ou seja, por mulheres que se encontravam em um patamar social diferente de muitas outras, especialmente as negras. Como salienta hooks (2015), as mulheres privilegiadas buscavam igualdade de direitos sociais com os homens da sua classe, igualdade nos salários ou no estilo de vida. Dessa maneira, as feministas não tinham intenção de mudar, de fato, a estrutura da classe dominante. Na verdade, suas lutas se voltavam para a manutenção do status quo no que diz respeito à raça e à classe. Tratava-se de uma luta centrada nas opressões de gênero apenas. Não havia, portanto, uma preocupação com as mulheres negras que, além das opressões de gênero, sofriam também opressões impostas pela raça e pela classe social.

A partir dos dados analisados nessa atividade, percebe-se que, pouco mais de um século após a abolição da escravidão no Brasil, a população negra permanece à parte da sociedade. Como observam Cruz, Rodrigues e Barbosa (2011), as/os negras/os ainda não se encontram devidamente nos bancos das escolas, continuam ganhando menos em relação às/aos brancas/os e sofrendo de um racismo estrutural que as/os impede de ter acesso econômico e social.

Ao final da aula, foi entregue o questionário da Atividade VII (cf. apêndice 5). Nele, destaco alguns comentários. Do item O que você achou da atividade?, selecionei os seguintes relatos:

Eu achei muito interessante a atividade proposta, pois fiquei muito surpreso, impressionado e decepcionado com a diferença entre os negros e os brancos (JOSÉ).

Muito boa pois nos estimulou a pensar sobre como as mulheres negras são vistas como inferiores às mulheres brancas (BIEL).

A atividade proposta demonstrou [que] além de ter um preconceito contra mulheres, existe um preconceito entre raças (ROBERTA).

Gostei. É sempre bom ver estatísticas para entender que a situação é pior do que a gente pensa. Como sempre, a discussão foi interessante e estimulante (LENOR ESTEVÃO).

A proposta é interessante, dialogar e propor ideias para com a juventude atual. Saber a posição do adolescente em meio a realidade das mulheres e dos negros, para que haja uma posição (MANOCA). Eu achei maravilhosa! Essa conscientização é muito importante!!! (CLÉO).

Nos relatos acima, Roberta demonstra perceber a dupla opressão de gênero e raça sofrida pelas mulheres negras. Em seus comentários, as/os alunas/os parecem perceber como essas opressões afetam a vida de mulheres negras que são vistas como inferiores.

O diálogo aqui se torna essencial para um pensar crítico, pois sem ele não há educação nem transformação (FREIRE, 2011). Concordo com o autor ao dizer que o diálogo é um ato de amor ao mundo e aos homens, ele é esperança. Em outras palavras, o diálogo é uma atitude de esperança para um mundo mais humano, onde a opressão não seja naturalizada.

Do item Como foi discutir o tema em francês?, selecionei os seguintes comentários:

Importante para o vocabulário (LAUREN). Palavras novas (ROBERTA).

Ajuda a desenvolver minha linguagem (JOHNSON). Discutir em francês foi bom para escutar (JOSÉ).

Foi um pouco difícil, mas mais fácil do que outras discussões que tivemos em francês (LENOR ESTEVÃO).

As/os alunas/os apontam em seus comentários pontos relativos à língua em si. Demonstrando a importância de discutir temas sociais em francês para o desenvolvimento discursivo da língua, bem como na aquisição de vocabulário. Como se pode perceber ainda no comentário de Lenor Estevão, as discussões parecem fluir mais facilmente para ela que utiliza o francês para expressar suas opiniões.

Do item O que você aprendeu com a atividade?, destaco o comentário de Alexandre Agrigento: “Aprendi vários factos sobre a desigualdade entre mulheres brancas e mulheres negras especialmente. Também aprendi muito sobre o subjontif”. O comentário traz a relevância desse ensino não apenas para a conscientização crítica, mas também para o desenvolvimento linguístico das/os alunas/os que aprendem língua ao mesmo tempo em que refletem sobre questões sociais. Assim, é possível dizer que o LC favorece tanto a

aprendizagem da língua como estrutura quanto como discurso. Aqui, foi possível trazer essa prática pedagógica para a sala de aula por meio do ensino da estrutura gramatical. Essa prática pedagógica favoreceu a problematização das desigualdades ainda existentes entre mulheres brancas e negras por meio de dados estatísticos.