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1 INTRODUÇÃO

2.1 Identidades e ensino-aprendizagem de línguas

2.1.5 Identidades sociais de gênero

Nesta pesquisa, abordo e problematizo, em minhas aulas, as identidades de gênero, juntamente com as de raça/etnia. Infelizmente, o Brasil ainda é um país muito sexista que apresenta um grande número de mortes por questões de gênero. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), estima-se que entre 2009 e 2011, o Brasil registrou 16,9 mil feminicídios, ou seja, mortes de mulheres por conflito de gênero somente pelo fato de serem mulheres, sobretudo por casos de agressão cometidos por parceiros íntimos6.

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Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=19873 >. Acesso em: 21 dez. 2015, 10:32:20.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil é o sétimo no ranking mundial de assassinatos de mulheres7.

Conforme a Rede Brasil Atual, a Lei n°11.340, mais conhecida por Lei Maria da Penha, que protege as mulheres da violência doméstica e familiar, instituída em 2006 no Brasil, reduziu, desde a data de sua implementação até 2013, em 10% a morte de mulheres por esse tipo de violência.8 Contudo, o impacto seria maior se não houvesse certos obstáculos a serem enfrentados pelas mulheres para denunciar. De acordo com a British Broadcasting

Corporation Brasil, a quantidade de Delegacias da Mulher ainda é bastante restrita e não

funciona 24h por dia nem nos finais de semana, o que as leva a recorrerem às delegacias tradicionais onde não há o devido preparo dos agentes públicos para lidar com casos de violência desse tipo9. Ainda segundo o IPEA, para 26% das/os brasileiras/os, mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.10

Com base em dados como esses, é possível perceber que a supremacia masculina (FERREIRA; FERREIRA, 2011), que coloca o homem em um patamar de superioridade em relação à mulher, traz impactos diretos na vida das mulheres no Brasil. Acredito que a escola tem o papel de discutir temas da sociedade, pois uma das suas principais funções é formar cidadãs/os críticas/os. Assim, vale refletir sobre uma educação mais igualitária entre meninas e meninos e nas suas possíveis consequências para a sociedade.

Nessa perspectiva, as diferenças existentes entre os gêneros masculino e feminino e nas maneiras como eles operam nas relações sociais de poder se devem à cultura e não a aspectos biológicos. Aqui, vale ressaltar a diferença entre sexo e gênero. O sexo é biológico e é definido pelas características físicas e genéticas de uma pessoa, enquanto o gênero é uma construção social. Ele descreve aquilo que uma sociedade, em um dado momento histórico, define como feminino e masculino, daí o que Simone de Beauvoir quis dizer em sua obra O

Segundo Sexo, escrita em 1949. Segundo Louro (2008), a frase da autora “ninguém nasce

mulher: torna-se mulher” (BEAUVOIR, 2009, p. 9) teve bastante impacto no mundo todo e foi repetida por militantes e estudantes para mostrar que seu modo de ser e estar no mundo se baseava em uma construção social, pois “fazer-se mulher dependia das marcas, dos gestos,

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Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/mapa-da-violencia-2012-atualizacao-homicidio-de- mulheres-no-brasil/ >. Acesso em: 21 dez. 2015, 10:36:56.

8

Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2015/03/lei-maria-da-penha-reduz-em-10-morte- de-mulheres-por-violencia-domestica-7576.html>. Acesso em: 21 dez. 2015, 10:47:32.

9

Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151209_obstaculos_violencia_mulher_rm>. Acesso em: 21 dez. 2015, 18:23:34.

10

Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-04-04/resultado-de-pesquisa-sobre-ataques- contra-mulheres-estava-errada-diz-ipea.html>. Acesso em: 23 fev. 2016, 13:40:45.

dos comportamentos, das preferências e dos desgostos que lhes eram ensinados e reiterados, cotidianamente, conforme normas e valores de uma dada cultura” (LOURO, 2008, p. 17).

Nesse sentido, Oliveira (2006) ressalta que homens e mulheres são categorias simbólicas, cujos papéis são construídos na sociedade. Para ela,

gênero não é sinônimo dos sexos masculino e feminino, mas uma categoria teórica correspondente ao conjunto de significados, símbolos e atributos que cada sociedade constrói, mediante sua história, para caracterizar e diferenciar cada um dos sexos. As diferenças biológicas entre homens e mulheres, assim como os papéis adequados a eles e a elas, são percebidos e interpretados segundo as construções de gênero de cada sociedade. (OLIVEIRA, 2006, p. 35).

Como destaca a autora, os papéis de gênero variam de acordo com a sociedade. São os valores atribuídos a homens e mulheres que vão interferir na maneira como são vistos e, consequentemente, na maneira como se constroem ao longo do tempo e do espaço.

Vivemos em uma sociedade onde o gênero masculino prevalece sobre o feminino, mas tal hierarquia é arbitrária e foi socialmente construída e reforçada ao longo dos anos, gerando diferenças que não são inatas e nem biológicas, mas sociais. Portanto, o gênero é uma ferramenta importante para compreender como se constroem as desigualdades entre homens e mulheres. Meninos e meninas, por exemplo, não recebem a mesma educação. Desde muito cedo, a sociedade define os papéis sociais de cada um, atribuindo qualidades e comportamentos diferentes. Os adjetivos utilizados para caracterizá-los é um exemplo dessa construção. As meninas são tidas como mais “sensíveis”, “calmas”, “ponderadas” “limpas” e “organizadas”, já os meninos como mais “fortes”, “durões”, “impulsivos”, “esportivos” e “objetivos”. Esses estereótipos vão influenciar na maneira como serão e nos espaços que vão ocupar nas suas vidas pessoais e profissionais (BRASIL, 2009).

Como pode ser visto, parte-se de aspectos biológicos para se chegar ao social, aos lugares que cada gênero poderia ou se esperaria alcançar. Nesse sentido, os PCNs de 1998 afirmam que

o conceito de gênero diz respeito ao conjunto das representações sociais e culturais construídas a partir da diferença biológica dos sexos. Enquanto o sexo diz respeito ao atributo anatômico, no conceito de gênero toma-se o desenvolvimento das noções de ‘masculino’ e ‘feminino’ como construção social. O uso desse conceito permite abandonar a explicação da natureza como a responsável pela grande diferença existente entre os comportamentos e os lugares ocupados por homens e mulheres na sociedade. Essa diferença historicamente tem privilegiado os homens, na medida em

que a sociedade não tem oferecido as mesmas oportunidades de inserção social e exercício de cidadania a homens e mulheres. Mesmo com a grande transformação dos costumes e dos valores que vêm ocorrendo nas últimas décadas, ainda persistem muitas discriminações, por vezes encobertas, relacionadas ao gênero. (BRASIL, 1998, p. 321-322).

Como exemplo dessas diferenças, podemos citar as desigualdades existentes entre homens e mulheres no mercado de trabalho (BRASIL, 2009). A grande maioria dos postos de direção é chefiada por homens e ainda é possível ver significativas diferenças salariais entre homens e mulheres. Os homens também estão mais presentes nas áreas ditas exatas como engenharia, matemática, física e informática, enquanto as mulheres se concentram nas carreiras das ciências humanas, como enfermagem, nutrição, fonoaudiologia, serviço social, letras, entre outros. Ou seja, as mulheres se encontram substancialmente em profissões relacionadas ao cuidado e ensino, tidas como tipicamente femininas. Olhando de maneira superficial, parece que essas escolhas são naturais, baseadas em aptidões ou capacidades distintas entre homens e mulheres. Contudo, “se observarmos com atenção, veremos que a distribuição de homens e mulheres no mercado de trabalho e as desigualdades decorrentes podem ser socialmente compreendidas e atribuídas às assimetrias de gênero” (BRASIL, 2009, p. 40).

Dessa forma, é possível perceber que a sociedade constrói as identidades do que é ser homem e mulher e nós agimos de acordo com tal construção que nos é passada desde o berço, desde as cores do nosso quarto, das nossas roupas e dos nossos brinquedos. Há uma expectativa social do que homens e mulheres podem fazer, na maneira como devem falar, andar, brincar, se relacionar e uma expectativa sobre que lugares devem ocupar, tanto na vida profissional quanto pessoal. Contudo, “esses modelos de comportamento sexual e social podem se tornar verdadeiras prisões ou fontes de agudo sofrimento quando os rapazes e as moças não se encaixam nos estereótipos de gênero previamente designados”(BRASIL, 2009, p.53).

Tudo isso revela que as diferenças entre os gêneros não são naturais, mas socialmente construídas. Joan Scott (1995), uma grande especialista na história do movimento operário no século XIX e do feminismo na França, também traz uma reflexão social sobre o tema. Segundo a pesquisadora, o gênero indica uma construção social sobre os papéis que homens e mulheres exercem na sociedade, ele remete às suas identidades subjetivas. A autora ressalta que, de acordo com essa definição, o gênero é uma categoria social instituída sobre um corpo sexuado, revelando o quanto o termo é útil ao possibilitar uma forma de diferenciar a prática

sexual dos papéis que são atribuídos a homens e mulheres. Assim, não se tem “a pretensão de negar que o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas” (LOURO, 2003, p. 22).

Em vista disso, no Brasil, Louro (2008) ressalta a afirmação de uma nova política cultural, a política de identidades, em que, sobretudo a partir dos anos 1960,

jovens, estudantes, negros, mulheres, as chamadas ‘minorias’ sexuais e étnicas passaram a falar mais alto, denunciando sua inconformidade e seu desencanto, questionando teorias e conceitos, derrubando fórmulas, criando novas linguagens e construindo novas práticas sociais. (LOURO, 2008, p. 20).

Para a autora, essa luta buscava tornar visíveis outros modos de viver, ressaltando suas estéticas, histórias, experiências e questões, em busca de uma autorrepresentação.

Outra pesquisadora de renome na área de relações de gênero é Auad que, em 2003, traz em seu texto uma reflexão a respeito das relações entre cidadania, educação em direitos humanos, categoria de gênero e democracia. Citando Benevides (1996), a autora diz que uma educação para a democracia tem como objetivo formar sujeitos para a vivência de valores republicanos e democráticos, tornando-se conscientes de seus semelhantes e fomentando a solidariedade. Trata-se de uma cidadania ativa que prepara para a participação na vida pública como governante ou como cidadã/o comum, pois, “a democracia não existe sem uma educação apropriada, sem a formação de cidadãos democráticos” (BENEVIDES, 1996 apud AUAD, 2003, p. 138).

Vale ressaltar que as categorias identitárias são somadas na forma como uma pessoa é vista na sociedade – o que chamamos de interseccionalidade das identidades. Nesse sentido, Oliveira (2006) destaca que o conceito de gênero, enquanto categoria científica, passou a ser associado aos conceitos de raça e classe social, nutrindo-se desses sistemas discriminatórios. Assim, ser mulher branca é muito diferente de ser mulher negra e, se somarmos a isso a classe social e a sexualidade, por exemplo, esse leque de diferenças se torna ainda maior.

As identidades sociais estão entrelaçadas e se relacionam na maneira como as pessoas se veem e são vistas pelas/os outras/os e como são representadas nos espaços sociais.

Segundo hooks11 (2015), as categorias sociais se interseccionam produzindo diferentes tipos de opressões, exclusões e violências. Daí a importância de analisá-las em conjunto.

Tendo em vista a estreita relação do gênero com outras identidades sociais, decidi, juntamente com minha orientadora, interseccioná-lo com as de raça/etnia a fim de propor às/aos alunas/os reflexões mais amplas do papel dessas categorias identitárias na constituição da desigualdade social.

A seguir, passo a discutir sobre as identidades sociais de raça/etnia e a maneira como se deu sua construção ao longo dos anos em diferentes contextos.