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4 DISCUSSÃO DOS DADOS

4.2 Discussão das produções escritas

4.2.1 Produção Escrita I

A primeira produção foi solicitada após as atividades abordando gênero, mais especificamente no dia 17/05/16. Assim, eu buscava verificar o que ficou das reflexões e discussões feitas em sala de aula, seus possíveis desdobramentos na (re)construção das identidades sociais de gênero, bem como na formação de cidadãs/os críticas/os. As/os alunas/os Lara, Washington e Lenor Estevão não fizeram a Produção Escrita I. As discussões são feitas com base na maneira como as/os alunas/os abordaram o tema: os primeiros humanos, biologia versus sociedade; os brinquedos; as crianças e, finalmente, a importância da igualdade feminina.

Abordando os primeiros humanos, Anna W ressaltou a concepção de gênero como construção social, diferentemente do sexo, que é definido biologicamente:

Imagem 10 – “(...) não se nasce mulher, torna-se mulher” (ANNA W)

Fonte: Produção Escrita I

Tradução: Como disse Simone de Beauvoir “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. A ideia da

feminista foi construída há muito tempo, mas quando analisamos os primeiros humanos, a divisão [do trabalho] foi fundada apenas pelo critério da diferença biológica (...) (ANNA W).

Ao trazer Simone de Beauvoir, Anna W, conforme se pode ver na imagem 10, frisa a importância do contexto social para a construção do gênero feminino, descartando concepções naturalizadas da conduta feminina. Contudo, ela aponta que a divisão feita entre homens e mulheres se deu a partir do sexo biológico. Ou seja, apesar de a participante demonstrar reconhecer a construção social do gênero, ela parece entender as diferenças nas atribuições profissionais de homens e mulheres como decorrentes do sexo e não da sociedade. A essa respeito, Louro (2003, p. 21) afirma que, “seja no âmbito do senso comum, seja revestido por uma ‘linguagem científica’, a distinção biológica, ou melhor, a distinção sexual, serve para compreender — e justificar — a desigualdade social”. Para a autora, não são exatamente as características sexuais que resultam em desigualdades, mas o que se pensa a respeito dessas características e o valor que lhes é dado é que vai constituir o que é feminino e masculino em uma dada sociedade em um determinado momento histórico.

Assim, é possível dizer que, mesmo na pré-história, os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres eram muito mais incentivados pelos valores conferidos a essas funções do que propriamente pelas diferenças entre os sexos. Isso vai influenciar nos espaços sociais ocupados por cada um/a na sociedade, gerando inúmeras desigualdades sociais.A participante parece, então, se basear em discursos propagados pelo senso comum que tendem a naturalizar as diferenças nas atividades profissionais de homens e mulheres como advindas de suas especificidades biológicas e não dos valores sociais atribuídos a tais atividades.

O aluno Johnson ressalta a relação biologia versus sociedade em seu texto:

Imagem 11 – “(...) as bases da sociedade humana são construídas por dois gêneros (...)” (JOHNSON).

Fonte: Produção Escrita I

Tradução: As bases da vida humana são construídas por dois sexos: macho e fêmea. Mas as bases da

sociedade humana são construídas por dois gêneros: masculino e feminino. Os dois gêneros são construídos em uma cultura. A origem é quando o ser humano começa a viver em sociedade, uma vez que o gênero se passa nas relações sociais. A construção dos gêneros são diferentes para o homem e para a mulher (JOHNSON).

Conforme pode ser visto na imagem 11, Johnson enfatiza o caráter biológico do macho e da fêmea como as bases da vida humana. Já as noções de masculino e feminino, que correspondem ao gênero, são sociais e culturais. Ele demonstra entender tais concepções como as bases da sociedade humana, enfatizando o lado social na construção do gênero, sendo, portanto, diferente para homens e mulheres.

Biel também ressalta a diferença entre sexo e gênero. Pare ele, o sexo está ligado a características biológicas e o gênero à maneira pela qual uma pessoa se identifica, ressaltando o caráter social na construção da identidade de gênero. Para ele, uma pessoa deveria ser reconhecida na sociedade pelo gênero com o qual se identifica e não pelo sexo definido no nascimento. Além disso, ele evidencia a discriminação sofrida pelas pessoas que não se enquadram nessas construções:

Imagem 12 – “A identidade de gênero é saber como um indivíduo se identifica na sociedade (...)” (BIEL).

Fonte: Produção Escrita I

Tradução: A identidade de gênero é saber como um indivíduo se identifica na sociedade, como ele se

sente, sem relação com fatores biológicos. Por exemplo, uma pessoa que nasceu biologicamente do sexo masculino, mas que se identifica com o papel social do gênero feminino, deveria ser reconhecido socialmente como uma mulher. Atualmente, ainda não é fácil [ser] aceito pela maior parte da sociedade (BIEL).

Biel traz em seu texto uma perspectiva mais social que envolve as múltiplas formas de viver os gêneros, se contrapondo à noção singular de masculino e feminino que negam os sujeitos sociais que não se “enquadram” em uma dessas concepções (LOURO, 2003, p. 34). Nesse sentido, ele transgride as fronteiras opressoras de dominação impostas pelo gênero, como sugere hooks (2013), demonstrando entender as identidades de gênero como socialmente construídas e ligadas à maneira como a pessoa se vê situada no mundo. José segue na mesma direção, ressaltando a importância da liberdade para que o sujeito possa ser o que quiser:

Imagem 13 – “(...) Eu sou o que eu quiser ser (...)” (JOSÉ).

Fonte: Produção Escrita I

Mesmo sendo o aluno mais novo da turma, com 14 anos, José demonstra ter uma compreensão menos preconceituosa e estereotipada das identidades de gênero.

Lauren menciona as diferenças de brinquedos dados a meninos e meninas e suas implicações em suas vidas profissionais:

Imagem 14 –“Tudo começa com os brinquedos que a criança ganha (...)” (LAUREN).

Fonte: Produção Escrita I

Tradução: Caros estudantes, na sociedade atual é muito comum algumas atividades a associar com os

homens ou as mulheres, mas vocês já se perguntaram por quê?

Tudo começa com os brinquedos que a criança ganha, para as meninas bonecas e coisas a fazer com a casa e para os meninos monstros e as “coisas perigosas”. Assim eles são educados da forma que a sociedade quer, é então comum ouvir que um determinado trabalho como pedreiro, arquiteto et etc., é associado aos homens porque ele está ligado à força física, e alguns empregos estão ligados às mulheres, pois ele é considerado como frágil, como cabeleireiro, empregada et etc. (LAUREN).

Já no início do seu texto, Lauren incita à reflexão. Ela traz exemplos da Atividade V (cf. seção 4.1.6.1) sobre a construção do gênero. Ao abordar a diferença dos brinquedos recebidos por meninos e meninas, e as possíveis consequências em suas vidas profissionais, ela demonstra perceber a influência da sociedade na formação dos gêneros desde a infância.

Em outras palavras, ela parece entender que muitas das nossas escolhas profissionais são incentivadas já na infância por meio dos brinquedos que recebemos, tendo em vista o que eles representam na fomação identitária de meninos e meninas.

Alexandre Agrigento destaca as limitações impostas pelos padrões de gênero:

Imagem 15 – “O problema do gênero começa na sociedade, onde os arquétipos do gênero masculino e feminino nasceram” (ALEXANDRE AGRIGENTO).

Fonte: Produção Escrita I

Tradução: O problema do gênero começa na sociedade, onde os arquétipos do gênero masculino e

feminino nasceram. Quando um modelo arquétipo é forçado sobre os jovens, não há a oportunidade de ser original ou mesmo um pouco diferente (ALEXANDRE AGRIGENTO).

No seu texto, Alexandre Agrigento demonstra entender os modelos de gênero como socialmente construídos e o poder que eles ganham na sociedade para impor comportamentos a homens e mulheres, impedindo-as/os, muitas vezes, de serem originais ou diferentes. Tais modelos levam mulheres e homens a exercer determinadas atividades na sociedade, como destaca o participante Manoca:

Imagem 16 – “De acordo com a sociedade a mulher deve estar na cozinha (...)” (MANOCA).

Tradução: De acordo com a sociedade a mulher deve estar na cozinha, [lavar] louça, cuidar dos filhos,

os homens trabalham para colocar a comida na mesa. (MANOCA).

Manoca traz, na imagem 16, algumas funções atribuídas a homens e mulheres na sociedade. Contudo, no texto integral da sua produção, ele não chega a abordar as possíveis origens dessas práticas, o porquê de elas existirem a fim de sustentar suas afirmações. Ele parece ter se servido aqui de discursos cristalizados da sociedade sem ter refletido sobre eles.

Buscando uma possível solução para as limitações impostas pelo padrão de gênero, a participante Lauren sugere dar voz às crianças para que possam opinar sobre seus brinquedos ou a maneira como gostariam de se vestir:

Imagem 17 – “(...) quando nós tivermos filhos, nós devemos deixá-los escolher o que querem jogar ou como querem se vestir (...)” (LAUREN).

Fonte: Produção Escrita I

Tradução: Então quando nós temos filhos, nós devemos deixá-los escolher o que eles querem jogar ou

como vocês querem se vestir porque assim eles vão ser eles mesmos e vão poder mudar os conceitos no futuro (LAUREN).

Lauren parece entender a escolha das crianças como uma maneira de ir contra os modelos de gênero impostos pela sociedade, como uma possibilidade para que a criança manifeste seus desejos e exponha suas percepções de como se vê inserida no mundo. Para Lauren, isso pode levar a sociedade a mudar tais padrões.

Seguindo nessa mesma direção, Roberta recorre à necessidade de se adaptar ao mundo moderno, levando em conta as novas formas de viver as identidades sociais e a importância de conscientizar a nova geração para um mundo melhor.

Imagem 18 – “Os tempos mudam e é necessário estabelecer novas regras que incluem todas as ideias” (ROBERTA).

Fonte: Produção Escrita I

Tradução: Os tempos mudam e é necessário estabelecer novas regras que incluem todas as ideias.

Começando a mostrar à nova geração nossos erros para fixar e criar um mundo melhor (ROBERTA).

Nesse sentido, é preciso desconstruir as oposições binárias: masculino e feminino na sociedade (SCOTT, 1995). A autora observa que é frequente, nas relações sociais, a dicotomia polarizada dos gêneros. Em outras palavras, é relevante perceber que os gêneros não são opostos, eles se interseccionam, havendo, portanto, diferentes formas de vivê-los.

Outra maneira encontrada pelas/os alunas/os de abordar o tema foi ressaltando a importância da igualdade feminina. Cléo acredita que devemos lutar para reverter esse quadro, ressaltando a relevância da luta feminista, bem como daqueles que se encontram excluídos da sociedade, na construção de uma sociedade mais justa para todas/os:

Imagem 19 – “(...) a luta por igualdade para todas as mulheres é importante (...)” (CLÉO).

Fonte: Produção Escrita I

Tradução: Consequentemente, a luta pela igualdade para todas as mulheres é importante, assim como

todo grupo marginalizado, então tem uma sociedade justa em que todas as pessoas têm seus direitos garantidos (CLÉO).

Tendo em vista os excertos discutidos nesta seção, de maneira geral, as/os alunas/os demonstraram ter refletido sobre as origens e as consequências do padrão de gênero na sociedade, trazendo ainda possíveis ideias para ir além desses arquétipos. Elas/es buscaram

exemplos para seus argumentos não apenas nas discussões em sala de aula, como também fora dela, demonstrando suas agências na construção dos discursos.

Na seção a seguir, faço a discussão dos dados gerados na segunda produção escrita.