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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 Retomando as perguntas de pesquisa

Quando tive acesso às leituras sobre identidades no ensino de línguas e as perspectivas críticas de ensino, busquei desenvolver uma pesquisa que trouxesse esse aporte social, não apenas às/aos minhas/meus alunas/os, como também para minha prática pedagógica. Isso me levou a desenvolver um trabalho de letramento crítico nas aulas de francês procurando problematizar identidades sociais de gênero e raça/etnia tendo, como ponto de partida, algumas inquietações e perguntas que me guiaram durante todo o processo de realização da pesquisa.

Nas seções a seguir, busco responder a cada uma delas tendo como base as discussões feitas no capítulo anterior.

5.1.1 Quais as percepções das/os participantes sobre as identidades sociais de gênero e raça/etnia? Como elas/es entendem a dinâmica dessas identidades na sociedade?

Neste trabalho, observei que, de maneira geral, as/os participantes demonstraram, por meio de seus discursos ter uma visão mais crítica da sociedade, indo, muitas vezes, além de opiniões formadas pelo senso comum. Acredito que a maioria delas/es já tinham essa visão antes da pesquisa, sobretudo, as/os participantes Cléo, Alexandre Agrigento e Lenor Estevão, trazendo suas percepções e pontos de vista para fomentar as problematizações. Contudo, houve momentos em que os discursos das/os alunas/os naturalizaram práticas sociais, o que possibilitou refletir sobre elas e buscar compreender o processo histórico e social que levou à sua construção.

Algumas/ns alunas/os, sobretudo as/os da rede privada, se destacaram por ressaltar as diferenças de poder existentes entre as identidades, bem como as intersecções identitárias que trazem diferentes implicações na vida das pessoas (HOOKS, 2010). Elas/es participaram mais ativamente das interações, demonstrando ter uma percepção mais crítica e desnaturalizada das práticas sociais. Acredito que isso advém dos próprios ambientes nos quais elas/es se encontram inseridas/os, seja em casa ou na escola, levando-as/os a desenvolver suas agências

na busca por textos diversos que constroem discursos sobre as situações do dia a dia, possibilitando melhor compreender as possíveis implicações dessas práticas na sociedade.

5.1.2 Como o letramento crítico propicia interações e abre espaço para problematização e (re)construção de identidades em um contexto de francês como língua adicional? Quais as possibilidades e desafios ao desenvolver esse ensino em sala de aula?

Nesta pesquisa, foi possível perceber que o LC nas aulas de francês favorece a problematização de identidades por meio do questionamento das práticas sociais, propiciando a desconstrução de discursos cristalizados e a reflexão sobre as estruturas e hierarquias sociais. Não se pode esquecer, porém, que existem diferentes maneiras de trabalhar com o LC. Afinal, não se trata de uma metodologia, mas de uma maneira de agir em sala de aula (FERREIRA, 2006; DUBOC, 2015). Logo, os resultados apresentados nesta pesquisa trazem algumas possibilidades de desenvolver esse ensino. Outro contexto social traria, portanto, diferentes arranjos na organização e no desenvolvimento da pesquisa. Tendo em vista o contexto de ensino no qual este estudo se encontra – alunas/os provenientes de escolas privadas e públicas interagindo na aprendizagem do francês na AF de Brasília – o trabalho com LC trouxe algumas possibilidades e desafios para problematização e (re)construção de identidades sociais na aula de línguas.

No que tange às possibilidades, observei que esse ensino pode se dar a partir do questionamento de imagens e discursos presentes no próprio livro didático. Nesse sentido, destaco as Atividades II e X que tiveram como base o material previsto em sala de aula, buscando trazer as situações encontradas para a realidade das/os alunas/os. Além disso, foi possível desenvolver esse trabalho por meio de atividades baseadas na estrutura da língua (cf. seção 4.1.8) na qual propus às/os alunas/os que construíssem enunciados levando em conta a estrutura gramatical prevista no livro didático, trazendo exemplos de ações a serem realizadas para diminuir as desigualdades de gêneros. Ademais, refletimos sobre diferentes práticas sociais a partir de atividades de intervenção desenvolvidas ao longo do semestre, abordando situações do dia a dia a fim de incitar a reflexão sobre os eventos presentes em nossas vidas e que passam, muitas vezes, despercebidos. Nesse sentido, as/os próprias/os alunas/os também trouxeram casos a serem debatidos em sala.

Dessa forma, considero que o trabalho dentro da perspectiva do LC pode ser feito nas brechas da sala de aula (DUBOC, 2015), partindo de situações que surgem nesse ambiente de ensino, como também das interações entre as/os alunas/os e a professora-pesquisadora uma

vez que a configuração da sociedade encontra-se presente na escola com todas as suas crenças, preconceitos e discriminações.

Um dos desafios encontrados foi o uso da língua-alvo, sobretudo no início da pesquisa. As aulas de línguas, em geral, não envolvem discutir e problematizar questões sociais que focam nas desigualdades e relações assimétricas de poder. Muitas vezes, os temas são apenas mencionados sem que se faça uma devida reflexão sobre eles. Logo, as/os alunas/os não estão acostumadas/os a expor seus pontos de vista sobre as práticas sociais em sala de aula, menos ainda a usar a língua francesa para esse fim.

Com o desenrolar da pesquisa, as/os participantes foram ganhando não apenas vocabulário e conhecimentos gramaticais, mas, principalmente, confiança e prática para usar a língua-alvo para falarem de si mesmas/os. Ou seja, as/os estudantes foram se apropriando da língua, usando-a para expressarem suas emoções e sentimentos. Nesse sentido, acredito ser pertinente ressaltar que o uso do português nas interações não se mostrou mais evidente que nas minhas aulas anteriores à pesquisa. Professora de francês há 10 anos, não me recordo de aulas nas quais as/os alunas/os não recorriam ao português, em algum momento, para se esclarecerem melhor seus pontos de vista. Seja em trabalhos em grupo ou diante de toda a turma, era comum as/os alunas/os fazerem uso da língua materna para esclarecessem melhor seus pontos de vista. Diante disso, é possível levantar algumas questões: o português não está sempre presente nas aulas de línguas? Como ele pode contribuir nesse sentido? Ao estudar uma língua, é comum fazermos associações com a nossa língua materna ou até mesmo com outras línguas. Isso nos mostra que as línguas estão em interação e fazem parte do processo de ensino e aprendizagem, seja nas associações mentais ou mesmo nas interações entre as/os alunas/os. Dessa forma, acredito que o uso da língua materna não seja um problema em si. Na verdade, ela contribui para a organização do pensamento e articulação do discurso também na língua-alvo preparando a/o aluna/o para participar dos debates e embates não apenas da sala de aula, mas também fora dela. Contudo, podemos incentivar cada vez mais o uso da língua- alvo, criando oportunidades para usá-la em momentos autênticos nos quais as/os alunas/os possam se posicionar em situações que dizem respeito às suas realidades e vivências, expressando suas opiniões e pensamentos, como foi feito nesta pesquisa.

Outro desafio encontrado foi no planejamento das aulas para conciliar a reflexão dos temas da pesquisa com o livro didático. O material usado em sala abordava diferentes temas, muitas vezes de maneira superficial e neutra, o que possibilitou refletir mais criticamente sobre eles. Quando o livro didático trazia temas voltados para questões de gênero e raça/etnia, eu buscava desenvolver as atividades de intervenção com base nesse material. Quando não, eu

desenvolvia, à parte, atividades voltadas para tais temas, buscando refletir sobre as construções sociais, bem como as consequências das relações de poder e hierarquias no acesso a espaços privilegiados da sociedade, como: saúde, educação, lazer, trabalho, dentre outros. Essas atividades possibilitaram quebrar com a rotina da sala de aula que, geralmente, é voltada para o livro didático, possibilitando ir além do currículo imposto.

Contudo, o grande desafio que encontrei foi na problematização em si, em quais perguntas fazer e o que esperar das interações. Tendo em vista que essa prática pedagógica exige preparo e formação docente adequada, antes e durante a pesquisa eu ficava muito ansiosa e apreensiva, me questionava como iria conduzir as aulas, o que as/os alunas/os iriam aprender com as discussões, bem como o que iriam perguntar. Procurava informações e possíveis respostas com receio de deixar lacunas, como se fosse possível preencher todos os vazios que as discussões fatalmente vão deixar. Vazios esses que se tornam importantes no momento em que nos leva a outros questionamentos. Buscava, de alguma forma, que as aulas pudessem ajudar as/os alunas/os a refletir sobre diferentes situações da realidade e, se possível, a perceber as relações assimétricas de poder que trazem inúmeras desigualdades e diferentes perspectivas de vida para os sujeitos problematizados nesta pesquisa.

5.1.3 Quais os desdobramentos do letramento crítico para a (re)construção de identidades sociais de gênero e raça/etnia, bem como para a formação de cidadãs/os críticas/os e reflexivas/os?

Neste estudo, observou-se que o trabalho com LC na aula de línguas, por meio das discussões feitas em sala, favoreceu a reflexão crítica das/os participantes por possibilitar se expressar sobre temas que, muitas vezes, não encontram o devido espaço nas diferentes instituições da sociedade reconhecidas por construir discursos legitimados, como a família, a igreja, a mídia e até mesmo a escola.

Nas produções escritas, as/os alunas/os construíram textos coesos e coerentes a respeito dos temas debatidos em sala. Elas/es dissertaram e argumentaram, na língua francesa, por meio de exemplos baseados não somente nas discussões, mas também em textos à parte, apontando o desdobramento desse ensino na agência das/os educandos. Em seus textos, elas/es estavam reconstruindo as identidades sociais, ressignificando os sentidos e as imagens correspondentes a elas.

Da mesma forma, no questionário final, as/os alunas/os relataram ter refletido e desconstruído preconceitos, mostrando como as problematizações em sala podem contribuir

para reconstruir identidades sociais, uma vez que não são fixas nem estáveis (SILVA, 2014; HALL, 2014). Além disso, elas/es demonstraram se ver como pessoas críticas, alguém que reflete sobre as situações da vida social para poder agir na sociedade.

Nesse sentido, percebo que o LC favoreceu a problematização e a reflexão das práticas sociais tanto para as/os alunas/os da rede privada quanto para as/os da rede pública, que, mesmo sem terem deixado suas vozes serem ouvidas como as/os demais, puderam se expressar nas Produções Escritas ou ainda no questionário final, talvez um meio mais seguro que elas/es encontraram para expor suas opiniões. Ademais, com as problematizações em sala de aula, essas/es alunas/os tiveram acesso a diferentes vozes das quais poderão se apropriar para construir seus próprios discursos.

Finalmente, elas/es afirmaram ter aprendido diferentes aspectos da língua francesa, usando-a para se expressarem sobre situações cotidianas de seu interesse. Percebe-se que esse trabalho permitiu desenvolver as capacidades linguístico-discursivas das/os participantes, a competência política e a conscientização crítica tão preconizada por Freire (2011). Assim, pode-se dizer que o LC trouxe desdobramentos positivos para a (re)construção de identidades sociais de gênero e raça/etnia cujos sentidos foram ressignificados, favorecendo a formação de cidadãs/os críticas/os e reflexivas/os para que possam agir na democracia em busca de uma sociedade menos opressora e desigual. Contudo, acredito que a pedagogia crítica não pode ser vista como uma resposta aos problemas da sociedade, caso contrário voltamos para a concepção de escola como redentora da verdade absoluta. A meu ver, a escola deve ser vista como mais um espaço onde é possível e desejável discutir questões sociais que dizem respeito à vida das/os alunas/os, tendo em vista que ela lida com a diversidade que se encontra na própria sociedade, possibilitando ter acesso a diferentes realidades e pontos de vista.