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4 DISCUSSÃO DOS DADOS

4.1 Discussão das atividades de intervenção e dos questionários das atividades

4.1.5 Aula 17: 03 de maio de 2016

Nesta aula desenvolvemos a Atividade IV que retrata as desigualdades entre homens e mulheres em diferentes contextos sociais. Havia 6 alunas/os presentes. Desenvolvi a atividade durante toda a aula. Esta atividade está disponível no site da TV5 Monde23. Trata-se de uma rede de televisão francófona que oferece programas, jogos, além de um espaço dedicado ao aprendizado da língua francesa. O objetivo era analisar a maneira como as/os participantes percebem os papéis sociais de homens e mulheres na sociedade refletindo sobre diversas práticas sociais.

No subtópico seguinte faço a descrição da referida atividade.

4.1.5.1 Atividade IV: Desigualdades entre homens e mulheres

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O primeiro exercício da atividade corresponde à imagem a seguir:

Imagem 4 – Masculino ou feminino?

Fonte: TV5 Monde.

Aqui, as/os alunas/os deveriam ler os enunciados e dizer se, em geral, eles correspondiam aos homens ou às mulheres. A maioria das/os alunas/os concordou em suas repostas, ou seja, o lugar que cada gênero ocupa na sociedade estava, de certa forma, construído no imaginário coletivo. As respostas das/os alunas/os podem ser vistas na tabela a seguir:

Tabela 5 – Masculino ou feminino?24

H M H M

Ganham muito dinheiro 6 Recebem um prêmio Nobel 6

Dirigem um empresa 6 São analfabetos/as 2 3

Ocupam-se dos afazeres domésticos

6 São violentos/as 6

Têm acidentes de carro 4 2 Têm grandes responsabilidades políticas

6 Fonte: Atividade IV.

Como pode ser visto na tabela 5, ao falar do prêmio Nobel, todas/os eram de acordo que há mais homens vencedores desse prêmio quando comparado à quantidade de mulheres. Lenor Estevão e Alexandre Agrigento destacam haver pouquíssimas mulheres nesse contexto. Devido ao posicionamento de ambas/os, pergunto por que isso acontece. Anna W disse que “no passado (...) os homens receberam mais educação”. Apesar de as/os alunas/os terem voltado no tempo a fim de buscar possíveis respostas no passado, teria sido interessante questioná-las/os por que os homens foram mais à escola que as mulheres. O que levava os homens a estudarem mais? Isso implicaria rever a organização patriarcal da sociedade da

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época e que ainda persiste em muitos lugares nos dias de hoje. De fato, não estava nos meus planos buscar uma reflexão naquele momento da atividade, mas, tendo em vista o diálogo resultante desse tópico, teria sido interessante ter problematizado essas práticas naquele momento.

Isso nos mostra a complexidade de trabalhar na perspectiva crítica em sala de aula: não há como esgotar as discussões, nem sempre conseguimos prover todos os argumentos que gostaríamos ou que, em retrospectiva, julgamos ser necessários. Porém, é preciso lembrar que, no trabalho crítico em sala de aula, professoras/es e alunas/os estamos, todas/os, envolvidas/os em aprendizagem. Não há respostas prévias fechadas, maneiras pré- estabelecidas de responder e não há como cobrir todas as lacunas que as discussões e reflexões deixam. Essas lacunas fazem parte do movimento crítico e são essenciais para eles. Às/Aos professoras/es não cabe buscar preenchê-las como se fossem um problema.

Com relação ao tópico sobre o analfabetismo, pergunto por que há mais mulheres analfabetas que homens. Lenor Estevão se posiciona:

Lenor Estevão : S’ils doivent choisir entre les femmes ou les hommes por aller à l’école, hã, les

garçons ou les filles pour aller à l’école, ils ont choisi les...

Alexandre Agrigento : Les filles.

Lenor Estevão : Les garçons. Et maintenant ça s’est très dans les pays de l’Asie, dans l’Afrique, dans

le... Meio Oriente?

Professeure : Le Moyen Orient. Lenor Estevão : Le Moyen Orient, oui. Interação 11 – Tradução:

Lenor Estevão: Se tivessem que escolher entre as mulheres ou os homens para ir à escola, hã, os

meninos ou as meninas para ir à escola, eles escolhiam...

Alexandre Agrigento: As meninas.

Lenor Estevão: Os meninos. E agora isso acontece nos países da Ásia, na África, no... Oriente Médio? Professora: Le Moyen Orient.

Lenor Estevão: Le Moyen Orient, sim.

Com base na interação 11, Lenor Estevão busca referências no passado para sustentar seu argumento. Tal prática vai ao encontro do que advoga Pennycook (2001) quando diz que é preciso compreender como as situações vieram a se encontrar da forma que estão e que, para isso, devemos buscar na história como a construção se deu. Ao dizer que as meninas vão preferencialmente à escola, Alexandre Agrigento parece buscar referências na sociedade atual, onde o ingresso de mulheres na escola cresceu significativamente nos últimos anos ultrapassando, atualmente, o contingente masculino (BRASIL, 2009).

Após essa primeira parte da atividade, solicitei que formassem dois grupos de três pessoas para podermos trabalhar sobre as informações contidas nas tiras a seguir:

Imagem 5 – Tiras que interpelam

Fonte: TV5 Monde.

Distribuí para cada grupo cinco tiras e pedi que refletissem sobre os dados nelas contidos. As tiras contêm uma pergunta em destaque. Abaixo, em letras menores, há um enunciado. Ambos contêm dados estatísticos que foram invertidos para chamar a atenção da/o leitor/a e fazer refletir sobre eles. Ao ler as tiras, as/os alunas/os rapidamente contestaram os dados, dizendo que não eram verdadeiros. Chamei atenção para a sua estrutura, as letras maiores e menores. Ao observarem as informações, elas/es se deram conta de que os dados tinham sido invertidos e que a primeira frase aparecia em forma de pergunta a fim de buscar problematizar os dados. À medida que iam lendo as frases, eu ia trazendo outras informações para complementar. Com relação à primeira tira que questiona a pouca representatividade de mulheres na maioria dos postos de direção política, trouxe sites com informações de países chefiados por mulheres para que pudessem melhor visualizar essa prática.

Posteriormente, perguntei por que somente 10% de mulheres chefiavam os países. Anna W respondeu “porque é muito machista”. No momento da aula, essa resposta me pareceu suficiente, mas, posteriormente, com outras leituras sobre o LC, pude perceber que teria sido interessante questionar o que ela entendia por machismo e por que ele tende a fixar os papéis exercidos pelos gêneros masculino e feminino. Minha preocupação era tamanha em trazer informações e dados que faltou questionar mais suas opiniões.

De fato, durante a preparação das aulas, eu tinha uma grande ansiedade em procurar me informar o máximo possível, não apenas para me sentir mais preparada para perguntas que pudessem surgir em sala, mas também para que as/os alunas/os pudessem melhor visualizar as hierarquias, as estruturas sociais, bem como a organização da sociedade, refletindo sobre ela e, quem sabe, mudando suas concepções. Contudo, é importante lembrar que, muitas vezes, nós professores achamos que o nosso papel é mudar as opiniões das/os alunas/os e que isso é conscientizar. Mas hooks (2013) e Munanga (2005) afirmam que precisamos sensibilizar e isso significa deixar que o sujeito pense por si só. Assim, buscamos desestabilizar as sociabilidades (HOELZLE, 2016) cujos sentidos tendem a ser cristalizados e normalizados ao longo do tempo.

Percebi que poucas vezes durante a aula questionei sobre a origem dessas práticas sociais. Ao ouvir as aulas, pude perceber que meus questionamentos vieram, principalmente, quando houve divergência nas respostas das/os alunas/os. Isso me instigava a saber o porquê de seus posicionamentos. Contudo, nos tópicos nos quais todas/os estavam de acordo, não senti necessidade de questionar as práticas, como se fossem evidentes. Ou seja, inconscientemente, eu naturalizei algumas diferenças entre homens e mulheres, tendo em vista que elas passam, muitas vezes, despercebidas aos nossos olhos, pois estão enraizadas na cultura na qual fomos criados.

Isso nos mostra que o trabalho na perspectiva crítica não é previsível, não há certezas ou respostas prontas e acabadas. É um processo que envolve construir conhecimentos e problematizar práticas sociais juntamente com as/os alunas/os. Seguindo esse raciocínio, Lopes e Borges (2015) afirmam que um projeto de formação docente que prevê regras universais se torna impossível no sentido em que não é possível garantir ou prever comportamentos e resultados, pois a interação com a/o outra/o é imprevisível. Somos sujeitos formados por múltiplas identidade, cambiantes e transitórias (HALL, 2014; SILVA, 2014; MASTRELLA-DE-ANDRADE, 2013) e lidamos com outros sujeitos em diferentes contextos sociais.

No questionário da Atividade IV (cf. apêndice 4), as/os alunas/os destacaram se sentir confortáveis em discutir o tema por ser um assunto muito debatido atualmente. Lenor Estevão disse sentir-se “interessada por falar acerca destes assuntos, especialmente a ver estatísticas de mulheres e homens à volta do mundo”. Para Roberta, conhecer novas situações faz “a gente refletir sobre a sociedade atual”.

Com relação ao idioma, especificamente, Anna W afirma ter tido dificuldade em “argumentar sobre os temas em francês em decorrência da diferença de vocabulário”. Em

todo caso, a aluna busca, em seus posicionamentos, se expressar em francês. Ela demonstra interesse no tema e é muito participativa. Washington declara ser interessante discutir o tema para “aprender mais sobre a língua francesa e sobre assuntos que estão presentes em nosso dia a dia”. Para Lenor Estevão, discutir sobre o tema na aula de língua foi “bom porque sinto o meu francês melhorar, especialmente em termos de vocabulário acerca destes assuntos”. Além disso, ela afirma ter tido “mais facilidade para falar em francês do que nas outras aulas”. Ou seja, dois meses após o início da pesquisa, ela já relata notar avanços nas suas capacidades linguístico-discursivas. Em seus comentários, elas/es afirmam sentir falta de vocabulário nas discussões, mas ao mesmo tempo, relatam aprender vocabulário com elas. Isso nos mostra como o LC favorece o uso da língua e, ao usá-la para suas necessidades pessoais, as/os alunas/os a aprendem cada vez mais.

Esses comentários demonstram que desenvolver um trabalho de LC na aula de línguas é, não apenas possível, mas desejável, pois as/os educandas/os desenvolvem suas capacidades de refletir sobre a realidade em que vivem (FREIRE, 2011) por meio da problematização de identidades sociais, possibilitando se apropriar da língua-alvo e usá-la para expressar suas ideias, opiniões e vivências. Consiste em uma formação cidadã que prepara as/os jovens para a vida social, capacitando-as/os a lidar com a diversidade e a agir na sociedade globalizada (MONTE MÓR, 2015; MENEZES DE SOUZA, 2011a).