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7. Atores domésticos e políticas sobre drogas na Bolívia e na Colômbia

7.3. Atuação de movimentos cocaleiros

Movimentos sociais, novos ou antigos, constituem um fator essencial na vida política das sociedades modernas. Sua atuação ocorre entre fronteiras fluidas dos canais políticos institucionais e não-institucionais de forma que sua presença transpassa partidos, órgãos governamentais e instituições do estado. Como observa Jack A. GOLDSTONE (2003), “state

institutions and parties are interprenetated by social movements, often developing out of movements, in response to movements, or in close association with movements” (p. ). Sua estratégia de atuação abrange tanto táticas extra institucionais (manifestações, marchas, protestos, greves e boicotes) até a veiculação de interesses pelos canais normais da política institucionaliza (eleições, apelo a cortes judiciais, proposição e votação de projetos de lei). Não há razão para supor que protestos e política convencional sejam excludentes (p. 9).

No período coberto por esta pesquisa, a Bolívia apresenta a maior presença e intensidade de atuação de cocaleiros. A figura abaixo mostra, numa escala de um a seis, a intensidade e a cobertura espacial da atuação dos movimentos cocaleiros na Bolívia e na Colômbia. Um representa atuação com baixa intensidade, concentrada em nível local. Dois,

atuação com alta intensidade, principalmente em âmbito local. Três, atuação com baixa intensidade, principalmente em âmbito regional; Quatro, atuação com alta intensidade, principalmente em âmbito regional. Cinco, atuação com baixa intensidade, principalmente em âmbito nacional/internacional. Seis, atuação com alta intensidade, principalmente em âmbito nacional/internacional. A figura abaixo mostra o valor das medianas das avaliações dos especialistas sobre esse tópico.

Figura 15. Intensidade e cobertura espacial da atuação de movimentos cocaleiros na Bolívia e na Colômbia, 1990-2010

Fonte: Elaboração própria com base na Pesquisa dos especialistas.

Na Bolívia, a atuação de movimentos cocaleiros mantém-se em patamar elevado em âmbito nacional/internacional de 1990 até 2007 quando ocorre a ascensão de um líder cocaleiro à presidência. A partir daí, reduz-se a um nível de atuação de baixa intensidade, com projeção principalmente regional. Na Colômbia, por sua vez, onde as organizações cocaleira encontram-se mais dispersas e menos articuladas em nível nacional, os movimentos partem do nível local para assumir projeção de baixa intensidade em âmbito nacional entre 1996 e 2001. Contudo, com a implantação do Plano Colômbia, tornam a declinar e assumem um padrão oscilante entre a alta intensidade de ações locais e a baixa intensidade de ações em nível regional.

Para compreender a pujança das organizações cocaleiras na Bolívia, deve-se enquadrá-lo no contexto histórico mais amplo do desenvolvimento do movimento indígena.

1 2 3 4 5 6 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Bolívia Colômbia

As organizações cocaleiras na Bolívia se desenvolveram dentre de um processo social mais amplo, o movimento indígena que irrompe no cenário político boliviano na década de 1970, ainda durante o regime autoritário. Denominado “katarismo”85, o movimento articulou camponeses sindicalizados em torno de uma identidade étnica e da defesa da cultura indígena no âmbito do campesinato boliviano. Seu primeiro documento público, o Manifesto de

Twanaku, de 1973, punha ênfase em reivindicações étnico-culturais como fator essencial na busca da autonomia de um setor da sociedade que se sentia alijado dos processos de decisão política e vitimado pela exploração econômica.

Diferenças ideológicas internas levaram à ruptura do movimento na esfera política com a formação de dois partidos: o Movimento Índio Tupaj Katari (MTKA) e o Movimento Revolucionário Tupaj Katari (MRTK), que atuariam de maneira separada e distinta nas disputas eleitorais (GUIMARÃES, 2012, p. 97-105). No Trópico de Cochabamba, grandes movimentos de migração levaram ao estabelecimento de produtores de coca que se coadunaram em torno de uma densa rede sindical com grande capacidade de mobilização (GUIMARÃES, 2012, p. 234).

Embora demonstrem grande capacidade de articulação nacional, os movimentos cocaleiros bolivianos não são um grupo uniforme: há importantes diferenças não apenas dentre os grupos do Chapare e dos Yungas, mas também dentro desses estados. As seis federações que atuam nos Yungas possuem fortes laços com partidos tradicionais são menos coesas do que as federações do Chapare. Nos Yungas, importantes clivagens surgiram entre os produtores que fazem parte de zonas de cultivo tradicional e um grupo maior de produtores localizados nas áreas de ilegais de maior produção que estão sujeitas a erradicação forçada. Enquanto os primeiros buscam proteger seu nicho de mercado, os demais buscam expandir os limites de produção. Ambos, porém defendem, além da promoção de programas de desenvolvimento com cultivos de coca em vez da substituição de cultivos, a industrialização da folha de coca e apoiam os esforços de resistência dos cocaleiros do Chapare contra os esforços de erradicação financiados pelos EUA (FARTHING e KOHL, 2010).

85 GUIMARÃES (2012) resume o katarismo como um movimento social composto por três correntes:

cultural, sindical e política. Conforme a autora, ele surgiu “como uma corrente de opinião urbana formulada por uma nova ‘elite’ intelectual aymara [camponeses que haviam migrado para as cidades]”, se desenvolveu “como corrente sindical reivindicativa” e resultou na formação de partidos políticos, de forma que o “elemento da identidade cultural se articulou com diversas instâncias: sindicatos e partido, etnia e classe” (p. 1 6).

Na região do Chapare, os sindicatos cocaleiros se fortaleceram principalmente em função da resistência à repressão contínua. No começo da década de 1990, as seis federações então existentes elegeram Evo Morales para presidência da federação regional que as reúne. Sob a sua liderança, foram organizados protestos contras as políticas de erradicação e alianças concluídas com outros grupos no país tais como sindicatos de professores e povos indígenas do Leste boliviano. Quando ao governo Banzer reprimiu duramente as manifestações, enfraquecendo os cocaleiros, outras organizações em centros urbanos e os aimarás do altiplano assumiram a lideranças das mobilizações sociais. Atualmente, os sindicatos cocaleiros do Chapare representam 45 mil famílias organizadas em cerca de 700 unidades locais. Desde 1994, as mulheres se organizam em uma associação distinta. Em áreas mais remotas dos Yungas e do Chapare, próximas a parques nacionais e fora do alcance das federações e dos sindicatos urbanos, são comuns conflitos e disputas violentas entre agricultores recém-chegados e a população local e destes com as forças especiais de erradicação (FARTHING e KOHL, 2010).

Os cocaleiros colombianos, por sua vez, não possui o mesmo nível de articulação e organização encontrado na Bolívia. Suas estratégias de mobilização incluem um importante componente de “identidade reativa” de diferenciação dos narcotraficantes e guerrilheiros aos quais são frequentemente associados (PINTO OCAMPO, 2004). Segundo RAMÍREZ (2001) o objetivo central do movimento dos cocaleiros de Putumayo era o de se tornar visíveis como um grupo social autônomo, em interlocução ou em contestação às políticas do estado para a região amazônica e a política internacional de luta contra as drogas.