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3. A política externa dos EUA sobre drogas

3.1. Visão geral da atuação dos EUA

Por ser um país destituído de colônias de grande relevância econômica na Ásia e na África, sua posição nesse tema pode ser mais facilmente capturada por grupos domésticos. Estes, já em meados do século XIX, se articulavam em torno da bandeira proibicionista e preconizavam a adoção de medidas legais mais coercitivas pelo Estado para reprimir vícios e atos então considerados criminosos40. Apenas no século XX, contudo, essa sua mobilização política, até então difusa e predominantemente regional, logrou produzir um aparato legal no âmbito federal para controle da produção, do comércio e do consumo de um amplo rol de substâncias químicas cuja prescrição era deixada sob controle e responsabilidade da classe médica (MUSTO, 1999, p. 93)41.

40 Dispondo de sólida base social, apelo moral junto ao público e grande influência no Congresso, o

movimento proibicionista desenvolveu-se ao longo da segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Exemplos de grupos importantes dessa época são o Prohibition Party (1869), a

New York Society for Supression of Vice (1873), a Woman’s Christian Temperance Union (1873) e a Anti-Saloon League (1893). Esta última, formada pela aliança de várias congregações protestantes, lançou uma campanha nacional em 1913 para aprovação de uma emenda constitucional que proibisse o álcool. Sua campanha resultaria na aprovação da 18ª. Emenda em 1917, a chamada Lei Seca (ratificada em dois anos depois) que instituiu a proibição total da venda e produção de bebidas com teor alcoólico maior de 0,5% (CHEPESIUK, 1999, p. xxi).

41 Nos EUA, o controle do governo sobre o comércio e o consumo de drogas foi inaugurado com o

Pure Food Act, de 1906 (Public Law 59-384), que regulava a produção, a rotulagem, a venda e o transporte de alimentos, drogas, remédios e bebidas, com o objetivo de coibir a venda de produtos adulterados ou que, supostamente, representassem risco à saúde. Especificamente, a lei abrangia álcool, morfina, ópio, cocaína, heroína, alfa e beta eucaína, clorofórmio e cannabis indica (sec. n. 8,

internacionais sobre o tema, até a década de 1970, esse aparato legal doméstico não parece se traduzir em grande projeção internacional em termos de ações registradas em TAIs42. As figuras 7 e 8, abaixo, revelam o padrão de atuação dos EUA em relação aos maiores signatários e aos demais países, no período de 1912 a 201043.

Figura 7. Ações em TAIs dos EUA, dos maiores signatários e dos demais países por ano de conclusão (bilaterais) e de registro/notificação (multilaterais), 1912-2010

Fonte: Elaboração própria com base em United Nations Treaty Collection (UNTC).

A figura 7 permite observar que, nas décadas de 1970 e 1980, paralelamente ao acúmulo do volume anual de ações registradas pelos EUA e os maiores signatários, ocorre uma redução contínua das ações registradas pelos demais países. Essa evidência indica que, após as Convenções de 1961 e de 1971, ao contrário do que se podia esperar, a maior parte dos TAIs registrados se concentrou apenas entre os 25 maiores signatários. Nos 17 anos que separam as Convenções de 1971 e de 1988, os EUA registraram 204 ações em acordos

Public Law 59-384). Para aplicar os dispositivos da norma, foi criado o Bureau of Chemistry, órgão

específico ligado ao Departamento de Agricultura, que mais tarde se tornou a agência de regulação sanitária, Food and Drug Administration (FDA).

42 A unidade básica de observações da base elaborada a partir dos dados da UNTC são as ações

registrada em TAIs por um participante. Muitas ações registradas não seguem um padrão, portanto, para efeitos de análise, elas foram reclassificadas em dois grupos: “Assinatura, adesão, ratificação ou emenda”, para as que expressam a adesão de um estado, e “Denúncia, objeção, reserva ou observação”, para as ações que expressam o desvinculamento total ou a adesão parcial aos termos de um TAI.

43 Para efeitos de análise, definem-se como maiores signatários 24 países (exceto os EUA) que

participam, cada um, de 29 TAIs ou mais (ver a relação de países no Capítulo 2, Tabela 2). Classificam-se como “demais países” 19 estados que têm, cada um, participação em em menos de 9 TAIs. 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 1912 1915 1920 1923 1933 1937 1944 1948 1951 1954 1957 1960 1963 1966 1969 1972 1975 1978 1981 1984 1987 1990 1993 1996 1999 2002 2005 2008 Q ua ntida de de açõ es e m T AIs

Multilaterais EUA Bilaterais EUA

Multilaterais Maiores signatários Bilaterais Maiores signatários

período.

A figura 8, exibe os mesmos dados em escala percentual de forma a tornar mais clara a proporção de ações registradas em TAIs sobre entorpecentes pelos EUA em relação aos demais países. O gráfico revela que a atuação dos EUA foi mínima e irregular de 1912 até 1970, sendo responsável por uma média de 1,07% das ações registradas nesse período. A partir de 1971 até meados da década de 1990, a dinâmica de atividade dos governos norte- americanos nesse tema é completamente subvertida e alcança patamares inusitados. Os EUA predominam graças aos acordos bilaterais formados nesse período, chegando a ser responsável por 47% das ações registradas em 1981.

Figura 8. Proporção de ações em TAIs dos EUA, dos maiores signatários e dos demais países por ano de conclusão (bilaterais) e de registro/notificação (multilaterais), 1912-2010

Fonte: Elaboração própria com base em United Nations Treaty Collection (UNTC).

Em conjunto, as figuras permitem concluir que, nas décadas 1970 e de 1980, os acordos bilaterais foram o instrumento preferencial dos governos norte-americanos para induzir o cumprimento de medidas de combate às drogas no exterior. Eles acabaram por imprimir uma dinâmica particular em que o sistema multilateral das convenções sobre drogas servia de amparo à promoção das políticas preferidas por um país poderoso.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 1912 1915 1920 1923 1933 1937 1944 1948 1951 1954 1957 1960 1963 1966 1969 1972 1975 1978 1981 1984 1987 1990 1993 1996 1999 2002 2005 2008 P er ce ntua l de açõ es e m T AIs

Multilaterais EUA Bilaterais EUA

Multilaterais Maiores signatários Bilaterais Maiores signatários

Fonte: Elaboração própria com base em United Nations Treaty Collection (UNTC).

A figura 9 apresenta esses dados agregados por períodos de governo. No extenso período que vai do primeiro tratado sobre o ópio, em 1912, até a unificação dos instrumentos sob a Convenção Única da ONU, em 1961, apenas três acordos bilaterais e cinco multilaterais haviam sido firmados pelos EUA. O governo Nixon marca o ponto de virada dessa dinâmica, estabelecendo as bases de uma rede de acordos bilaterais que viria a ser expandida e aprofundada nos governos Carter e Reagan. Diante do ativismo bilateral desses governos de H. W. Bush e Clinton representam um refluxo ao patamar estabelecido por Nixon. As seções a seguir, detalharão as políticas externas de cada um desses governos.