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6. A cooperação com os EUA e as políticas sobre drogas na Colômbia

6.4. Pastrana (1998-2002)

A partir da administração Pastrana o governo colombiano passou a vincular claramente o tema da insurgência à agenda da guerra contra as drogas e, posteriormente, à agenda da guerra internacional contra o terrorismo. Ao fazê-lo, rompeu com a postura oficial dominante nas décadas anteriores de manter desligados os assuntos da insurgência e do combate às drogas e de excluir ou limitar a participação de atores externos no conflito. A nova estratégia teve uma série de impactos para a política externa colombiana, sendo o mais importante deles a promoção do estreitamento de laços com os EUA e a transformação do equacionamento do conflito colombiano em uma das prioridades da ação internacional norte- americana. O alinhamento com Washington, contudo, veio em detrimento das relações com os demais países sul-americanos, as quais sofreram forte deterioração.

Pastrana foi responsável pela retomada e aprofundamento das relações da Colômbia com os EUA, que haviam sofrido forte deterioração durante a administração anterior. Lançando mão de uma retórica de vinculação da insurgência com temas de interesse central dos EUA – narcotráfico e terrorismo –, conseguiu que a ajuda norte-americana, até então restrita ao combate ao narcotráfico, passasse a ser direcionada também para o combate a grupos armados ilegais à “contenção do terrorismo” no país.

A internacionalização do conflito colombiano esteve no cerne da política de drogas do governo de Andrés Pastrana (Partido Conservador). O pilar central de sua política externa foi a chamada “diplomacia para a paz”, que teve como marco inicial a prioridade conferida à busca por uma saída política ao conflito armado na Colômbia e para a pacificação fundada em reformas de cunho econômico e social68. Voltada para a obtenção de apoio político e recursos financeiros da comunidade internacional, essa diretriz estabeleceu os princípios, instrumentos, estratégias de inserção internacional, bem como as prioridades temáticas e geográficas da política externa de Pastrana. Contudo, conforme veremos, seu conteúdo inicial desvaneceu-se em prol de uma estratégia retórica que buscou, de forma consciente e calculada, vincular o problema da violência na Colômbia a preocupações centrais dos EUA – as drogas e, posteriormente, o terrorismo –, de forma a maximizar a ajuda norte-americana ao país.

A “diplomacia para a paz” efetivou-se por meio de intensa diplomacia presidencial, com destaque para a busca pela normalização das relações com os EUA, deterioradas durante a administração de Ernesto Samper (1994-1998). Desde sua eleição em 1998 até o fim de 2001, Pastrana visitou os EUA oito vezes. Multiplicaram-se as visitas de altos funcionários dos EUA à Colômbia, bem como os debates e audiências no Congresso norte-americano acerca do conflito colombiano. Os contatos entre os dois governos tornaram-se permanentes, revertendo-se a tendência disseminada entre os funcionários norte-americanos de se considerar a Colômbia como país dominado pela narcopolítica (CARDONA, 2001).

A mudança na percepção internacional da Colômbia ficou clara após a viagem oficial do então presidente dos EUA, Bill Clinton, a Cartagena em agosto de 2000, a primeira visita de um presidente norte-americano ao país em dez anos. Segundo ROJAS (2002), o encontro entre Pastrana e Clinton em solo colombiano representou um marco nas relações bilaterais e uma ratificação da visibilidade e atenção sem precedentes que o conflito colombiano adquiria no âmbito internacional. A Colômbia deixava de ser considerado país “pária”, na mesma categoria em que se encontravam a Líbia e o Iraque, para ser tratado como país “em emergência”, necessitando cuidados intensivos para sobreviver.

68 São dois os documentos oficiais que estabeleceram as diretrizes da política externa do governo

Pastrana: a Diplomacia por la paz, um folheto emitido pelo Ministério das Relações Exteriores da Colômbia em 1998, e Plan Nacional de Desarrollo 1998-2002. El cambio para construir la paz.

A estratégia diplomática de Pastrana nas relações com os EUA centrou-se na retórica da vinculação dos movimentos guerrilheiros com o narcotráfico. Já em encontro com Bill Clinton como presidente eleito, Pastrana havia argumentado que o interesse de Washington em apoiar o processo de paz fundava-se na equação processo de paz-diminuição de cultivos ilícitos nas zonas de influência das guerrilhas-queda nas exportações de entorpecentes da Colômbia. A fim de manter aberta a possibilidade de uma saída política para o conflito, Pastrana chegou a retomar, nos primeiros meses de seu governo, a postura tradicional do governo colombiano, instruindo seus funcionários a deixarem de lado a expressão “narcoguerrilha” em seus pronunciamentos oficiais e a iniciarem intenso trabalho diplomático para buscar o apoio de Washington ao processo de paz com as FARC (CARVAJAL e BELLO, 1999)69.

A estratégia da vinculação grupos armados-narcotráfico não se tratava apenas de retórica. Vale ressaltar que um dos fatores que garantiu o seguimento e expansão das atividades das guerrilhas e paramilitares na Colômbia no pós-Guerra Fria foi justamente sua associação com o narcotráfico e com outras práticas ilícitas. Paralelamente, a Colômbia se tornou, ao longo dos anos 90, o primeiro produtor mundial da folha de coca, o que fortalecia ainda mais os grupos armados ilegais. Além de participarem na cadeia de produção da droga, esses grupos passaram a taxar camponeses, intermediários e traficantes, cobrar por serviços de segurança e intermediar redes criminosas internacionais. Entre 1986 e 1996, o número estimado de combatentes das FARC passou de 3,6 mil para entre algo em torno de sete a dez mil pessoas, ao passo que o ELN cresceu de 800 para três mil. Os paramilitares, por seu turno, se consolidaram como grupo metade narcotraficante, metade político (GUÁQUETA, 2005).

Apesar de tais vínculos, a postura oficial do governo colombiano durante as décadas anteriores havia sido manter desligados os dois assuntos – drogas e insurgência - a fim de evitar a intervenção norte-americana e preservar a possibilidade de uma saída política para o

69 Inicialmente, o governo Clinton apoiou as negociações com as FARC. Funcionários de seu governo

chegaram a se reunir na Costa Rica com representantes do grupo em 1998, inaugurando a agenda de diálogos sobre a chamada “zona de despeje”. Contudo, a possibilidade de o governo dos EUA acompanhar o processo de negociação sofreu forte abalo com o sequestro e assassinato de três indigenistas norte-americanos no início de 1999. Na ocasião, representantes dos EUA se referiram às FARC como “terroristas”, apoiando expressamente sua confrontação .

conflito70. A ajuda norte-americana era restringida à luta contra as drogas. Essa limitação também existia do lado norte-americano devido, entre outros, a uma tradição de não intervenção nos assuntos domésticos da Colômbia, encarada como país de tradição civil e sofisticado do ponto de vista político e econômico em comparação com os vizinhos latino- americanos (GUAQUETA, 2005). Nesse contexto, até o fim dos anos 90, a ajuda norte- americana à Colômbia concentrava-se em programas de assistência à Polícia Nacional, agência responsável pela condução das iniciativas antidrogas no país (ISAACSON, 2005).

Progressivamente, as iniciativas bilaterais de combate às drogas passaram a se concentrar em programas de assistência às Forças Armadas da Colômbia, observando-se interseção crescente entre ações de combate ao narcotráfico e ações de combate aos movimentos insurgentes. Uma das primeiras iniciativas apontando esse novo parâmetro consumou-se em 1999, quando o primeiro batalhão antientorpecentes entrou em operação. Essa unidade, treinada e equipada pelos EUA, foi instalada na base de Tres Esquinas, no sul da Colômbia, próximo a áreas onde o Exército colombiano havia sofrido derrotas em combates com as FARC (ISAACSON, 2005). No começo de 1998, a Força Aérea colombiana, replicando a estratégia peruana, começou a forçar a aterrissagem de aeronaves suspeitas de narcotráfico. Entre 1988 e 1999, seis aviões haviam sido derrubados e 30 destruídos depois de aterrissar. Em fevereiro de 200, o ministro da Defesa da Colômbia, Luis Fernando Ramírez, anunciava o incremento às atividades de interdição aérea com a ajuda dos novos equipamentos fornecidos pelo governo Clinton (BAGLEY, 2000, p. 10).

Outra dinâmica que apontou afrouxamento na restrição à participação dos EUA no conflito colombiano foi o início do financiamento norte-americano a projetos de desenvolvimento alternativo. O direcionamento de recursos para essa área baseou-se em uma mudança na percepção dominante nos círculos oficiais norte-americanos acerca dos atores envolvidos na produção das drogas na Colômbia. A ideia de que os cultivos ilícitos eram controlados por senhores da droga cedeu espaço para a percepção de que um número substantivo de camponeses e de pequenos produtores rurais tirava seu sustento de tais cultivos e estava conectado ao florescimento de grupos armados ilegais. Assim, o financiamento de

70 Durante o governo Samper, funcionários do governo colombiano chegaram a chamar as guerrilhas

de cartéis, enunciando de forma clara a ligação insurgência-narcotráfico. Embora funcionários do governo colombiano e do governo Clinton tenham chegado a discutir a inclusão do combate à insurgência na guerra contra as drogas, essa inclusão veio consumar-se apenas durante o governo Pastrana (GUÁQUETA, 2005).

programas de desenvolvimento alternativo viria se tornar mais um meio para combater as guerrilhas e paramilitares envolvidos no narcotráfico (GUÁQUETA, 2005).

A retórica diplomática da vinculação das guerrilhas com o narcotráfico e a crescente cooperação militar entre Colômbia e EUA foram de encontro aos princípios da “diplomacia para a paz” e aos esforços domésticos de Pastrana de negociar a paz com as FARC. Porém, tal retórica tinha maiores chances de maximizar a ajuda dos EUA ao país, dado que coincidia com as preocupações norte-americanas e com a noção dominante em Washington de que a saída para o conflito deveria ser eminentemente militar e ligada a ações mais agressivas de proibição e erradicação das drogas. Nesse contexto, os princípios da “diplomacia para a paz” cederam espaço para o pragmatismo da “diplomacia pelo dólar”.

O Plano Colômbia foi o grande baluarte dessa estratégia. Uma espécie de Plano Marshall voltado para a pacificação da Colômbia, ele deveria reunir US$ 7,5 bilhões, sendo que US$ 3 bilhões deveriam proceder de fontes internacionais, especialmente dos EUA. Em sua versão inicial, exposta no Plano de Desenvolvimento 1998-2002, o Plano Colômbia, apresentado como eixo central da política de paz, estruturava-se por meio da combinação de ações humanitárias com ações de desenvolvimento em três frentes: substituição de cultivos ilícitos via programas de desenvolvimento alternativo, atenção aos deslocados e ações focadas nas regiões mais violentas. Já versão apresentada ao governo norte-americano em outubro de 1999, redigida em inglês com a ajuda de assessores norte-americanos, centrou-se na premissa de que a paz, o fortalecimento do Estado e o desenvolvimento econômico só seriam alcançados por meio da luta militar contra o narcotráfico (ROJAS, 2006)71.

Aprovada em 2000 pelo Congresso norte-americano, após intensos debates, a ajuda ao Plano Colômbia para os anos fiscais de 2000 e 2001 totalizou US$ 860 milhões, além de US$ 440 milhões a serem destinados aos outros países andinos como parte da abordagem regional ao plano. Com isso, a Colômbia se tornou o terceiro recipiente mundial da ajuda

71 Foram elaboradas, ainda, duas outras versões do Plano Colômbia: a oficial, que incorporou

modificações demandadas por parlamentares colombianos liberais; e uma quarta versão, direcionada a Europa, Canadá e Japão, que enfatizou o desenvolvimento alternativo, a recuperação econômica, a saída política para o conflito, a defesa dos direitos humanos, o fortalecimento institucional e a participação comunitária. Os europeus chegaram a desempenhar papel ativo nas negociações com as FARC e no processo de paz mais amplamente, mas o respaldo financeiro necessário não chegou a se concretizar, em grande medida em virtude de discordâncias em relação ao enfoque militarista predominante na ajuda norte-americana à Colômbia (ROJAS, 2006).

norte-americana, depois de Israel e Egito. Mais da metade dos US$ 860 milhões foi alocada para operações antientorpecentes do Exército colombiano, concentrando-se no aperfeiçoamento da capacidade aérea. Com o objetivo principal de avançar sobre o departamento de Putumayo (sul), onde havia grande concentração de cultivos de coca e de atividades das FARC, a Colômbia recebeu 60 helicópteros, 18 UH 60 Black Hawks e 42 Huey reformados, além de assistência para reformar sua estratégia militar e desenvolver atividades de inteligência. O restante dos recursos foi direcionado para programas de assistência policial (14%), e menos de 1% para proteção aos direitos humanos, assistência aos deslocados, aplicação da lei, reforma judicial e apoio ao processo de paz (GUÁQUETA, 2005).

A maior parte da ajuda norte-americana ao Plano Colômbia para o ano fiscal de 2002, que totalizou US$ 380,50 milhões, continuou sendo destinada a programas antientorpecentes. Eles receberam US$ 243,50 milhões, enquanto US$ 137 milhões foram alocados em programas de assistência econômica e social. A ajuda à Colômbia havia sido incluída na Iniciativa Regional Andina, criada em 2001 pelo governo Bush para financiar programas antientorpecentes, construção de instituições democráticas e assistência ao desenvolvimento em seis países além da Colômbia – Bolívia, Brasil, Equador, Panamá, Peru e Venezuela. O valor total do pacote para o ano fiscal de 2002 foi de US$ 738,32 milhões.

A escalada violenta nas ações das FARC provocou a falência do processo de paz em 2002 vieram fortalecer a militarização do Plano Colômbia. Paralelamente, a política externa norte-americana passava por uma reorientação com os atentados de 11 de setembro, após os quais a Colômbia passou a ser vista como mais um palco da “luta global contra o terrorismo”. Em novembro de 2001, o governo norte-americano incluiu, em sua lista de organizações terroristas estrangeiras, as FARC, o ELN e as AUC, as quais passaram a ser qualificadas, cada vez mais, sob a rubrica do “narcoterrorismo”.

Pastrana e, posteriormente, Uribe, enxergaram nesses eventos e nas reações norte- americanas a eles oportunidades renovadas de fortalecer e expandir o apoio dos EUA na luta contra os movimentos insurgentes (GUZMÁN, 2007). À retórica de associação insurgência- narcotráfico somou-se a retórica de associação insurgência-terrorismo. Pastrana declarou o fim das negociações de paz com as FARC em fevereiro de 2002, após uma série de ações violentas por parte da guerrilha, entre elas o sequestro de vários políticos e ataques a diversas cidades. Na ocasião, o presidente ordenou a reocupação, pelas Forças Armadas, da área de 42

mil quilômetros quadrados que havia sido desmilitarizada no sul da Colômbia em novembro de 1998, como medida de confiança para o início das negociações de paz. Semanas depois, o então embaixador da Colômbia em Washington, Luis Alberto Moreno, ecoando as declarações do presidente colombiano, listava a guerrilha como uma grave ameaça à segurança dos EUA e reforçava a associação insurgência-narcotráfico que cancelaria quaisquer propósitos políticos e ideológicos professados pelo grupo:

“[…] Colombia is the leading theater of operations for terrorists in the Western Hemisphere. Under the false pretense of a civil war, Colombian guerrilla groups have ravaged the nation with violence financed by cocaine consumers in the United States. The Bush administration, appropriately, is pushing in congress to have anti- narcotics aid expanded to strengthen Colombia’s ability to defeat terrorists. […] Where there are guerrillas and paramilitaries, there are terror and violence against civilians. While they may hide behind a Marxist ideology, Colombia’s leftist guerrillas have ceased to be a political insurgency. They traded their ideals for drug profits” (MORENO, 2002).

A ampliação da ajuda antientorpecentes norte-americana para incluir iniciativas de combate aos movimentos insurgentes foi institucionalizada meses depois, nos últimos dias do governo Pastrana. Em resposta a solicitação de Bush, foi emitida, em agosto de 2002, uma lei sobre ajuda suplementar para a luta contra o terrorismo, parte da qual seria destinada à “campanha unificada contra o narcotráfico” e “contra atividades de organizações designadas como terroristas, tais como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC)” (Public Law 107-206, 02/08/2002, sec. 305, 116 stat. 840). Com a aprovação desse instrumento, a participação norte-americana na guerra civil colombiana viria se tornar completa e explícita.