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Outro requisito exigido para a incidência da minorante prevista no art. 33, § 4o, da Lei n. 11.343/06 é que o agente, a quem irá se aplicar a pena, não ostente antecedentes criminais.

Dito isso, necessita-se do conceito de antecedentes negativos para a esfera penal que, resumidamente, podem ser definidos, nos dizeres de NUCCI, como sendo143:

[...] tudo o que ocorreu, no campo penal, ao agente antes da prática do fato criminoso, ou seja, sua vida pregressa em matéria criminal. Antes da reforma de 1984, os antecedentes do réu abrangiam todo o passado do réu, desde as condenações porventura existentes até seu relacionamento na família, no

142 Superior Tribunal de Justiça: HC 338.206/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta, julgado

em 17/11/2015, DJe 30/11/2015.

trabalho e em outros lugares. Atualmente, no entanto, destacando-se a conduta social do contexto dos antecedentes, terminou sendo esvaziado este último requisito, merecendo circunscrever à folha de antecedentes. [...]

Dessa forma, pode-se concluir que antes da reforma de 1984, todo o passado do agente era analisado para fins de individualização da pena, o que foi alterado com a modificação legislativa, até porque as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal requerem não só a análise dos antecedentes criminais como a conduta social e personalidade do indivíduo, de maneira que fatos da vida familiar de determinado réu, por exemplo, não mais devem ser avaliados como antecedentes, a não ser que digam respeito a crimes de violência doméstica.

Ainda assim, a reforma não explicitou, com clareza, o que poderiam ser considerados como antecedentes criminais negativos, razão pela qual havia discussão acerca da possibilidade de ações penais em andamentos ou passagens policiais incidirem como antecedentes negativos na dosimetria da pena.

A celeuma, no entanto, teve fim com a edição da Súmula n. 444 do STJ em 2010 que preconizou: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".

Destarte, o entendimento sumular do Superior Tribunal de Justiça merece louvor, pois ressaltou o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5o, LVII, da Constituição Federal de 1988, o qual dita que: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Diante do exposto, não caracterizarão maus antecedentes, não só ações penais em curso e inquéritos policiais, como absolvições por ausência de provas e prescrição da pretensão punitiva, sob pena de violação do aludido preceito constitucional.

Todavia, a mesma Corte de justiça entende que é indiferente o momento em que se deu o transito em julgado da condenação anterior: se antes do novo fato criminoso ou depois, como bem esclarece o julgado a seguir144:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. FURTO. DOSIMETRIA. MAUS ANTECEDENTES. PENA-BASE ACIMA DO

PISO LEGAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE

LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ÓBICE DO ART. 44, III, DO CÓDIGO PENAL. WRIT NÃO CONHECIDO. [...]

2. A condenação por crime anterior à prática delitiva, com trânsito em julgado posterior à data do crime sob apuração, malgrado não configure

144 Superior Tribunal de Justiça: HC 336.792/SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em

reincidência, enseja a valoração negativa da circunstância judicial dos antecedentes, justificando a exasperação da pena-base.

Precedentes. [...] (grifou-se)

Dessa maneira, a título exemplificativo, determinado agente que praticou o crime A em 05/05/2013, cujo trânsito em julgado da sentença condenatória se deu em 05/05/2014, terá mau antecedente avaliado na sentença do crime B, praticado em 01/05/2014, pois aqui importa somente que o trânsito em julgado da decisão condenatória seja anterior à nova sentença de condenação, diferentemente do que ocorre com a reincidência, visto que para a configuração desta, o trânsito em julgado da condenação anterior deve ser precedente ao novo fato criminoso.

No mais, tem-se por maus antecedentes tudo aquilo que não for apto a gerar reincidência, ou seja, as condenações transitadas em julgado que ultrapassarem o período depurador de 05 (cinco) anos previsto no art. 64, I, do Código Penal, acima mencionado.

A esse respeito, ensina LIMA145:

[...] Daí por que, na prática, restam como maus antecedentes apenas condenações criminais com trânsito em julgado que não mais caracterizem a reincidência, em virtude do decurso do lapso temporal de 5 (cinco) anos previsto no art. 64, inciso I, do CP. Assim, se uma pessoa foi condenada irrecorrivelmente e a sanção já se encontra cumprida ou extinta há mais de 5 (cinco) anos, esse dado não produzirá reincidência, mas é tido como caracterizador de maus antecedentes;

Por outro lado, a questão sobre a inexistência de um período depurador para os antecedentes criminais, assim como existe para a circunstância agravante de reincidência, é tema polêmico porquanto beira à proibição constitucional às penas perpétuas (art. 5o, XLVII, CF/88).

Ora, não é razoável que uma condenação da década de 1980 seja considerada em 2016 como maus antecedentes, principalmente quando inexiste qualquer comprovação de que o agente se dedique a atividades criminosas. O debate, inclusive, teve repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário n. 593.818 de Santa Catarina, que pende ainda de pronunciamento definitivo da Corte guardiã da Constituição Federal.

No entanto, a discussão no STF acalorou o tema e deu ensejo a importante decisão do STJ que, a seu turno, diz respeito à concessão da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4o, da Lei n. 11.343/06. Veja-se146:

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. MAUS ANTECEDENTES. PERÍODO DEPURADOR. FRAÇÃO DA MINORANTE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Consoante entendimento deste Superior Tribunal, decorrido o prazo de cinco anos entre a data do cumprimento ou a extinção da pena e a infração posterior, a condenação anterior, embora não possa prevalecer para fins de reincidência, pode ser sopesada a título de maus antecedentes. Precedentes.

2. Sem embargo, não há como afastar a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas pela simples existência de duas condenações transitadas em julgado com extinção da punibilidade há tanto tempo, máxime porque, além de o recorrido ser tecnicamente primário ao praticar o crime em comento, não há notícias de que se dedique a atividades delituosas ou de que integre organização criminosa.

3. Se o transcurso do tempo impede que condenações anteriores configurem reincidência, esse mesmo fundamento - o lapso temporal - deve ser sopesado na análise das condenações geradoras, em tese, de maus antecedentes.

4. Embora o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha decidido o mérito do RE n. 593.818 RG/SC - que, em repercussão geral já reconhecida (DJe 3/4/2009), decidirá se existe ou não um prazo limite para se sopesar uma condenação anterior como maus antecedentes -, no caso,

firme na ideia que subjaz à temporalidade dos antecedentes criminais, devem ser relativizados os dois registros penais tão antigos do acusado, de modo a não lhes imprimir excessivo relevo a ponto de impedir a incidência da minorante descrita no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. (grifou-se)

Da decisão acima destacada, percebe-se que os ministros do Superior Tribunal de Justiça, na qualidade de aplicadores da norma penal, mais uma vez se afastaram da interpretação seca da lei de natureza criminal para enaltecer os princípios constitucionais da individualização da pena e da proporcionalidade ao caso concreto, propiciando assim, pena mais ajustada ao indivíduo que, ainda que tenha praticado o delito de tráfico de drogas, o fez em um grau muito menor de reprovabilidade.

Não só, a decisão fomentou discussão a respeito dos antecedentes criminais, instituto que há muito vem sendo debatido e ajustado em nome de preceitos constitucionais e que, agora, passa novamente por importante revisão no STF, de acordo com o que foi visto, o que demonstra a importância do constante debate em cima de normas penais, a fim de que seja evitada a perpetuação de normas criminais vagas e, por esse motivo, fontes de injustiça.

146 Superior Tribunal de Justiça: REsp 1160440/MG, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado