• Nenhum resultado encontrado

1.2 Método trifásico de aplicação de pena adotado pela reforma penal de 1984

1.2.3 Pena definitiva: causas de aumento ou diminuição

A terceira etapa da dosimetria da pena, nos termos do art. 68 do Código Penal, deve ser realizada levando-se em conta as causas de aumento ou diminuição de pena, também chamadas majorantes ou minorantes.

Nas palavras de NUCCI69:

Causas de aumento são circunstâncias legais específicas, a ponto de obrigar o juiz a aplicar elevação da pena em quantidades estabelecidas pelo próprio legislador, na forma de cotas fixas ou variáveis. [...] Causas de diminuição são circunstâncias legais específicas, determinativas da redução da pena obrigatoriamente pelo juiz, levando em conta as quantidades preestabelecidas em cotas fixas ou variáveis pelo próprio legislador.

Quanto à nomenclatura, é importante também destacar que, não raro, a jurisprudência deixa de distinguir as causas de diminuição de pena dos chamados "privilégios". Todavia, Guilherme de Souza Nucci, no capitulo 06 de sua obra

Individualização da Pena, ressalta a diferenciação entre as minorantes e os privilégios,

destacando que estes estão previstos em tipos penais incriminadores específicos, de maneira que devem ser analisados antes mesmo do processo de aplicação da pena, pois, assim como as qualificadoras, alteram os limites mínimo-maximo da pena em abstrato70.

Logo, privilégios são o inverso de qualificadoras, pois ambos preveem novos patamares para determinadas condutas desde que preenchidas as condições, sendo que qualificar o crime significa tornar a sua pena mais grave, enquanto que privilegiar um delito é o mesmo que abrandar o quantum em abstrato da reprimenda.

Isso posto, tanto as majorantes como as minorantes podem estar previstas na Parte Geral do Código Penal, ou na Parte Especial do mesmo diploma legal, além das legislações penais especiais.

68 NUCCI. op. cit., p. 259. 69 NUCCI. op. cit., p. 134. 70 NUCCI. op. cit., p. 141.

São exemplos de causas especiais de aumento de pena previstas na Parte Geral do Código Penal os arts. 7071 e 7172, que tratam, respectivamente, do concurso formal de crimes e

da continuidade delitiva. Já como exemplificação de majorante da Parte Especial da legislação, pode-se citar o art. 157, § 2º73, que estabelece fração variável de aumento caso o

crime de roubo seja praticado com o emprego de qualquer das circunstâncias elencadas nos incisos do referido parágrafo.

Os crimes previstos na legislação antidrogas, da mesma forma, são passíveis de aumento em razão de majorantes especiais, verificadas no art. 40 da Lei n. 11.343/06, que assim dispõe:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;

V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;

71 Código Penal (1940), art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais

crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

72 Código Penal (1940), art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais

crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços [sic].

73 Código Penal (1940), art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou

violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. [...]

§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.

VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.

No tocante às minorantes genéricas, a tentativa é a mais conhecida, positivada no art. 14, II, do Código Penal74. Como causas especiais de diminuição de pena, menciona-se, a

título de exemplificação, o art. 155, § 2o, do Código Penal75, ou, ainda, a figura do art. 33,

§4o,, da Lei Antitóxicos, que assim prevê:

§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão

ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Importante ressaltar que não raros são os dispositivos de lei que se utilizam da expressão "pode" quando de referem a minorantes. Tal verbo, entretanto, não permite ao magistrado aplicador da sanção penal utilizar-se da causa de diminuição de pena conforme a sua vontade, de maneira que, presentes os requisitos para a redução, esta se torna medida obrigatória, restando ao juiz mensurar o quantum de diminuição, de acordo com os ensinamentos de Damásio de Jesus76.

No que se refere à quantificação exata de aumento ou diminuição, o legislador bastou-se a fixar frações preestabelecidas, algumas determinadas - um meio, um terço, dobro, outras determináveis - de um sexto a dois terços, por exemplo.

Dito isso, cabe ao sentenciante definir o montante da majorante ou da minorante a ser aplicado no caso concreto, salientando-se que, em geral, a doutrina e a jurisprudência, entendem que, nesta fase do cálculo da pena, a incidência de causas de aumento pode elevar a pena acima do máximo legal em abstrato, assim como o reconhecimento de causas de diminuição pode reduzir a reprimenda aquém do mínimo.

Neste prisma, colhe-se precedente do STF77:

EMENTA: [...] II. Individualização da pena: causa especial de aumento

ou diminuição. Ao contrário das atenuantes ou agravantes genéricas, que diminuem ou elevam a pena-base, nos limites da escala penal

74 Código Penal (1940), art. 14 - Diz-se o crime: II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por

circunstâncias alheias à vontade do agente.

Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços

75 Código Penal (1940), art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

76 JESUS, Damásio de. Direito penal, volume 1: parte geral. - 32.Ed. - São Paulo: Saraiva, 2011. p. 624. 77 Supremo Tribunal Federal: HC 85673, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em

editalícia - as causas especiais de diminuição podem reduzi-la aquém do mínimo, assim como as causas especiais de aumento podem alçá-la acima do máximo cominado ao crime. III. Liberdade provisória: não é de

ser deferida ao acusado que respondeu ao processo sob prisão preventiva - e

não há elementos para aferir de sua ilegalidade.

(grifou-se)

Nem por isso é permitido, entretanto, que se alcance pena equivalente a zero, ou até mesmo negativa, razão pela qual a jurisprudência solidificou o entendimento de que a aplicação da pena deve ocorrer na forma do chamado "efeito cascata". É nesse sentido que Ruy Rosado de Aguiar Júnior explicita78:

Primeiro, aplicam-se as causas de aumento, depois as de diminuição. O cálculo da primeira modificação é feito sobre a pena até ali encontrada, que tanto pode ser a pena-base (se não houver agravantes ou atenuantes) como a pena provisória (resultante da aplicação das atenuantes ou agravantes, na segunda fase). Havendo uma segunda causa de aumento ou de diminuição, o cálculo é feito sobre a última pena, já alterada por influência da anterior causa de aumento ou de diminuição. Assim, se a pena-base é de dois anos, com a agravante, a pena provisória passou para dois anos e seis meses (trinta meses); a causa de aumento, de um terço elevou-a para quarenta meses, e a causa de diminuição, de metade a trouxe para vinte meses (isto é, metade da última pena até ali encontrada). Se houvesse uma nova causa de diminuição, deveria ser calculada sobre os últimos vinte meses. Este é o sistema em cascata, que leva em conta sempre a última pena encontrada. Para apuração dos percentuais, facilitará o cálculo o uso do número de meses

Por derradeiro, é possível que haja concurso entre causas de aumento e diminuição de pena, o que foi, inclusive preceituado pelo art. 68, parágrafo único, do Código Penal: "No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua".

Não se trata, contudo, nas palavras de CARVALHO NETO: "de concurso entre uma causa de aumento e uma causa de diminuição, mas de duas ou mais causas de aumento ou de duas ou mais causas de diminuição79".

Tal situação pode ocorrer com o crime de roubo praticado com emprego de arma e concurso de pessoas (art. 157, § 2º, incisos I e II, do CP), ou seja, quando um agente, com o fim de subtrair coisa alheia de outrem, emprega contra este grave ameaça exercida por meio de emprego de arma de fogo e, ainda, conta com a a participação de um terceiro indivíduo, coautor do delito.

78 AGRUIAR JUNIOR. op. cit., p. 62. 79 CARVALHO NETO. op. cit., p. 131.

Em razão da desproporcionalidades nos julgados a respeito do delito supracitado, o STJ sumulou o entendimento de que: "O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes80".

A mencionada Súmula n. 443 não resolveu, entretanto, a questão acerca do

quantum de aumento a ser aplicado, de modo que caberá à prudência do julgador mensurar a

real necessidade da intensificação de eventual aumento.

Aliás, não só quanto ao concurso de causas de aumento e diminuição, como no caso acima, persiste a ausência de critérios aptos a orientar o magistrado a calcular a fração adequada e satisfatória à repressão do delito. Dessa forma, coube mais uma vez à jurisprudência a tarefa de encontrar soluções a fim de evitar ofensa ao princípio da proporcionalidade.

Assim, por exemplo, com relação à causa de aumento do concurso formal, adotou-se o critério do número de crimes ou de vítimas81: quanto maior o número de delitos ou de vítimas, maior a fração de aumento; da mesma forma, no tange à majorante da continuidade delitiva, utiliza-se também o método proporcional ao número de crimes82; por fim, quanto à causa de diminuição de pena referente à tentativa, esta deve ser regida pela regra do iter criminis83, que é a avaliação do número de atos praticados pelo agente necessários à consumação do delito, de forma que o agente que, na tentativa de furto, foi flagrado no momento em que saía do local do crime deve ser punido com maior rigor do que aquele que sequer adentrou no ambiente.

Tais critérios jurisprudenciais, entretanto, se mostram estritamente matemáticos, o que, na visão de Guilherme de Souza Nucci, se mostra um aspecto negativo das referidas opções, pois transformam o magistrado em autêntico "contador"84.

É nesse cenário que PAGANELLA BOSHI propõe que as majorantes sejam avaliadas com base na culpabilidade do agente, já avaliada desde a primeira fase da dosimetria. Dessa maneira, para o referido autor85:

80 STJ: Súmula n. 443: "O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado

exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes.".

81 Superior Tribunal de Justiça: HC 208.933/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em

10/03/2016, DJe 17/03/2016.

82 Superior Tribunal de Justiça: REsp 1582601/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado

em 26/04/2016, DJe 02/05/2016.

83 Supremo Tribunal Federal: HC 118203, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em

15/10/2013.

[...] se a reprovação inicial (aferida no momento da individualização da pena-base) tiver sido estabelecida em grau mínimo (conclusão a que se pode chegar examinando-se os elementos da culpabilidade, como vimos anteriormente), o quantum correspondente à exasperação, guardadas as razões relacionadas ao injusto e à política criminal que a justifica, deverá ser, por razões de coerência interna, em princípio mínimo, ao passo que o abrandamento, ordenado pela causa especial de diminuição, deverá ser o maior possível, para que a pena definitiva acabe, desse modo, aproximando- se do grau de culpabilidade correspondente.

Em caso de reprovação inicial média, as quantidades de pena a serem estabelecidas dentro das margens correspondentes às causas especiais de aumento e de diminuição devem aproximar-se ou, até mesmo, equiparar-se. Finalmente, quando a reprovação inicial tiver sido estabelecida no grau

máximo, a exasperação terá que tender para o limite superior (teto) da causa

especial de aumento, e o abrandamento, pelo reverso, para o limite inferior (piso) da causa especial de diminuição.

A solução do referido doutrinador parece ser adequada, ainda mais se considerado o princípio da proporcionalidade, pois as causas de aumento incidiriam com maior força àqueles crimes cujas circunstâncias judiciais forem mais negativas, e vice-versa. Entretanto, a medida acima mencionada não é a adotada pela práxis jurídica, assim como inexiste qualquer outra que sirva como modelo de aplicação. Aliás, pouca coisas no campo da dosimetria da pena são realmente seguidas como critérios orientadores.

Isso porque, como se viu, a aplicação da pena, tema de enorme importância para o Direito Penal, é polêmica e está distante de sedimentar conclusões pacíficas, até porque, conforme foi estudado neste capítulo, o Direito não é ciência exata, tampouco o aplicador da sanção penal é matemático, de maneira que se mostra essencial o aprofundamento dos princípios constitucionais penais na incessante busca por mudanças no campo da dosimetria, evitando-se, dessa maneira, o discurso retórico e vazio que, por muitas vezes, apenas repete as lacunas legislativas.

2 TRÁFICO DE DROGAS

2.1 Breve histórico da legislação penal brasileira sobre drogas

A política criminal antidrogas no Brasil não é algo recente. Pelo contrário, a primeira regulamentação sobre venda de entorpecentes no país se deu com as Ordenações Filipinas, que, na sequência, foram substituídas pela Codificação da República, já que o diploma penal de 1830 não versou sobre o tema, conforme esclarecem GRECO FILHO e RASSI86.

A partir de 1890, entretanto, ocorreram diversas mudanças legislativas no que tange ao controle de distribuição e de uso de substâncias entorpecentes. O Código Penal do referido ano, por exemplo, trazia como crime a venda ou o consumo não autorizados de

substâncias venenosas, cuja sanção era a multa87.

Não obstante, com o advento do século XX, houve expressivo aumento no consumo de entorpecentes, dentre eles o ópio, pela população brasileira, o que ensejou a normatização de respostas penais mais severas. Nesse sentido, leciona Salo de Carvalho88:

Com a consolidação das Leis Penais em 1932, ocorre nova disciplina da matéria, no sentido de densificação e complexificação das condutas contra a saúde pública. O caput do art. 159 do Código de 1890 é alterado, sendo acrescentados doze parágrafos. Em matéria sancionatória, à originária (e exclusiva) pena de multa é acrescentada a prisão cautelar.

Logo, vê-se que os diplomas legais e decretos a partir do referido século passaram a tratar do assunto com maior rigor, traduzindo-se na possibilidade de segregação preventiva em concomitância com a pena de multa.

Aliás, foi nesse mesmo período histórico, com os Decretos n. 780/36 e n. 2.953/38, que iniciou o novo modelo de gestão repressiva, quando, a título exemplificativo, passou-se a considerar um maior número de condutas como configuradoras do tipo penal, o que se estende até a atualidade, uma vez que a Lei Antidrogas de 2006 prevê mais de 20 (vinte) ações físicas passíveis de incidência nas penas do crime de tráfico de entorpecentes.

86 GRECO FILHO; RASSI. op. cit., p. 01.

87 Código Penal (1890), art. 159: Expôr á venda, ou ministrar, substancias venenosas, sem legitima autorização e

sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitarios: Pena – de multa de 200$ a 500$000 [sic].