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Breve histórico da legislação penal brasileira sobre drogas

2.1 Breve histórico da legislação penal brasileira sobre drogas

A política criminal antidrogas no Brasil não é algo recente. Pelo contrário, a primeira regulamentação sobre venda de entorpecentes no país se deu com as Ordenações Filipinas, que, na sequência, foram substituídas pela Codificação da República, já que o diploma penal de 1830 não versou sobre o tema, conforme esclarecem GRECO FILHO e RASSI86.

A partir de 1890, entretanto, ocorreram diversas mudanças legislativas no que tange ao controle de distribuição e de uso de substâncias entorpecentes. O Código Penal do referido ano, por exemplo, trazia como crime a venda ou o consumo não autorizados de

substâncias venenosas, cuja sanção era a multa87.

Não obstante, com o advento do século XX, houve expressivo aumento no consumo de entorpecentes, dentre eles o ópio, pela população brasileira, o que ensejou a normatização de respostas penais mais severas. Nesse sentido, leciona Salo de Carvalho88:

Com a consolidação das Leis Penais em 1932, ocorre nova disciplina da matéria, no sentido de densificação e complexificação das condutas contra a saúde pública. O caput do art. 159 do Código de 1890 é alterado, sendo acrescentados doze parágrafos. Em matéria sancionatória, à originária (e exclusiva) pena de multa é acrescentada a prisão cautelar.

Logo, vê-se que os diplomas legais e decretos a partir do referido século passaram a tratar do assunto com maior rigor, traduzindo-se na possibilidade de segregação preventiva em concomitância com a pena de multa.

Aliás, foi nesse mesmo período histórico, com os Decretos n. 780/36 e n. 2.953/38, que iniciou o novo modelo de gestão repressiva, quando, a título exemplificativo, passou-se a considerar um maior número de condutas como configuradoras do tipo penal, o que se estende até a atualidade, uma vez que a Lei Antidrogas de 2006 prevê mais de 20 (vinte) ações físicas passíveis de incidência nas penas do crime de tráfico de entorpecentes.

86 GRECO FILHO; RASSI. op. cit., p. 01.

87 Código Penal (1890), art. 159: Expôr á venda, ou ministrar, substancias venenosas, sem legitima autorização e

sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitarios: Pena – de multa de 200$ a 500$000 [sic].

Da mesma forma, sob influência da Convenção de Genebra de 1936, o Decreto- Lei n. 891/38 intensificou a batalha contra as drogas no Brasil, pois trouxe, nos dizeres de GRECO FILHO e RASSI: "a relação das substâncias consideradas entorpecentes, normas restritivas de sua produção, tráfico e consumo89".

Sequencialmente, o Código Penal de 1940, por sua vez, também positivou a matéria em seu art. 281, que assim dispunha sobre o comércio clandestino ou facilitação de uso de entorpecentes:

Art. 281. Importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer, ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a consumo substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de dois a dez contos de réis. § 1° Se o agente é farmacêutico, médico ou dentista:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, de três a doze contos de réis. § 2º Incorre em detenção, de seis meses a dois anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, o médico ou dentista que prescreve substância entorpecente fora dos casos indicados pela terapêutica, ou em dose evidentemente maior do que a necessária, ou com infração de preceito legal ou regulamentar.

§ 3° As penas do parágrafo anterior são aplicadas àquele que: I - Instiga ou induz alguem a usar entorpecente [sic];

II - utilizar local, de que tem a propriedade, posse, administração ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que a título gratuito, para uso ou guarda ilegal de entorpecente;

III - contribue de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso de substância entorpecente [sic].

§ 4º As penas aumentam-se de um terço, se a substância entorpecente é vendida, aplicada, fornecida ou prescrita a menor de dezoito anos.

Nesse momento, nota-se que a pena de multa passa a ser cumulativa com a reprimenda privativa de liberdade dos sujeitos que praticavam, pelo menos, 01 (uma) das 11 (onze) condutas elencadas no caput do dispositivo legal em análise, o que demonstra a intensificação da política criminal contra a distribuição de entorpecentes no país.

Houve ainda algumas alterações ao texto original do art. 281 do Código Penal de 1940, como, por exemplo, a partir do Decreto-Lei n. 4.720 e com a publicação da Lei n. 4.451/64, que dispunham, respectivamente, sobre o cultivo e a tipificação da conduta de plantar entorpecentes. Igualmente, merece destaque a Lei n. 5.726/71 por ter regulamentado as medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso de substâncias entorpecente ou que determinem dependência física ou psíquica.

Dado o elevado número de decretos e leis esparsas sobre o assunto, tornou-se necessária positivação do tema em uma única lei, que veio a ser a n. 6.386/76. Nela, deveriam constar não só as medidas de prevenção e o procedimento processual, como também os delitos e suas penas.

Todavia, o mencionado texto normativo sofreu severas críticas ante a sua defasagem conceitual e operacional, como bem salienta Salo de Carvalho90, razão pela qual

insurgiram debates acerca da necessidade de nova alteração legislativa, o que culminou com a Lei n. 10.409/02, a qual, em grande parte, não agradou à Presidência da República, que vetou o capítulo correspondente aos delitos e às penas.

Diante disso, ambas as leis restaram revogadas. Sobre o tema, LEAL esclarece que91:

Após 30 anos de vigência e diversas tentativas de mudança, a Lei 6.386/76 acabou revogada. Para muitos penalistas, estava ela superada pelas mudanças ocorridas na sociedade brasileira e não servia mais - como instrumento de controle penal eficaz e adequado - para os fins a que se propunha: prevenção, tratamento e repressão aos usuários e traficantes de

substâncias entorpecentes.

Revogada, também, ficou a Lei 10.409/02, aprovada para substituir sua congênere da década de 1976. Objeto de inúmeros vetos, que lhe suprimiu toda a parte relativa aos crimes e penas, a Lei 10.409/02 acabou promulgada pela metade. Seu texto, portanto, cumpriu apenas parcialmente a função revogadora e de substituição da Lei 6.368/76, com a qual teve de repartir a complexa função de prevenir e reprimir as atividades relacionadas ao uso e ao tráfico ilícito de substância entorpecente, até o momento da vigência da atual lei de drogas.

Por isso, em face da situação extremamente confusa, causada pela vigência concorrente e simultânea de dois textos conflitantes e assimétricos, não restava outra alternativa ao Congresso Nacional senão a de aprovar uma nova lei que viesse ordenar e unificar, mediante um único texto legal, esta matéria penal. Daí a aprovação da atual Lei 11.343/006 [...]

De fato, a revogação de leis simultâneas e conflitantes sobre o mesmo tema se mostrou a medida mais razoável, ainda mais se considerado o fato de que um dos objetivos da criação da Lei n. 6.386/76 era, justamente, unificar a matéria esparsa a respeito do assunto e que a Lei 10.409/02, de caráter substitutivo à primeira, não atingiu, na integralidade, sua finalidade.

É em meio a tal panorama que foi criada e, posteriormente, aprovada a Lei n. 11.343/06, hoje vigente no Brasil, a qual, em seus 75 (setenta e cinco) artigos, institui o

90 CARVALHO, Salo de. op. cit., p. 61.

91 LEAL, João José. Controle penal das drogas: estudo dos crimes descritos na Lei 11.343/06. Curitiba:

Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabeleceu normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; definiu crimes e dá outras providências".

Dentre as modificações alcançadas com o advento da Lei n. 11.343/06, sem dúvida, o afastamento da pena privativa de liberdade aos condenados por crime de porte de drogas para consumo pessoal, foi a mais significativa delas, pois eximiu o usuário de entorpecentes do cárcere.

No que tange à base ideológica, entretanto, salienta Salo de Carvalho que a Lei n. 11/343/06: "mantém inalterado o sistema proibicionista inaugurado com a Lei 6.268/7692".

Nesse aspecto, inclusive, cabe destacar o agravamento do limite mínimo da pena privativa de liberdade direcionada aos indivíduos incursos nas sanções do crime de tráfico de drogas: a reprimenda, que na Lei n. 6.386/76 deveria variar entre 03 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão (art. 12)93, agora deve ser aplicada entre 05 (cinco) a 15 (quinze) anos (art. 33 da Lei

n. 11.343/06)94.

Portanto, o histórico da política criminal antidrogas no Brasil demonstra o enrijecimento da legislação pátria no que concerne ao crime de tráfico de drogas e às condutas a ele equiparadas em razão do agravamento das penas e do aumento de condutas configuradoras do referido.

Tal conclusão pode ainda ser extraída da redação do art. 5o, XLIII, da Constituição Federal de 198895, que considerou o crime de tráfico de drogas como

inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, bem como equiparou o referido delito aos crimes hediondos.

92 CARVALHO, Salo de. op. cit., p. 71.

93 Lei n. 6.386/76, art. 12: Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à

venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias- multa [sic].

94 Lei n. 11.343/06, art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à

venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias- multa.

95 Constituição Federal (1988), art. 5 o, XLIII: A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou

anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Realizado o breve estudo sobre o histórico da legislação penal antidrogas no Brasil, passa-se à análise pormenorizada da Lei n. 11.343/06 e suas modificações mais significativas quanto à Lei n. 6.386/76.