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Relação com os princípios da individualização da pena e da proporcionalidade

A causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4o, da Lei n. 11.343/06 se trata, mais uma vez, de inovação legislativa, uma vez que a norma de 1976 nada versava a respeito de possibilidade de mitigação da pena dos delitos de tráfico de drogas.

Isso posto, estabelece o referido dispositivo:

§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão

ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)

Destaca-se que a minorante refere-se, exclusivamente, ao caput do art. 33 da mesma lei e ao seu parágrafo § 1o, de maneira que é vedada a sua incidência sobre os demais artigos que tratam de delitos equiparados aos tráfico de drogas (§§2o e 3o do art. 33 e art. 34, todos da Lei n. 11.343/06).

Feitas as ressalvas, tem-se que a previsão normativa acertou, pois possibilitou ao aplicador da norma penal agir com base no princípio da individualização da pena, uma vez que distinguiu a lesividade das condutas perpetradas entre grandes traficantes e aqueles que se envolveram com o comércio espúrio pela primeira vez.

Sobre a causa de diminuição de pena em análise, comenta João José Leal129: Parece-nos, que uma das razões da minorante em exame é a de permitir ao juiz um instrumento mais racional e justo, em termos de aplicação e individualização da pena [...]. Por isso, podemos dizer que a minorante foi criada para beneficiar o traficante primário e de bons antecedentes que, isoladamente, na ponta da cadeia criminosa, faz seu trabalho à margem (ou, ao menos, sem contato direto) dos principais integrantes da quadrilha ou organização e que são os maiores responsáveis pelo sinistro negócio do tráfico de drogas.

Destarte, é justo o abrandamento considerável na sanção imposta àquele que, atuando na base da cadeia do tráfico ilícito de entorpecentes, age com menor reprovabilidade do que o chefe do comércio ilícito de drogas.

A diminuição da reprimenda, além de propiciar a individualização das penas, garante a proporcionalidade da sanção imposta, visto que, como causa de diminuição, impôs frações de minoração - de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) da pena de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão estipulada no caput do art. 33 da Lei n. 11.343/06, sendo que o montante ideal a ser suprimido da pena deverá ser analisado em observância às regras do art. 42 da mesma legislação - que será melhor esclarecido em tópico seguinte, mas que, em resumo, abrange o grau de culpabilidade do agente face ao potencial lesivo de sua conduta.

Assim, dentre as modificações legislativas quanto ao delito de tráfico de drogas trazidas com o advento da Lei n. 11.343/06, sem dúvida a inédita causa de diminuição de pena em comento foi um dos seus grandes avanços, pois o exame dos princípios constitucionais aplicáveis à dosimetria da pena, em primeiro plano, pelo editor da norma, facilitou a análise, em plano secundário, do magistrado, que agora tem a possibilidade de aplicar sanções mais justas após a análise da real gravidade de determinada conduta delituosa.

Esse âmbito positivo da causa de diminuição de pena é a interpretação de que se vale parte considerável dos juristas brasileiros130. Não obstante, Lênio Streck formulou severas

críticas ao instituto, que em sua visão é inconstitucional por afrontar o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, no âmbito da proibição da proteção deficiente.

Nesse aspecto, sustenta o referido autor em seu artigo intitulado O dever de

proteção do Estado (schutzpflicht): o lado esquecido dos direitos fundamentais ou "qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecente"?131:

O que deve ser aqui considerado diz respeito à determinação legislativa que veio a aplacar/mitigar a repressão penal do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Não é desarrazoado afirmar que a punição insuficiente para um crime de extrema gravidade e reprovabilidade equivale à impunidade. Ou, em outras palavras, equivale a não aplicação do comando constitucional de criminalizar. Na verdade, o legislador banaliza a punição do tráfico, nesse particular, ao tempo em que a Constituição aponta explicitamente para o outro lado, isto é, para uma atuação eficaz do Estado na repressão do

tráfico de entorpecentes.

Dito de outro modo, a Constituição Federal da República do Brasil estabelece diretrizes de política criminal a serem, necessariamente, seguidas quando da edição de leis penais no exercício da atividade legiferante. Com base em tal premissa, o legislador não é dotado de absoluta liberdade na eleição das condutas que serão alvo de incriminação e nem, tampouco, na escolha dos bens jurídicos que serão objeto de proteção penal. Em

130 GRECO FILHO; RASSI. op. cit., p. 109; RANGEL; BACILA, Carlos Roberto. op. cit., p. 110; BIZZOTTO;

RODRIGUES. op. cit., p. 74. LEAL, João Jose. op. cit., p. 104; LIMA. op. cit., p. 742. NUCCI. op. cit., p. 316.

131 STRECK, Lenio Luiz. O dever de proteção do Estado (schutzpflicht): o lado esquecido dos direitos

fundamentais ou "qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecente"? Disponível em <https://jus.com.br/artigos/11493/o-dever-de-protecao-do-estado-schutzpflicht>; acesso em 10/06/2016.

decorrência, também não pode o Poder Legislativo deliberar sobre a descriminalização de normas protetivas de bens jurídicos com manifesta dignidade constitucional.

Por isso, o legislador ordinário, ao conceder o favor legal de “desconto” da pena com o teto de 2/3, extrapolou sua “competência”, a ponto de se poder dizer que tal atitude equivale à desproteção do bem jurídico ofendido pela conduta de quem pratica o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. (grifos no original)

Como se vê, a crítica dura crítica do penalista gira em torno da grande mitigação conferida pelo legislador ao estabelecer a redução da pena de até 2/3 (dois terços) o que, por sua vez, possibilita a fixação da pena em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão guando a causa de diminuição for aplicada em seu grau máximo e o agente não ostentar circunstâncias judiciais ou legais desfavoráveis, pois, na visão do autor, esse quantum de penalidade não seria suficiente a reprimir e prevenir a prática do crime de tráfico de drogas, delito equiparado a hediondo pela Constituição Federal.

Em que pesem os respeitáveis argumentos do nobre jurista, o texto constitucional não outorga diretrizes a serem perseguidas pelo legislador quando da ponderação sobre limites mínimos e máximos de sanções penais privativas de liberdade, ainda que o delito tenha natureza hedionda.

Assim, caberá ao editor da norma ponderar sobre o excesso ou timidez da reprimenda e sua adequação ao tipo penal, tudo com base no princípio da proporcionalidade, que veda, sim, a proteção deficiente, mas, igualmente, proíbe o excesso punitivo.

Ademais, a questão sobre o caráter hediondo do delito não é pacífica nem na doutrina, nem na jurisprudência. Entre os que consideram que a causa de diminuição de pena não afasta a hediondez do delito de tráfico ilícito de drogas está NUCCI, para o qual o a simples incidência da minorante não é apta a criar uma nova infração penal, de maneira que a traficância de entorpecentes sempre será considerada como delito hediondo132.

Na linha oposta, destaca-se o ensinamento de RANGEL e BACILA, de que a figura do tráfico previsto no art. 33, § 4o, da Lei n. 11.343/06 recebeu tratamento diferenciado e que, por sua vez, deve afastar a hediondez do delito, pois, caso contrário, estariam sendo tratados igualmente os desiguais133, o que não seria coerente, visto que a conduta de um

"traficante de primeira viagem" e que realiza o comércio de pequena quantidade de entorpecentes é nitidamente menos ofensiva do que a prática daquele que não faz jus à causa de diminuição, tanto que a própria lei os distinguiu, beneficiando o primeiro.

132 NUCCI. op. cit., p. 318.

Da mesma forma, há discussão jurisprudencial sobre o tema. Enquanto o STJ sumulou o entendimento de que: "A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas134", o

Supremo Tribunal Federal, em 23 de junho de 2016, no julgamento em plenário do Habeas

Corpus n. 118.533, de Mato Grosso do Sul, decidiu por maioria de votos afastar a hediondez

do delito no caso, porquanto incidente a causa de diminuição de pena. No voto, a relatora, Ministra Carmem Lúcia, entendeu que a figura do tráfico de entorpecentes no qual incida a causa de diminuição de pena não se harmoniza com a qualidade hedionda do caput do art. 33 da Lei Antitóxicos de 2006, no que foi acompanhada por outros 07 (sete) ministros135.

Portanto, a hediondez do delito não sustenta, por si só, o argumento de que a mitigação da pena nos moldes do art. 33, § 4o, da Lei n. 11.343/06 é inconstitucional, muito menos com a recente decisão do Tribunal guardião da Constituição Federal, que muito se amolda aos princípios da proporcionalidade e individualização da pena.

Por derradeiro, é necessário o preenchimento cumulativo de requisitos para a concessão da minorante em questão136, além da subsunção ao art. 42 da Lei de Drogas para

posterior quantificação da fração, de modo que não é tão comum a aplicação do grau máximo de diminuição - 2/3 (dois terços), principal objeto da crítica de STRECK, conforme alhures mencionado.

Pelo exposto, tem-se que, de uma maneira geral, a previsão da causa de diminuição de pena do delito de tráfico de drogas apresenta um avanço contra a política repressiva sobre entorpecentes que vigora no Brasil.

Não obstante, devem ser apontadas as críticas quanto ao dispositivo, que se mostrou repetitivo quanto às condições pessoais do agente, como se verá na sequência, ao mesmo tempo que tratou com vagueza a questão sobre a gradação da fração ideal.

134 Superior Tribunal de Justiça, Súmula n. 512.

135 Supremo Tribunal Federal: HC n. 118.533, de Minas Gerais. Disponível em

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=294379>; Acesso em: 10/06/2016 e Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=319638 >. Acesso em 23/06/2016.

136 Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1432724/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA

FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 29/04/2016: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. [...] APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.340/2006. [...] 5. Para se aplicar a benesse de que cuida o artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, é necessário o preenchimento de quatro requisitos cumulativos, quais sejam, primariedade, bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa. [...]