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2.10 Autoconsciência

2.10.1 Autoconsciência e emoções

Em seu artigo sobre a Teoria da Autoconsciência na depressão reativa, Pyszczynski e Greenberg (1987) expõem, na visão de Duval e Wicklund (1972) que a atenção focalizada no self (autoconsciência) instiga processos autoavaliativos pelos quais uma pessoa se detém numa dimensão autorrelevante corrente num dado momento, mais saliente e a compara com seu padrão ou aspiração para aquela dimensão. Quando a pessoa excede o padrão, o autofoco produz um afeto positivo. Quando o padrão não é atingido, o autofoco produz afeto negativo, resultando numa tentativa de reduzir a discrepância negativa ou escapar do autofoco. Segundo Pyszcsynski e Greenberg (op. cit.) tomando a perspectiva de Carver e Schier (1981), tal mecanismo se dá dentro de um modelo cibernético autorregulatório. Isto é, se o afeto leva ao comportamento destinado à redução da discrepância ou à fuga do estado de autofoco – depende da probabilidade subjetiva da redução ser bem sucedida. A alta probabilidade leva ao comportamento esperado, enquanto que a baixa probabilidade leva a uma fuga de tal comportamento bem como à tentativa de minimizar o autofoco.

O autoconceito acadêmico é o processo autoavaliativo, de controle subjetivo que o estudante faz da sua experiência emocional frente às atividades de desempenho escolar (e.g., instruções em sala de aula, dever de casa, provas) e seus resultados. Como já foi descrito na sessão 2.7, esse construto é, basicamente, a crença subjetiva de o estudante ter ou não as habilidades necessárias para alcançar a meta esperada de um nível ótimo de desempenho. A ligação deste mecanismo com a autoconsciência, tomando como base o modelo cibernético autorregulatório descrito acima, acontece na medida em que o estudante que tem uma autoconsciência focalizada excessivamente em aspectos negativos (e.g., não se achar suficientemente hábil para resolver problemas de matemática) do autoconceito acadêmico, provavelmente irá experimentar mais emoções negativas em relação às situações de desempenho na matemática. O que acarretará, ou numa busca do estudante para reduzir a discrepância produzida pelo autofoco em aspectos negativos de seu autoconceito acadêmico ou numa fuga da autoconsciência dessa dimensão negativa de sua personalidade.

Ao que concerne aos tipos socioculturais de autoimagem independente e interdependente a autoconsciência opera de maneira semelhante como acontece com o autoconceito acadêmico. Uma vez que, no modelo de Autoconsciência de Morin, o

ambiente social representa uma poderosa fonte de autoinformação e, consequentemente, pode produzir autofoco de várias maneiras. Desta forma, o tipo de construção de autoimagem que indivíduo desenvolve dentro de seu do meio sociocultural (com seus valores típicos, crenças e padrões esperados de comportamentos), depende da operação da autoconsciência. É este mecanismo que toma como perspectiva para o self as informações culturais da sociedade a qual o indivíduo pertence e assim forma os atributos autorreferentes de sua personalidade. É o que confirmam as pesquisas transculturais de Cross e Gore (2003) apresentando evidências que indicam que a autoimagem das pessoas são profundamente moldadas por valores, crenças e práticas das instituições sociais as quais pertencem.

Um exemplo disso é quando uma identidade cultural se torna saliente, os indivíduos são mais aptos a pensar sobre si mesmos como tendo as características representativas daquela cultura (Brewer, 2003). Recordando o que já foi exposto na sessão 2.10, um indivíduo que pertence a uma cultura onde valores individualistas são mais destacados, se perceberá a si mesmo com características que reforcem esse padrão, o mesmo ocorrendo para aqueles provenientes de culturas coletivistas. Oyserman e Markus (1993) mostraram uma diferença no contexto social moldando à autoimagem podendo ser ou conjunta (foco da autoimagem no outro) ou disjunta (foco da autoimagem no próprio self e independente).

Tanto no tipo de autoimagem independente quanto no tipo interdepende, o self é o ponto de partida. O que muda de um tipo para o outro é a tomada de perspectiva em relação ao ambiente sociocultural. Isto é, em indivíduos de autoimagem independente o self vai focalizar a atenção nos aspectos típicos da sua cultura individualista como são, por exemplo, os EUA, a Alemanha – e.g., ‘tenho uma personalidade autossuficiente’, ‘não vivo à sombra de ninguém’, ‘tenho capacidade de autonomia’. Já os indivíduos de autoimagem interdependente, vão direcionar seu self na focalização de valores, crenças, atitudes típicas da cultura coletivista (China, Índia, Tibet), como por exemplo, ‘não sou do tipo de pessoa que gosto de me exibir para meus colegas de turma’, ‘sou uma pessoa que sacrifica meu próprio interesse em benefício da minha equipe de trabalho’. Isso tem um peso importante no tipo de significado que o indivíduo dá as suas emoções. Através da autoconsciência ele forma seu tipo de autoimagem e, consequentemente, a reação emocional frente às situações no decorrer da sua vida dependerá também do tipo de autoimagem que ele possui. É o que, semelhantemente, defende a teoria de Lazarus da avaliação cognitiva mediando as

emoções. Onde ele argumenta que as variáveis da personalidade, como é o caso da autoimagem e características do ambiente se justapõem quando uma emoção é desencadeada. Então se pode supor que quando a autoconsciência está focalizada em aspectos independentes da autoimagem, emoções de orgulho e raiva, podem ser mais intensas. Enquanto que a autoconsciência focalizada em atributos interdependentes, emoções de vergonha e culpa vão ser mais significativas para o indivíduo que as experimenta.

Outro reforço a estes pressupostos é o estudo de Tangney e Fischer (1995), em que afirmam que as emoções podem ser autoconscientes ou autorreflexivas – emoções que refletem os feitos próprios de uma pessoa e que são assim importantes para autorregulação. As emoções autoconscientes que indicam que metas pessoais têm sido sucessivamente alcançadas podem ser mais importantes e desejáveis em pessoas de autoimagem independente, as quais são mais focalizadas na autopromoção. Sobre este tipo particular de emoções, é explanado de forma mais detalhada sua interface com os autoatributos do self em um tópico na sessão 2.13. Assim, a autoconsciência das emoções que são desencadeadas pelo esforço sucessivo de alguém (e.g., orgulho) são altamente valorizadas em sociedades individualistas. Entretanto as emoções autoconscientes (eg., culpa) que indicam que as ações controláveis de alguém são erradas ou insuficientes (informações negativas consideradas de uma pessoa) podem ser mais importantes e desejáveis por pessoas com autoimagem interdependente, que são mais focalizadas na prevenção.

Pesquisas no campo da autoconsciência já confirmam (ver Nascimento, 2008) que indivíduos com altos níveis de autoconsciência (ao contrário de indivíduos menos autoconscientes) percebem o conteúdo de sua experiência subjetiva de forma mais intensa e acurada, são mais resistentes à rejeição social, conhecem melhor a si mesmos e são capazes de empatia em relação aos outros. No entanto, paradoxalmente, as mesmas operações reflexivas relacionadas ao construto de autoconsciência e que permitem aperfeiçoar a adaptação do self ao ambiente, são as mesmas responsáveis por desordens afetivo-cognitivas. A capacidade do self de autorrefletir pode distorcer nossas percepções sobre o mundo e leva-nos a traçar conclusões não acuradas sobre nós mesmos e os outros, fazendo-nos tomar decisões inadequadas com base em informações errôneas. Sendo assim a autoconsciência pode instanciar doses de sofrimento pessoal na forma de depressão, ansiedade, inveja e outras emoções autofocalizadoras negativas que cursam com

ruminação sobre o próprio passado ou sobre um futuro infeliz antecipado (Leary, 2004). Isto gera a necessidade de mais estudos voltados para verificar melhor as relações entre autoconsciência e emoções, e mais especificamente, no campo da psicologia cognitiva e da educação essas relações nos ambientes escolares e acadêmicos.

Morin e Everett (1990) descrevem um nível mais sofisticado de autoconsciência que se pode inferir do anterior, que é a capacidade de “estar consciente de estar consciente”, ou seja, o nível da metaconsciência. Pekrun et al. (2002) constatou nos resultados de suas pesquisas um fenômeno que pode ocorrer em sincronia com a metaconsciênica, o qual denominou meta-emoções. Os sentimentos dos estudantes sobre suas próprias emoções. Um número de estudantes, por exemplo, deu um detalhado montante de relatos de experienciar raiva por estarem ansiosos antes das provas. Em alguns desses estudantes, essa raiva os ajudou a encontrar formas de regular a sua ansiedade, implicando assim que as metaemoções facilitam a autorregulação dos estudantes sobre emoções negativas. Assim pode-se supor que esse fenômeno de estar consciente de uma emoção e a partir disso ser gerada uma nova emoção pode ser ativado pela atuação da autoconsciência bem como da metaconsciência, pois para sentir raiva de estar sentindo ansiedade, pode ser preciso “estar consciente de se estar consciente’ dessa ansiedade. Como afirma Nascimento (2008): “Se uma pessoa pode expressar um estado emocional como a raiva e dizer ‘eu estou com raiva’, a metaconsciência o possibilita a inspecionar essa operação psíquica e ele poderá dizer ‘estou consciente do fato de estar com raiva’, ou ainda ‘sei dos motivos que me fazem ficar com raiva’” (p.39).

Acrescenta-se ao que já foi até então exposto, que a autoconsciência pode influenciar as emoções no ponto de entrada das avaliações iniciais (Silvia, 2002). Altos níveis de autoconsciência tipicamente podem levar a mais autoatribuições internas tanto para eventos negativos quanto para os positivos; e gerar novas emoções (Duval & Wicklund, 1973; Silvia & Duval, 2001). Algumas evidências também sugerem que o autofoco disposicional leva as pessoas a superestimar a extensão na qual os eventos aleatórios são deliberadamente direcionados ao self (Fenigstein, 1984). Ver a si mesmo como causador responsável de eventos e perceber os eventos como sendo diretamente do próprio self, como já foi aqui explicitado na sessão 2.4 sobre a teoria de Lazarus (1991, também cit. in Silvia, 2002), são importantes componentes de autoavaliação das emoções. E – como também salienta Lazarus a respeito do dado significado pessoal a que os processos

cognitivos de avaliação permitem o indivíduo fazer da sua experiência emocional – é assumido aqui o pressuposto de que é a autoconsciência o mecanismo responsável pelo processo autoavaliativo que dá as emoções um sentido de dano, ameaça, desafio ou benefício.

As ideias que foram expostas nos parágrafos que se seguiram nesta sessão, apontam para o pressuposto de ser a autoconsciência o parâmetro psicológico central para os processos autoavaliativos que medeiam a experiência emocional geral dos indivíduos e também no contexto específico dos ambientes escolares e acadêmicos o qual é o foco desta pesquisa. Possuir um self reflexivo dá ao ser humano vantagens evolucionárias nítidas sobre os outros animais (Leary, 2004). A autoconsciência permite o advento de uma gama de operações que potencializam a adaptação ao ambiente; planejamento, tomada de decisão, autocontrole, ‘autoconceitualização’, autoavaliação, introspecção, tomada de perspectiva, e processos cognitivos de alto nível. O que Sternberg e Spear-Swerling (1998) nomeiam de “Navegação Pessoal (personal navigation - PN).

2.11 O Enlace Da Experiência Emocional Com O Self, Autoconsciência, Autoavaliações, Contexto Sociocultural: relações no aspecto de desenvolvimento

Estudar um fenômeno a partir de uma perspectiva de desenvolvimento é estar atento para os acontecimentos os quais lhe geram mudanças ao longo do tempo. Tais acontecimentos ocorrem dentro de um contexto amplo de situações. Estas interagem de modo a produzir as mudanças que atuam na configuração do fenômeno e na forma como este se apresenta no comportamento.

No que concerne ao estudo aqui apresentado, o fenômeno escolhido é a experiência emocional do estudante frente às situações de desempenho na matemática; e sua relação com processos cognitivos autoavaliativos em interação com o contexto sociocultural. Em seu capítulo “The Emergence of Human Emotions” Lewis afirma: “as experiências emocionais são as interpretações e avaliações feitas pelos indivíduos das suas situações percebidas, estados emocionais e expressões” (Lewis, 2008, pg.311). Sendo assim, faz-se importante tocar no aspecto do desenvolvimento dessas experiências emocionais em diacronia com o desenvolvimento dos mecanismos cognitivos diretamente ligados ao self. Para uma melhor compreensão do fenômeno da ontogênese da experiência emocional,

comecemos então a expor desenvolvimento da relação entre estímulos, respostas e estados emocionais.

Eventos estimulantes e respostas emocionais

No que se refere à origem e ontogênese desses estímulos ou eventos estimulantes que despertam emoções, uma das primeiras questões que surgem é se existem estímulos específicos para cada emoção. Pesquisadores deste campo vêm observando que tais estímulos estão relacionados ao tipo de cultura a qual pertencem os indivíduos. E tais são aprendidos na infância em certas condições estimulantes (Lewis, 2008). Quanto às respostas emocionais, seu aprendizado para determinadas condições de estímulos, nos informa, pelo menos, que o conhecimento sobre estímulos emocionais e respostas apropriadas é algo adquirido (ver Harris, 1989; Lewis, 1989).

A teoria de Darwin (1965; 1872) sobre emoções humanas, afirma que as respostas emocionais a eventos são adaptativas. Experimentos comprovaram essas ideias. Foram descobertos padrões de ação para certos estímulos (Bennett, Bendersky, & Lewis, 2005; Lewis, Hitsshcock, & Sullivan, 2004; Lewis & Ramsay, 2005; Lewis, Ramsay, & Sullivan, 2006; Sullivan & Lewis, 2003). Existe uma classe de estímulos desencadeantes que têm pequena história no desenvolvimento; são inatos. Mesmo assim, os eventos de desenvolvimento do organismo podem ser tais que inibam ou restrinjam os estímulos desencadeantes de operarem na sua forma natural. Lewis assim conclui que (1) os estímulos desencadeantes podem ter uma conexão biológica adaptativa para emoções específicas, enquanto que outros estão os conectados através de associações aprendidas; (2) os indivíduos podem diferir na extensão na qual o mesmo desencadeante produz emoções diferentes; (3) a relação entre desencadeantes emocionais e resultados emocionais muda em função do significado do sistema de um indivíduo em particular.

Estados emocionais.

Sobre os estados emocionais, sua origem e desenvolvimento, há correntes que defendem a existência de estruturas biológicas inatas. Há os que argumentam sobre uma combinação entre uma base neurobiológica inata em interação com o meio ambiente. Outro grupo de teóricos insiste que tais estados se desenvolvem e evoluem e maturam a partir do desenvolvimento de sistemas cognitivos (ver Lewis, 2008). Uma coisa importante a ser dita

é que eles “são construtos inferidos e que são definidos como uma constelação particular de mudanças na atividade somática e/ou neurofisiológica” (Lewis, op.cit., p.307). Também é importante assinalar que estes estados emocionais podem muito bem ocorrer sem que o organismo que os produz esteja apto para percebê-los. Pessoas podem estar com raiva diante de uma provocação, mas não se perceberem zangadas.

Neste ponto, é importante lembrar que emoções aqui são vistas como experiências e não como estados (ver cap. 2). Não é negada a existência do estado emocional, mas ele por si só, não gera a experiência da emoção pelo sujeito. Pois, para que isto ocorra, ele precisa estar atento e selecionar um conjunto de estímulos. Ainda assim, mesmo as experiências emocionais podem não estar acessíveis à consciência de quem as possui, argumenta o referido autor. Pois ele aponta que pode ainda haver uma distinção entre a experiência externa e a interna. Reportando-nos para nosso contexto de pesquisa podemos supor que um estudante pode estar ansioso diante de uma questão de prova de matemática difícil. Mas não estar consciente daquele estado, pelo menos naquele exato instante. Não com um nível suficiente que o proporcione dar significado àquele desconforto a ponto de nomeá-lo como ansioso.

Dentro desta perspectiva, portanto, existem então diferentes níveis de consciência9. E assim, dependendo do nível de consciência, as pessoas podem experienciar emoções e estar conscientes delas ou passar pela experiência e estar num modo inconsciente no qual a autopercepção consciente não lhe está disponível.

Há desta forma, por assim dizer, um enlace entre emoções e processos cognitivos de alta ordem, estreitamente referentes ao self, em interação com o ambiente físico e social, que dinamizam a vida humana e lhe dão desenvolvimento e expressão. Lewis expõe um argumento que é deveras oportuno para a compreensão do desenvolvimento da interface das emoções com os construtos relacionados ao self e com o contexto sociocultural. Apresenta-se seu relato abaixo:

(...) a experiência do estado nada mais é do que uma construção cognitiva, utilizando percepções tais como a natureza da experiência, história passada, respostas dos outros e assim por diante. Sobre tal visão, experiências emocionais são os únicos e específicos estados em si mesmos (...) experiências emocionais, portanto, dependem de processos cognitivos. Processos cognitivos envolvem interpretação e avaliação, são enormemente complexos e envolvem vários processos perceptuais, de memória e de elaboração. Avaliação e

9 Eis a razão mor da necessidade de se pesquisar a relação do construto autoconsciência com as emoções de

interpretação não só envolvem processos cognitivos que habilitam o organismo para agirem na informação, mas são muito dependentes da socialização para prover o conteúdo da experiência emocional (Lewis, 2008, p.312).

Mediante os argumentos acima expostos, fica claro que, para que haja desenvolvimento emocional, é preciso que haja também o desenvolvimento cognitivo. Além disso, é necessária a interferência do meio social e da cultura nele contida para que as emoções experienciadas desenvolvam certo matiz. No que concerne ao desenvolvimento cognitivo, algumas habilidades cognitivas são fundamentais para que haja experiência emocional; incluindo a habilidade de perceber e discriminar, recordar, associar e comparar. Tais habilidades vão ficar cada vez mais sofisticadas com a maturação do organismo ao longo do tempo e, consequentemente, a experiência emocional se sofistica; na medida em que o organismo interage com seu ambiente composto tanto por objetos quanto pessoas. Isto permite ao sujeito desenvolver uma habilidade cognitiva particular: o conceito de si (self). Este aspecto da cognição é fundamental para um salto qualitativo no desenvolvimento das emoções e contribui para a emergência de um sistema emocional mais complexo e elaborado.

2.11.1 O Desenvolvimento Do Self, Seus Atributos, Autoconsciência

Nas palavras de Lewis (2008) (...) “Emocional experiences take the linguistic form ‘I am frightned’ or ‘I am happy’ (experiências emocionais tomam a forma linguística: ‘eu estou amedrontado’ ou ‘eu estou feliz’)”. Isto é, para estar consciente da experiência de estar com medo ou estar feliz é preciso que o sujeito que está sentindo medo ou felicidade seja capaz de observar a si mesmo, perceber que aquele estado emocional lhe é próprio e só então nomear aquele estado. Desta forma, ele se torna sujeito e objeto da experiência – ele está autoconsciente.

Tal capacidade cognitiva – de tornar-se autorreferente demonstra que o indivíduo já possui em seu sistema cognitivo a condição necessária para perceber a distinção entre si mesmo, o ambiente e os objetos e pessoas nele contidos. A criança, quando começa a apresentar essa capacidade de distinguir o que lhe é próprio e o que é dos outros, já tem um conceito de si (self) e isto a habilita para experienciar emoções. Antes de estar apta para ter o conceito de self, ela possui estados emocionais (e.g.alegria quando recebe o carinho da

mãe, medo quando lhe aparece um estranho. Entretanto, até ela ser capaz de fazer comparação entre si mesma e o ambiente – distinguindo o que lhe é interno e externo – ela não tem a consciência de que aquele estado emocional é seu, avaliá-lo e nomeá-lo. Antes dos 15 meses de idade a criança não consegue fazer esta distinção (Lewis, 2003b, 2005b; Lewis & Brooks-Gunn, 1978, 1979). Por isso, até essa idade não possui o mecanismo cognitivo de autoconsciência. Entre os 15 e os 24 meses de vida, no entanto, a criança começa a demonstrar, no seu comportamento, a capacidade de experiência emocional. Tanto autores que exploram os processos cognitivos relacionados ao self (e.g.Kagan, 1998; Gerllermn, 1991) quanto os que se ocupam das emoções e seu desenvolvimento, têm o consenso de que é à partir dos dois anos de idade que a criança inicia a capacidade de autoconsciência habilitando-a para ter a experiência da emoção (Lewis, Sullivan, Stanger, & Weiss, 1989).

Ao dar grande ênfase ao papel do processo de autoconsciência para o desenvolvimento da experiência emocional, Lewis assim concebe: (...) “autoconsciência é um evento de processamento de informação e tomada de decisão relacionada a um estímulo interno; requer um senso de agência por parte do organismo” (Lewis, 2008, p. 313). Ter tal senso significa que o indivíduo que o possui está apto para identificar não só o que ou quem causou o estímulo, mas também quem é que o está avaliando.

Defende-se então aqui que o senso de self produz atributos autorreferentes dentre os quais, estes que são objetos da presente pesquisa. Consequentemente, são esses atributos ‘self-relacionados’ que produzem a tonalidade e as nuances da experiência emocional; são configurados através da aquisição pelo sujeito de padrões, valores, crenças, regras e metas de ordem sociocultural.

Ao se examinar o que até aqui foi explanado nesta sessão, pode-se deduzir que existe uma ordem na emergência dos processos cognitivos estreitamente ligados ao desenvolvimento emocional. No entanto, mesmo havendo uma ordem no desenvolvimento cognitivo e emocional de forma sistêmica e dinâmica, com uma influência recíproca entre estes mecanismos, não há uma regra geral de continuidade. Comunga-se aqui da ideia de