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A cultura em que o indivíduo está inserido contribui de uma forma dinâmica para constituição do seu comportamento, influenciando suas crenças pessoais, suas relações sociais, sua estruturação de personalidade – como é visto em várias áreas de conhecimento tais como antropologia, sociologia, psicologia social. Ao que se refere à estrutura de personalidade, dentre os fatores de outra ordem, o fator cultural, em parte, modela autoimagem individual o que é evidenciado através das diferenças entre culturas (Markus & Kitayama, 1991). Assim, há diferenças culturais na formação da autoimagem.

Mesmo que o conceito de autoimagem, embora pareça tautológico (Gouveia, 2002), expressando a percepção que a pessoa tem de si, envolve elementos que necessitam ser diferenciados. Para evitar uma confusão conceitual entre autoimagem e autoconceito neste estudo, adota-se aqui a definição de autoimagem (self-construal) como sendo uma constelação de pensamentos, sentimentos e ações, reunidas nas duas dimensões, independente e interdependente, (Markus & Kitayama, 1991; Singelis, 1994) podendo ser descritas nos seguintes termos:

Autoimagem Independente. Define um self delimitado, unitário e estável, que é separado do contexto social, enfatizando qualidades internas, pensamentos e sentimentos; ser único e expressar a si mesmo são orientações chave (ver Gouveia, op. cit.). A pessoa que possui esse tipo de autoimagem tende a promover seus próprios interesses e objetivos, sendo direta e clara na sua comunicação. Ao pensarem em si mesmos, os indivíduos de autoimagem independente têm como referência suas próprias habilidades e atributos internos e suas características. Também quando pensam nos outros consideram mais as características, habilidades, atributos internos e individuais dos mesmos do que no contexto social em que estão inseridos, seus papéis sociais e suas relações interpessoais. Ao serem solicitadas a se descreverem, essas pessoas afirmarão aspectos do tipo: sou inteligente, forte, preguiçoso, autossuficiente, etc. Evitarão também mencionar mais atributos ou características que acentuem o contexto social, o papel desempenhado por cada indivíduo ou a relação deste como os demais.

Autoimagem Interdependente. Para pessoas pertencentes a este tipo de autoimagem seu self é visto como interdependente do seu contexto social. E é a relação do self como outro que é o foco da sua experiência individual. O indivíduo enfatiza os efeitos públicos,

externos, como o status, o papel social ou o posto ocupacional da pessoa. As relações interpessoais são utilizadas como referencial para a construção da autoimagem. Por exemplo, ser amigo, ser um bom companheiro, ser uma pessoa cooperativa, etc. Levam em conta aspectos distinguíveis de pertencer ou identificar-se com um grupo determinado, em geral estendido (familiares em geral, colegas de trabalho, etc). As pessoas se preocupam em ocupar seu próprio lugar, engajar-se em atividades apropriadas, ser indiretas na comunicação. Sua percepção individual do self está ligada ao self dos demais. Priorizam relacionamentos interpessoais harmoniosos dentro do grupo a que pertencem, com a tendência a estar atentas aos sentimentos das demais pessoas e aos pensamentos que estas exprimem, isto é, a ‘ler os pensamentos dos outros’(Gouveia, 2001). Se fosse pedido que a pessoa com este tipo de autoimagem descrevesse a si mesma, ela o faria da seguinte maneira: “sou um bom amigo, um filho adorável, alguém que considera os outros”. É provável que se recusasse a indicar atributos essencialmente pessoais, denotando algum processo interno ou condição individual.

Esses tipos polares de autoimagem se configuram dependendo do tipo de contexto sociocultural. Para as culturas ocidentais, que são descritas como predominantemente individualistas, as pessoas estão mais propensas a terem um tipo de autoimagem independente. Já em culturas coletivistas, mais típicas de países orientais, predomina os tipos de autoimagem interdependente. Como consequência geral dessa divergência na autoimagem é que processos psicológicos os quais implicam o self como um alvo ou como um referente, tais como emoção, cognição, motivação, explicitamente, ou mesmo bem implicitamente, podem variar quanto a sua natureza de acordo com a forma exata ou organização do self inerente em uma dada autoimagem (ver Markus e Kitayama, 1991; Eid & Diener, 2001). Mesmo sob influência de fatores socioculturais, vale à pena salientar que, na definição de Markus e Kitayama (op.cit.), tais construtos são caracterizados por aspectos psicológicos ao invés de antropológicos e sociológicos, marcadamente definidos em termos de atributos pessoais relacionados ao self.

Com respeito à cognição, para as culturas com autoimagem interdependente, em contraste com aquelas com autoimagem independente, alguns aspectos da representação do conhecimento e alguns dos processos envolvidos no pensamento social e não social são influenciados por uma atenção generalizada para o que é relevante para os outros num contexto social. Assim, as ações de alguém são mais propensas de serem vistas como

circunstancialmente ligadas ao contexto social e a caracterização do indivíduo incluirão esse contexto. Ao avaliar suas habilidades matemáticas, por exemplo, um estudante de autoimagem interdependente, provavelmente, considerará a si mesmo como habilidoso em matemática porque pôde aprender com seus pais ou professores. Já um estudante com tipo de autoimagem independente se perceberá habilidoso em matemática por causa de sua própria inteligência.

Uma pesquisa transcultural do self dá suporte a noção inicial de Durkeim (1912/1968) de que a categoria da autoimagem é primariamente um produto de fatores sociais e, como afirma Mauss (1938/1985) sendo uma categoria social, a autoimagem é algo “delicado”, matéria de tão substancial, se não infinita, variação – agente cognitivo reflexivo, sendo um produto do processo social e só dele emergindo. O conteúdo e a estrutura da autoimagem são aspectos variantes de uma cultura para outra. Também a natureza do alter ou self público varia entre culturas – o self que deriva da relação de alguém com as outras pessoas e com as instituições sociais. A significância assinalada para o privado, aspectos interiores vs. aspectos públicos, relacionais na regulação do comportamento irá variar de acordo com cada cultura (Triands, 1989).

2.9.1 Autoimagem e Emoções

A autoimagem pode desempenhar um papel importante em moldar a experiência emocional. Na cognição, se uma atividade emocional ou reação implica a autoimagem, o resultado dessa atividade dependerá da natureza do sistema de autoimagem. E, à parte do medo induzido por luzes fortes e sons altos, ou do prazer produzido por um doce, existem provavelmente poucas emoções que não implicam diretamente a visão de alguém sobre sua autoimagem. Desta forma, Rosaldo (1984) defendeu a ideia de que “sentimentos não são substâncias a serem descobertas no nosso sangue, mas práticas sociais organizadas por histórias as quais tanto vivemos como relatamos. Elas estão estruturadas pelas nossas formas de entendimento” (p.143), “e nós adicionaríamos, especificamente, por um tipo de autoimagem” (Markus & Kitayama, 1991, p.235). Também Lutz (1988, cit. in Markus e Kitayama, 1991), defende que as emoções, embora vistas como universalmente experienciadas como fenômenos humanos naturais, elas são qualquer coisa, menos naturais. As emoções segundo esta autora, podem ser vistas como produtos culturais e

interpessoais de nomear, justificar e persuadir feitos por pessoas em relação umas com as outras.

Markus e Kitayama (op.cit.) sustentam que entre os vários psicólogos teóricos das emoções de orientação cognitiva (eg. De Riviera, 1984; Roseman, 1984; Scherer, 1984; cit in Markus & Kitayama, 1991), a emoção é relevantemente implicada e imbuída numa situação social enquanto construída pela pessoa. Assim numa cultura em que predomina o tipo de autoimagem independente, por exemplo, estudantes são mais prováveis de sentir ansiedade em matemática, por não se acreditarem suficientemente hábeis em si mesmos para assimilar seu conteúdo. Ou então, sentirão ansiedade em certo nível exatamente por autoperceberem hábeis em si mesmo e terem que dar conta do seu sucesso de desempenho. Estudantes de autoimagem independente estarão também mais propensos a sentir orgulho de desempenho matemático por atribuírem a seus atributos individuais de personalidade a causa de seu sucesso. Para Markus & Kitayama (op. cit) não só a experiência de uma emoção depende da construção da situação social, mas também a emoção experimentada em contrapartida desempenha um papel de pivô na mudança e na transformação da natureza da situação social por permitir uma nova construção da situação que emerge e, além do mais, por instigar a pessoa a engajar-se em certas ações (e.g., Frijda, Kuipers, & ter Schure, 1989; Shaver, Schwartz, Kirson, & O'Connor, 1987; C. Smith & Ellsworth, 1987, cit in Markus & Kitayama, 1991). Portanto, a experiência emocional deve variar sistematicamente com a construção da autoimagem.

Ao experienciar e expressar essas emoções, adicionalmente, as pessoas reforçam suas autodefinições, seus atributos internos e levam à tentativa adicional de assegurá-los em público e confirmá-los no privado. É sob esta perspectiva segundo Makus e Kitayama, que as construções da situação social são condensadas, e largamente derivadas da autoimagem de uma pessoa, dos outros e das relações entre ambos. Assim a experiência emocional pode variar sistematicamente de acordo com a autoimagem. Então, na visão destes autores, as condições em que muitas emoções são eliciadas podem diferir de modo marcante de acordo com a autoimagem. Além disso, também a expressão, experiência, intensidade e frequência dessas emoções dependerão da construção da autoimagem.

As emoções variam muito sistematicamente de acordo com a extensão de onde elas seguem, e também promovem e reforçam uma autoimagem independente ou uma autoimagem interdependente. Como afirmam os autores supracitados, essa dimensão é

largamente ignorada na literatura. Algumas emoções, tais como raiva, frustração e orgulho, têm seus atributos individuais internos (as necessidades próprias, metas, desejos ou habilidades de alguém) como os referentes primários. Como já foi visto aqui, em outras palavras, nas ideias de Lazarus sobre fatores de personalidade moldando a experiência emocional. Tais emoções podem ser chamadas autofocalizadas. Elas resultam mais tipicamente, do bloco do impedimento (e.g. “eu fui tratado rudemente”), da satisfação ou da confirmação (e.g. “meu desempenho foi melhor do que o dos outros”) de um dos atributos internos de uma pessoa.

Como consequência, para aquelas pessoas de autoimagem independente operarem efetivamente, elas têm que ser hábeis na expressão e experiência dessas emoções. Elas irão manejar a expressão, bem como a experiência dessas emoções enquanto que essas mantenham, afirmem e suportem sua autoimagem como uma entidade autônoma. A exibição pública de um dos atributos internos pode estar em desacordo com a manutenção da interdependência da interação social cooperativa e, quando não confirmada, pode resultar em confrontações interpessoais, conflitos e, possivelmente, em agressão. Essas consequências negativas, entretanto, não são tão severas para indivíduos de autoimagem independente quanto o podem ser para os de autoimagem interdependente porque a expressão dos atributos internos de alguém é culturalmente sancionada nos contextos sociais em que há predominância de pessoas com autoimagem independente. Tal análise sugere que, em contraste como aquelas pessoas de autoimagem mais interdependente, as emoções autofocalizadas serão expressas com mais frequência e, talvez, mais experimentadas por pessoas de autoimagem independente.

Em contraste com as emoções autofocalizadas, algumas outras emoções, tais como simpatia, sentimentos de comunhão interpessoal e vergonha, têm outra pessoa, ao invés dos atributos internos, como referentes primários. Tais emoções podem ser chamadas de focalizadas no outro. Elas resultam tipicamente de ser sensível aos outros, tomando a perspectiva do outro, e atendendo a promover a interdependência. Experimentar essas emoções assinala nas pessoas suas autoimagens interdependentes. Consequentemente, aquelas pessoas de autoimagem interdependente irão manejar a expressão e a experiência dessas emoções sempre desencorajando a expressão autônoma dos atributos internos de alguém, o que pode levar à inibição e à ambivalência. Embora, entre pessoas de autoimagem independente, essas consequências sejam experimentadas negativamente (ex.

timidez) e possa, na realidade, ter um impacto negativo, poderão, provavelmente, ser mais toleradas entre autoimagens interdependentes como coisas da vida.

As considerações teóricas acima expostas fazem-se necessárias para o exame de como os tipos de autoimagem podem influenciar emoções nas situações de desempenho na matemática. Com base no que foi mostrado, pode-se supor que, em estudantes com tipo de autoimagem independente, emoções autofocalizadas tais como raiva e orgulho, serão mais expressas e experimentadas nos cenários escolares e acadêmicos. Já em estudantes cuja autoimagem é predominantemente do tipo interdependente, emoções focalizadas no outro como vergonha, serão mais frequentes, intensas e mais expressas e experimentadas por eles. Os construtos autoconceito acadêmico e tipos de autoimagem, como próprio prefixo indica, têm como foco o próprio eu (self). Desta forma, para que sejam configurados, parte- se aqui do pressuposto de que precisem de outro mecanismo cognitivo também ligado ao self o qual é a atenção autofocalizada, ou seja, a autoconsciência. Se for cogitada a possibilidade do autoconceito acadêmico e dos tipos de autoimagem mediar às emoções de desempenho na matemática e se estas variáveis dependem da atuação da autoconsciência, então este mecanismo cognitivo torna-se relevante neste estudo e é o que será tratado na sessão a seguir.