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CAPÍTULO 4 – A AUTONOMIA DO ALUNO

4.2 A AUTONOMIA DO ALUNO: O ESBOÇO DE UMA NOVA COMPREENSÃO

A análise dos conceitos de Henri Holec, Phil Benson e David Little demonstram que ao menos três questões, em relação à conceituação do termo “autonomia”, precisam ser analisadas pormenorizadamente, tendo em vista que, além de serem cruciais no que se referem, são pontos de principais divergências entre estes e outros teóricos, como Voller (1998), Dam (2004) e Toogood (2002). As questões em análise são: 1) a autonomia como capacidade, habilidade e/ou comportamento; 2) a autonomia como responsabilidade, comando e/ou controle e 3) a autonomia como exclusiva do aluno ou dependente de outras fontes. Essas questões podem ser analisadas em conjunto com os conceitos estudados, pois apesar de, muitas vezes, serem opostos, acabam por se complementarem ao suscitarem aspectos antes não vislumbrados por outro conceito.

A autonomia do aluno no aprendizado é, em seus diversos conceitos, apresentada como uma capacidade, uma habilidade ou um comportamento. Comparando os conceitos apresentados, percebe-se que, em verdade, a capacidade, a habilidade e o comportamento são elementos interdependentes, não ocorrendo, ao menos no âmbito dessa autonomia, de forma individual. Ela não é inerente ao aluno e deve ser construída e desenvolvida por ele, tanto por meios instintivos ou através da aprendizagem formal, isso porque a autonomia não é um produto, mas um processo, ou seja, deve-se trabalhar em sua direção. Por ser uma capacidade a ser desenvolvida pelo aluno, ela é, como explicita Benson (2001), um conjunto de atitudes e habilidades com as quais o aluno passa a ter um comportamento autônomo tomando, de certa forma, as “rédeas” da sua aprendizagem.

Nesta perspectiva, concebe-se que, para o efetivo desenvolvimento da autonomia do aluno no aprendizado, ela deve ocorrer em complementaridade com a autonomia do professor na prática de ensino ou na sala de aula, assim como com o suporte de outras fontes de ensino. De acordo com Little (1991), ambas autonomias estão intimamente entrelaçadas; sua interdependência é decorrente do fato de que, se o próprio professor não tiver consciência de que deva ser autônomo em sua prática de ensino, ele não saberá instigar esse elemento nos seus alunos. Esse ponto é muito importante, pois, anteriormente, não se pensava nem em autonomia do aluno, nem em autonomia do professor.

O professor, apesar de controlador e centro da aprendizagem, não era, de certa forma, autônomo, pois ele também era controlado pela instituição e pelo método adotado pela mesma, inclusive muitas vezes não era aberto espaço para sua criatividade.

Ademais, não apenas a relação entre o aluno e o professor é essencial para o desenvolvimento da autonomia do aluno no aprendizado, mas também todas as outras fontes de ensino, como a instituição e o material didático, pois, do mesmo modo que os papéis do aluno e do professor foram e vêm sendo estudados e modificados, os materiais didáticos e as instituições de ensino também têm sido objetos de estudo para que propiciem o amparo necessário para o desenvolvimento das novas concepções de ensino de línguas estrangeiras. Nesse contexto, vale ressaltar que, caso um desses elementos não esteja de acordo com os preceitos da autonomia do aluno no aprendizado, todo um ensino autônomo pode ser prejudicado.

O embate sobre a autonomia poder ser caracterizada pela responsabilidade, comando ou pelo controle do aluno sobre sua aprendizagem, ocorre meramente pela escolha terminológica para a definição deste termo. Como introduz Benson (2001) ao frisar que utiliza o termo controle, pois crê que este possibilita maiores investigações do que os termos responsabilidade ou comando. É necessário salientar, contudo, que, em sua maioria, os autores que decidem por utilizar as palavras comando ou controle como termos de definição de autonomia compreendem a autonomia do aluno no aprendizado como equivalente ao ensino auto-direcionado. Estes autores concebem que o aluno será o responsável por estabelecer todas as diretrizes, os objetivos e as progressões do ensino, assumindo, dessa forma, todo o controle do ensino individualmente.

A complexidade da autonomia, no entanto, não refere-se meramente à sua vastidão de conceitos e suas consequências, mas também em outros inúmeros aspectos internos e externos que influenciam na autonomia, como a cultura, o ambiente, o aluno, o professor, a informação fornecida, a tecnologia, o ambiente familiar, entre muitos outros aspectos. A

autonomia não é um sistema fechado, mas aberto e que está apto a sofrer interferências de fontes distintas.

Ao se falar em autonomia, principalmente a partir do momento que se tem a noção de que a mesma é um sistema aberto, que depende e é influenciada por vários aspectos, se torna necessário ter em mente que a autonomia não é única, isto é, como já mencionado, não existe apenas uma definição diagnosticada pelos teóricos e uma a ser incorporada pelos aprendizes. Cada pessoa assume a autonomia no aprendizado de uma forma distinta, de acordo com as suas vivências. Seria ingênuo pensar que todos os alunos serão igualmente, e no mesmo grau, autônomos no processo de aprendizado de uma língua estrangeira. Cada um deles está inserido em um círculo distinto, cada um é um sistema aberto e cada um recebeu e recebe elementos distintos através das suas experiências de vida.

David Nunan (1997), por exemplo, elenca cinco graus distintos de implementação da autonomia que podem ser assumidos por um aluno: consciência, envolvimento, intervenção, criação e transcendência. A consciência seria o ponto inicial para o desenvolvimento da autonomia, é onde o aluno percebe os objetivos pedagógicos que estão envolvidos no ensino, assim como identifica as estratégias e estilos de aprendizagem que lhes são mais eficientes. No grau do envolvimento, por sua vez, o aluno passa a selecionar, a partir de opções que lhe são dadas, quais os objetivos que quer para o seu processo de aprendizagem.

O grau da intervenção possibilita a escolha dos objetivos dos alunos, não mais pela preferência entre opções pré-determinadas, mas através da modificação e adaptação dos objetivos por parte dos alunos. Através do grau de intervenção, os alunos são encorajados a criar os seus próprios objetivos, o que torna possível a assimilação do grau de criação. Como último grau, se tem a transcendência que se relaciona com o fato de os alunos irem além da sala de aula, ao fazerem conexões dos conteúdos vistos em sala com a vida em sociedade.

Os cinco níveis descritos são dependentes entre si. No entanto, isto não significa que, ao assimilar um destes níveis, um aluno assimilará, consequentemente, o próximo nível, pois cada aluno desenvolverá a sua autonomia de forma distinta. Sendo assim, dentro de uma mesma sala de aula podem ser encontrados alunos que desenvolveram e estão em graus distintos de autonomia, assim como alunos que já foram autônomos, mas por não se manterem em um processo de constante desenvolvimento a perderam total ou parcialmente, e/ou ainda alguns podem ser autônomos em uma área e não conseguirem ser em outras como explicita Little (1991).

Compreendendo, então, a autonomia como um processo, tendo enfatizado a sua

instabilidade e variabilidade, será adotado, nesta pesquisa, o termo autonomização35, em vez

de autonomia, pois ele possibilita uma melhor compreensão da autonomia como uma capacidade a ser desenvolvida de diferentes formas pelos alunos.

Tendo como conhecimento norteador os conceitos, os questionamentos e os posicionamentos demonstrados nesta seção, assume-se, neste trabalho, a concepção de autonomização como responsabilidade a ser assumida pelos alunos no seu processo de ensino aprendizagem.

Esse posicionamento é adotado tendo em vista que os atuais estudos linguísticos, pautados, principalmente, no ensino colaborativo, demonstram a necessidade de existir uma efetiva conexão entre os alunos e o professor, sendo o ensino não mais de uma única via (o aluno individualmente ou no sentido do professor ao aluno), mas cooperativo, de modo que o resultado final do aprendizado seja não apenas decorrente de um aluno ou do professor, mas de todos trabalhando em conjunto.

Além disso, a responsabilidade é um termo constante nos variados conceitos de autonomia, seja esta utilizada direta ou indiretamente, pois, como enfatizam Scharle e Szabó (2009), tanto o termo autonomia quanto o termo responsabilidade são inter-relacionados, não existindo individualmente. A responsabilidade é compreendida como o objetivo principal para o desenvolvimento da autonomização pois, através dela os alunos começarão a assumir parte no comando e do controle do seu aprendizado. Neste caso, não como os únicos detentores deste, mas em conjunto com o professor e com os outros alunos.

A responsabilidade assumida como foco para a autonomização denota, como explicitado por Scharle e Szabó (2009), o desenvolvimento de alunos que compreendem que os seus esforços são essenciais para o progresso da aprendizagem, que estão dispostos a cooperar com o professor e com os demais alunos e que monitoram seus progressos utilizando-se das atividades em sala e dos exercícios de casa para aprimorar os estudos. Neste sentido, infere-se que, para a autonomização, o aluno não é o único participante desse processo, mas também os demais alunos, o professor, a instituição e os materiais didáticos que deverão trabalhar em conjunto para a alcançarem o objetivo almejado.

A autonomização do aluno será, então, assimilada e vislumbrada neste trabalho como uma capacidade instável e mutável a ser desenvolvida no aluno, com o auxílio dos diversos

35 O termo autonomização foi instituído por Walkyria Magno e Silva através do trabalho intitulado “Livros

didáticos: fomentadores ou inibidores da autonomização?”, no qual ela identifica a autonomia do aluno como uma manifestação e “como essa manifestação não é estável e nem finita, pode-se entendê-la como um processo e assim o termo autonomização revela-se mais apropriado.” (MAGNO E SILVA, 2009, p. 57)

sujeitos e elementos presentes no âmbito de ensino (o professor, os demais alunos, a instituição, os materiais didáticos, entre outros) de modo que assuma, cada vez mais, a responsabilidade pelo seu aprendizado, atuando com uma postura proativa e reativa a ser expandida também para o seu contexto social.

O aluno como ser social é, na atualidade, uma característica intrínseca da autonomização do aluno, pois esta não é mais visualizada apenas como uma capacidade a ser desenvolvida para o âmbito educacional, se restringindo à sala de aula, mas também à vida em sociedade e as responsabilidades que este precisa para estar apto a assumir no seu contexto social, tendo em vista que “um aluno autônomo sabe como aprender e pode utilizar este conhecimento em qualquer situação de aprendizado que ele possa encontrar em qualquer

estágio de sua vida” (BERGEN, 1990 apud DAM, 1995, p. 2).36

O aluno atual precisa saber atuar na sociedade de forma ativa, recriando e transformando a sua realidade, posicionamento já visualizado por Paulo Freire (1996, p. 28), ao postular que “a capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, fala de nossa educabilidade a um nível

distinto do nível do adestramento dos outros animais ou do cultivo das plantas.”37

Visualiza-se, então, que, nesta pesquisa, serão utilizados, como elementos intrínsecos à autonomização, os conceitos de responsabilidade, de aluno como ser social, de ensino colaborativo e cooperativo, além de conceber, como imprescindível, a participação de todas as fontes de ensino presentes em um contexto educacional, utilizando-se ainda dos preceitos estipulados no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas.

4.3 A AUTONOMIA DO ALUNO E O QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA