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3 PRÁXIS DOCENTE NA RELAÇÃO INSTITUIÇÕES DE

6.3 Os meandros constitutivos do instrumental de pesquisa

6.3.1 A produção do instrumental de pesquisa

6.3.1.2 Autorreceptividade narrativa

Se o texto, na sua função dialógica, cumpre a finalidade de ser enunciado e, portanto, lido/entregue por/a um coenunciador, a partir da leitura e apreensão do ciclo mimético proposto por Ricoeur (1994), percebemos que seria relevante para nossa pesquisa essa etapa autointerpretativa do récit de vie.

Nesse sentido, Ricoeur (1994) ressalta que a relação entre as mimeses não finaliza na tessitura da intriga, mas seu ponto de chegada é justamente o leitor, que na autorreceptividade narrativa, trata-se de um leitor-autor. Sendo assim, parte-se da pré- figuração, passa-se por uma etapa construtiva e configurativa da intriga até a concretização do ciclo mimético no encontro do leitor-autor com o seu texto.

Logo, temos na autorreceptividade narrativa o término desse ciclo com a última ação narrativa, a saber, a refiguração ou mimese III, por meio da qual se estabelece a “intersecção entre o mundo do texto e o mundo do ouvinte ou do leitor. A interseção, pois, do mundo configurado” pelo récit de vie “e do mundo no qual a ação efetiva exibe-se e exibe sua temporalidade específica” (RICOEUR, 1994, p. 110).

Desse modo, essa etapa autorreflexiva se concretiza após a configuração “indissociável entre a experiência e a sua (re)elaboração na condição narrativa” que, “enquanto abertura para revivificar e ao mesmo tempo recriar o vivido” é “central para a análise de relatos autobiográficos” (Carvalho, 2003, p. P. 287).

Além disso, as afirmações de Ricoeur (2000a) sobre a identidade narrativa foram bastante suasórias para que a autointerpretação figurasse no instrumental de pesquisa. A esse respeito Ricoeur (2000a) faz suas considerações: “temos uma pré compreensão intuitiva deste estado de coisas: não se tornam as vidas humanas mais legíveis quando são interpretadas em função das histórias que as pessoas contam a seu respeito?” Ele afirma que o estatuto epistemológico autobiográfico comprova essa intuição, e, por isso, segundo Ricoeur (2000a), parece ser plausível afirmar que a seguinte cadeia assertiva:

o conhecimento de si próprio é uma interpretação, - a interpretação de si próprio, por sua vez, encontra na narrativa, entre outros signos e símbolos, uma mediação privilegiada, - esta última serve se tanto da história como da ficção, fazendo da história de uma vida uma história fictícia ou, se se preferir, uma ficção histórica, comparáveis às biografias dos grandes homens em que se mistura a história e a ficção. (RICOEUR, 2000a, P. 178).

Desse modo, a partir dessa premissa de que o conhecimento de si mesmo se ancora também na autointerpretação, e, ademais, considerando o caráter de autoalteridade da narrativa de si (BAKHTIN, 2003; BRUNER, 2014), consideramos de relevo epistemológico para nossa pesquisa levar o autor do récit de vie a assumir o papel de leitor-autor de seus relatos tecnoautobiográficos, na perspectiva de que a

narrativa de si também implica um projeto de autoapresentação (FREITAS, 2015) no qual a primeira testemunha da ressignificação da imagem de si somos nós mesmos. Figura 7- Propostas para autorreflexão da incorporação das TDIC na Autorreceptividade narrativa.

Considerando que a incorporação das TDIC na vida do professor é desencadeadora da etapa de ruptura a partir da qual o professor se insere no mundo digital, a proposta inicial de autorreflexão é direcionada para o posicionamento do leitor-autor em relação à sua experiência de incorporação das TDIC na sua vida cotidiana e profissional.

Sendo assim, foram dadas três opções, das quais o leitor-autor selecionaria a que julgasse ser a mais adequada à sua reação atitudinal frente à incorporação das tecnologias digitais.

Os três referidos questionamentos apresentadas foram baseadas em Maia- Vasconcelos (2003) quando a pesquisadora estabelece as noções de tempo após o diagnóstico da doença dos adolescentes participantes da pesquisa. Desse modo, são três os tempos que se configuram: a) o futuro real (depois do diagnóstico) que inevitavelmente acontece a partir do momento em que a notícia da doença é anunciada. É um futuro incógnito, como qualquer futuro, mas é o que é real a partir de sua situação; b) o futuro ordinário (antes do diagnóstico) que remete ao futuro planejado antes do diagnóstico. Embora ninguém saiba do futuro, os fatos presumem o que poderia acontecer se os adolescentes não estivessem doentes. Todavia sabemos que, mesmo sem a doença, esse futuro poderia ser diferente da experiência passada, ou pela idade do adolescente, ou pela própria evolução da vida; c) o futuro imaginário, no qual se

Fonte: elaborada pela autora

configura claramente o desejo de voltar a uma situação conhecida, o passado. Este futuro é considerado pelos adolescentes como um sonho de (re)viver uma vida que eles já conhecem sem as restrições seu estado atual de enfermidade.

A proposta de Maia-Vasconcelos (2003) resultou nas seguintes analogias e, por conseguinte, nas seguintes postulações para o nosso instrumental de pesquisa: futuro real – após estágio de ruptura, o uso das tecnologias é assumido como fato extraordinário/singular, é implementado esforço de adequação o mais rápido possível, o ritmo das mudanças tendem a ocorrer numa dinâmica mais rápida que às adaptações de uso das TDIC; futuro ordinário – após estágio de ruptura, o uso das tecnologias é assumido como fato ordinário/comum, não é considerado esforço na adequação às tecnologias digitais, o ritmo das mudanças é acompanhado paulatinamente às adaptações de uso das TDIC; futuro imaginário – após estágio de ruptura, o uso das tecnologias não assumido como fato, nega-se, portanto, necessidade de adequação às TDIC.

Figura 8-Propostas para autorreflexão da imagem docente na Autorreceptividade narrativa.

Fonte: elaborada pela autora

Nesse segundo momento, os pontos levam o participante a autointerpretação da imagem de si ressignificada no récit de vie. Sendo assim, o leitor-autor é levado a refletir sobre sua imagem docente considerando sua experiência docente antes e depois das tecnologias digitais.

Ao interpretar a sua própria narrativa tecnoautobiográfica, anteriormente produzida, o(a) professor(a) é levado(a) a perscrutar a projeção que fez da imagem de si e sua relação antes e depois da incorporação das TDIC na sua vida. Podemos, ademais, a partir da autointerpretação do leitor-autor depreender o papel das TDIC nesse processo ressignificativo da imagem de si e, finalmente, obter o conceito de ser docente estabelecido para si na pós-modernidade, mediante a experiência profissional com as TDIC. Sendo assim, a autorreceptividade permite ao/à professor(a) mediante sua ação autorreflexiva e do “saber que dela deriva” apropriar-se de sua própria vida (LARROSA, 2002, p. 25) clivada pelas tecnologias digitais.