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3 PRÁXIS DOCENTE NA RELAÇÃO INSTITUIÇÕES DE

6.3 Os meandros constitutivos do instrumental de pesquisa

6.3.1 A produção do instrumental de pesquisa

6.3.1.1 Récit de vie

Inicialmente faremos uma rápida abordagem sobre o termo récit de vie, bem como também demais nomenclaturas usadas nas pesquisas autobiográficas. Viana (2012) relata que encontrou empecilhos ao estudar materiais autobiográficos. Especificamente em relação ao termo autobiografia, ela afirma que pode ser encontrado fazendo referência a uma obra literária sobre alguém famoso, assim como também é encontrado como sinônimo de narração de toda a vida de uma pessoa.

De acordo com a pesquisadora, os termos são usados de acordo com a pesquisa, como por exemplo: relato, memorial, diário, autobiografia, narrativa de si, história de vida etc. Em alguns casos, salienta a pesquisadora, os termos autobiografia, histórias de vida, relatos e escritas de si são usados como termos sinônimos.

A respeito dessa questão relaciona às nomenclaturas, Bolívar, Domingo e Fernandez (2001, p. 28, 29) afirmam que se costuma empregar o termo autobiografia como uma narração (escrita ou oral) que alguém pode fazer de sua própria vida, na qual autor, narrador e personagem coincidem. Fato que a distingue da biografia, na qual narrador e personagem não se identificam. Todavia, para evitar possíveis equívocos, diversos autores pontuam a distinção que permite a língua inglesa:

a) Life-story (em francês: “récit de vie”; em espanhol “relato de vida”, “narración autobiográfica”, “autobiografia”): narração (retrospectiva) pelo próprio protagonista de sua vida ou de determinados fragmentos/aspectos da vida, por iniciativa própria do protagonista ou a pedido. Nesse caso, a história contada é igual à história vivida pelo protagonista.

b) Life-history (em francês: historie de vie; em espanhol: história de vida; biografia): elaboração (por biógrafos ou investigadores) como estudo de caso da vida de uma pessoa ou de mais pessoas ou instituição, que pode apresentar diversas formas e análises. Normalmente, além do próprio relato

de vida, costumam-se usar demais documentos, por objetivar-se apreender a história real por diversas vias97.

Na língua portuguesa nem sempre essa distinção é feita tão claramente como se apresenta nas línguas inglesa, francesa e espanhola. Portanto, por opção metodológica, optamos usar a nomenclatura francesa récit de vie para nomear o dispositivo pelo qual os(as) professores narram suas vidas. Mesmo termo usado por Bolívar, Domingo e Fernandez (2001) para significar uma narrativa feita pelo próprio protagonista da história.

Viana (2012), que por questões didáticas optou por não traduzir o termo Récit de vie, empregou-o para designar “escritos que enfatizam um acontecimento específico da vida do sujeito” (VIANA, 2012, p. 36). Desse modo, o conjunto de récits de vie que compõe o nosso corpus, assim como compôs a pesquisa de Viana (2012), se caracteriza por ser uma “narrativa da trajetória pessoal de cada indivíduo que se propôs a escrever” e “tratam de uma situação particular, que pode ou não ter sido internalizada como uma situação de trauma, uma ruptura ou um conflito claramente definido” (VIANA, 2012, p. 23).

Ademais, nossa busca por significação das vivências tecnológicas dos(as) professores(ras), mediante escrita do récit de vie, está ancorada no conceito de narrativas autobiográficas “como busca e construção de sentido a partir dos fatos temporais pessoais” e “envolve um processo de expressão da experiência” (PINEAU e LE GRAND, 2012, p. 16).

Buscamos, assim, por meio do récit de vie, empreender o “território das escritas do eu” que “extrapole o espaço de conotação interior do eu, e implique um estar-junto”. O que significa dizer que “a vida ultrapassa amplamente as fronteiras do ego, oscilando entre as correntes psicofisiológicas internas e os movimentos ambientais externos,

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Nossa tradução para: a) Life-story (en francês “récits de vie”; em castellano: “relato de vida”, “narración autobiográfica”, “autobiografia”): narración (restropctiva) por el próprio protagonista de su vida o de determinados fragmentos/aspectos de ella, por iniciativa própria o a requerimento de uno o vários interlocutores. Em este caso l historia de vida es tal y como la cuenta la persona que la há vivido. b) Life-story (em francês, “historie de vie”; em castellano: “historia de vida”, “biografia”): elaboração (por biógrafos o investigadores) como estúdio de caso de la vida de uma persona/s persona/s o intituición, que puede/n presentar diversas formas de elaboración y análisis. Normalmente, además del próprio relato de vida, se enplean otros documentos, por pretender um caráter objetivante, de acercarse a la historia real por múltiples materiales biográficos.

físicos e sociais, a serem conjugados na primeira pessoa do singular, em tempos e contratempos” (PINEAU e Le GRAND, 2012, p. 16. Grifo dos autores).

A seguir apresentamos o layout que criamos para apresentação da proposta de escrita do récit de vie no instrumental de pesquisa.

Figura 6-Proposta para narração do Récit de vie.

Na apresentação em foco buscamos figurar o processo relacional entre mimese I e mimese II, uma vez que antes que a intriga se estabeleça no fazer narrativa há um mundo ético que a precede e que, portanto, a referencia. Desse modo, a mimese proporciona a ligação entre esse mundo cultura (ainda pré-figurado) e o mundo narrado (figuração mediante construção narrativa). Logo, a ligação se estabelece a priori com essa base pré-narrativa:

Vê-se qual é, na sua riqueza, o sentido de mimese I: imitar ou representar a ação, é primeiro, pré-compreender o que ocorre com o agir humano: com sua semântica, com sua simbólica, com sua temporalidade. É sobre essa pré-compreensão, comum ao poeta e a seu leitor, que se ergue a tessitura da intriga e, com ela, a mimética textual e literária [...] A despeito da ruptura que ela institui, a literatura seria incompreensível para sempre se não viesse a configurar o que, na ação humana, já figura (RICOEUR, 1994, vol I, p. 101).

Assim sendo, “o poeta não acha somente no seu fundo cultural uma categorização implícita do campo prático, mas uma primeira formalização narrativa desse campo” (RICOEUR, 1994, vol I, p. 79). Esse mundo ético se apresenta, pois,

Fonte: elaborada pela autora

narrável e é, justamente, esse caráter pré-narrativo que inspira o narrador a tecer a sua intriga na ação narrativa.

Chegamos à mimese II, que é posta por Ricoeur (1994) como assumindo a função de mediadora, derivada do caráter dinâmico da operação de configuração.

Esse caráter mediador se configura, pelo menos por três motivos, os quais são elencados por Ricoeur (1994): a) há uma mediação entre acontecimentos individuais e uma história considerada como um todo. Desse fato resulta o caráter figurativo da construção narrativa, uma vez que essa pluralidade de episódios passam a povoar uma mesma história. No entanto, como não se trata de uma mera enumeração de eventos, essa composição deve ser realizada numa totalidade inteligível. Em resumo, “a tessitura da intriga é a operação que extrai de uma simples sucessão uma configuração” (RICOEUR, 1994, p. 103). Assim sendo, b) a mimese II é medidora porque junto a tessitura compõem fatores heterogêneos e também agentes, fins, interações, meios etc. Segundo Ricoeur

É esse traço que, de modo definitivo, constitui a função mediadora da intriga. Nós o antecipamos na seção anterior, dizendo que a narrativa faz aparecer numa ordem sintagmática todos os componentes suscetíveis de figurar no quadro paradigmático estabelecido pela semântica da ação. Essa passagem do paradigmático ao sintagmático constitui a própria transição de mimese I à mimese II. É a obra da atividade da configuração (RICOEUR, 1994, p. 103).

E, finalmente, c) a mimese III é mediadora pela sua própria constituição temporal da narrativa, a saber, uma cronológica e uma não cronológica. A primeira considera a dimensão episódica da narrativa, e caracteriza a história como uma constituição de acontecimentos. A segunda, é a configuração de fato da história que é a responsável por transforma a intriga em uma história, ou seja, dão um corpo históricos aos fatos que serviram de inspiração desse enredo. Desse modo, é graças à ação desse arranjo configurante que a sucessão de acontecimentos se transforma numa totalidade significante.