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CAPÍTULO I – REGULAÇÃO NO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1.3. Autorregulação

Um mercado autorregulado é um mercado onde existem normas que um determinado grupo de indivíduos impõe a si mesmo, de forma vinculativa, ou melhor, no qual há identidade entre o regulado e o regulador. Na autorregulação o regulador é um ente privado, é uma coletividade que, de alguma forma, organiza seus membros sob determinadas regras. N. EIZIRIK diz que por autorregulação:

(...) entende-se basicamente a normatização e fiscalização, por parte dos próprios membros do mercado, organizados em instituições ou associações privadas, de suas atividades, com vistas à manutenção de elevados padrões éticos. Assim, ao invés de haver uma intervenção direta do Estado, sob a forma de regulação, nos negócios dos participantes do mercado, estes se autopoliciariam no cumprimento dos deveres legais e dos padrões éticos consensualmente aceitos. (...)38

A autorregulação não significa ausência de regulação, pelo contrário, existe regulação a partir de regras originadas em um ente privado que une os indivíduos regulados, na verdade, o próprio regulador é um agrupamento de regulados.39

Se um mercado é regido pela autorregulação, isso não significa que ele não se submete ao poder regulatório estatal. A autorregulação no mercado de valores mobiliários não exclui a governamental nem limita seu poder, ela apenas auxilia o Estado a regular as condutas dos participantes do mercado. Outrossim, em alguns casos, a autorregulação é imposta ou estabelecida pelo próprio Estado, o que demonstra a possibilidade de harmonização entre os dois tipos de regulação (como se verá adiante com relação às bolsas de valores e demais entidades do mercado de capitais).

38 EIZIRIK, Nelson, Regulação e Auto-regulação do mercado de valores mobiliários, p. 52.

31 Característica importante da autorregulação é a autonomia: as normas organizadoras da atividade econômica são produzidas por ente privado, de forma independente da intervenção direta governamental. Mesmo quando o surgimento da autorregulação é estimulado pelo Estado, este não intervém na produção de normas, do contrário, tal intervenção descaracterizaria a autorregulação. O máximo papel que pode ser atribuído ao Estado é a preparação de um arcabouço jurídico que possa reconhecer o autorregulador como entidade com autoridade regulatória.

A autorregulação em subordinação à supervisão do Estado foi consolidada no mercado de capitais brasileiro pela Lei nº 6.385/76, conforme os artigos transcritos abaixo demonstram:

Art . 8º Compete à Comissão de Valores Mobiliários: (...)

§ 1o O disposto neste artigo não exclui a competência das Bolsas de Valores, das Bolsas de Mercadorias e Futuros, e das entidades de compensação e liquidação com relação aos seus membros e aos valores mobiliários nelas negociados. (Grifos nossos)

Art. 17. (...)

§ 1o Às Bolsas de Valores, às Bolsas de Mercadorias e Futuros, às entidades do mercado de balcão organizado e às entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários incumbe, como órgãos auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários, fiscalizar os respectivos membros e as operações com valores mobiliários nelas realizadas. (Grifos nossos)

Sobre esta questão, foi editada a Instrução CVM nº 461, de 23 de outubro de 2007 (―ICVM 461‖), que disciplina os mercados regulamentados de valores mobiliários e dispõe sobre a constituição, organização, funcionamento e extinção das bolsas de valores, bolsas de mercadorias e futuros e mercados de balcão organizado. A ICVM 461 exige que as entidades administradoras (dos mercados objeto da norma) mantenham departamento de autorregulação (art. 42) para fiscalização e supervisão das operações cursadas nos mercados e das pessoas ali autorizadas a operar.

No caso da BM&FBOVESPA, para cumprimento da ICVM 461, foi criada em 2007 a BM&FBOVESPA Supervisão de Mercados (BSM)40, que realiza a fiscalização dos participantes da referida bolsa de valores por meio de auditorias operacionais, que podem ser diretas ou indiretas. Nas auditorias, a BSM busca verificar se houve aderência dos participantes às normas do mercado e da própria bolsa. Nas ditas ―diretas‖, a BSM visita as

40 Para maiores informações sobre a BSM, consultar a página da BSM na internet, disponível em: <http://www.bsm-autorregulacao.com.br/QuemSomos.asp>. Acesso em 15/01/2013.

32 instalações dos participantes e analisa, por exemplo, se a sua infraestrutura tecnológica é suficiente para cumprir as normas aplicáveis. Já nas ―indiretas‖, o monitoramento por parte da BSM das atividades dos participantes é realizado mediante informações disponíveis nas bases de dados da BM&FBOVESPA, da CVM e de outras instituições do mercado de capitais.41 Existem outras entidades autorreguladoras do mercado de capitais que poderiam ser objeto de estudo, mas apenas algumas delas serão citadas ao longo do presente trabalho (tais como APIMEC e ANBIMA).

Analisado o conceito de ―autorregulação‖ e sua concretização no mercado de capitais, passa-se às principais vantagens da autorregulação, que são: a maior proximidade entre os regulados e os autorreguladores, e a oneração dos custos da autorregulação recaírem apenas sobre os regulados42.

Na autorregulação a produção normativa é realizada pelos próprios regulados, o que constitui uma vantagem, pois as normas produzidas tendem a refletir melhor os seus anseios e as suas necessidades. Além do mais, essa forte relação entre o regulador e os regulados possibilita uma atuação mais rápida e eficaz do órgão responsável sobre a atividade autorregulada, o órgão autorregulador, em geral, é muito mais flexível que o estatal.

A interferência direta dos participantes do mercado na regulação de sua própria atividade também proporciona uma maior aceitação das normas, pois proporciona uma sensação de maior liberdade, já que produzidas por eles próprios. Os regulados acabam aceitando melhor as regras, pois as vêem mais apropriadas e mais razoáveis que as editadas por um órgão estatal, já que este tem mais dificuldade em transpor as barreiras da burocracia para entender o funcionamento do mercado e produzir normas adequadas43.

Além disso, a proximidade entre os participantes do mercado e os autorreguladores permite que estes utilizem seu conhecimento da atividade regulada em benefício do mercado. Entendendo o funcionamento da atividade é mais fácil produzir normas eficientes à correção de suas falhas.

Ademais, como citado acima, os custos da autorregulação recaem apenas sobre aqueles que se submetem às normas, o que também é uma vantagem em relação à regulação

41 BM&FBOVESPA Supervisão de Mercados (BSM), Boletim de Autorregulação da BSM - Relatório do 3ª

Trimestre de 2012.

42 EIZIRIK, Nelson, Regulação e auto-regulação do mercado de valores mobiliários, p. 52.

33 estatal, que acarreta um custo a toda a sociedade, mesmo sobre aqueles que nunca investiram no mercado de capitais. Estes contribuem, por exemplo, através do recolhimento de tributos federais repassados ao órgão, conforme descrito no art. 7º da Lei nº 6.385/76, que trata dos diferentes recursos de que se utiliza a CVM para seu custeio44.

Os custos envolvidos são diversos, desde a manutenção do aparelho estatal do órgão regulador, a contratação de profissionais qualificados, até os custos de fiscalizar a aplicação e eficácia das normas no caso concreto.

Somada às vantagens apresentadas acima, há a possibilidade dos órgãos autorreguladores que trabalham na função complementar à regulação estatal se tornarem parceiros do órgão estatal. Segundo B. de O. GOMES, o órgão autorregulador assume uma parceria com o compromisso ―(...) de manutenção de adequados níveis de competência, qualidade e ética no funcionamento e práticas de mercado.‖45

As vantagens da autorregulação são tão significativas que órgãos internacionais, como a Organização Internacional das Comissões de Valores (OICV ou IOSCO)46, reconhecem sua importância e incentivam sua utilização no mercado de capitais:

Self-regulation, typically involving a unique combination of private interests with government oversight, is an effective and efficient form of regulation for the complex, dynamic and ever-changing financial services industry.47 (Grifo nosso) Todavia, a autorregulação tem algumas desvantagens, elemento que não a diferencia da regulação estatal, que também tem as suas. Em um ambiente regulatório em que os próprios regulados produzem suas normas, pode-se deduzir qual é a maior desvantagem deste

44 ―Art. 7º A Comissão custeará as despesas necessárias ao seu funcionamento com os recursos provenientes de: I - dotações das reservas monetárias a que se refere o Art. 12 da Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966, alterado pelo Decreto-lei nº 1.342, de 28 de agosto de 1974 que lhe forem atribuídas pelo Conselho Monetário Nacional; II - dotações que lhe forem consignadas no orçamento federal;

III - receitas provenientes da prestação de serviços pela Comissão, observada a tabela aprovada pelo Conselho Monetário Nacional;

IV - renda de bens patrimoniais e receitas eventuais.

V - receitas de taxas decorrentes do exercício de seu poder de polícia, nos termos da lei. (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)‖

45 GOMES, Bianca de, Auto-regulação e o Mercado Financeiro: a experiência da Andima, p. 93.

46―(...) Contando atualmente com mais de 130 membros de 80 países, responsáveis pela quase totalidade da capitalização do mercado de valores mobiliários mundial, a organização tornou-se o principal fórum internacional para as autoridades reguladoras dos mercados de valores e de futuros. (...) A IOSCO conta com 30 Princípios da Regulação de Valores Mobiliários, baseados em 3 objetivos: Proteção de Investidores; Assegurar Mercados Justos, Eficientes e Transparentes; e Redução do Risco Sistêmico.‖ COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Reguladores de Valores - IOSCO.

47 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS (IOSCO), Model for efective

34 tipo de regulação: a possibilidade de existirem conflitos de interesses entre a vontade do participante do mercado como regulador e como regulado (no exercício simultâneo de tais atividades). O mesmo serve para a atividade de fiscalização que a entidade autorreguladora deve exercer, que resta prejudicada quando o órgão fiscalizador é o próprio regulado:

(...) Tanto o conflito de interesses de certos membros de uma categoria, como o corporativismo de toda a classe, podem levar, e frequentemente levam, à diminuição do grau de exigência ou à não aplicação de sanções em situações em que elas seriam devidas.48

Porém, na prática, este problema do conflito de interesses pode ser resolvido em razão do fator ―credibilidade‖, de que o órgão autorregulador necessita. Por exemplo, se um órgão autorregulador passar a ser conhecido no mercado por não aplicar multas aos seus associados, ou não fiscalizar a atividade destes, ele irá perder a confiança do mercado.

Um exemplo de sucesso de órgão autorregulador no mercado de capitais é a ANBIMA. Se uma entidade participante do mercado de capitais utiliza o selo da ANBIMA em seu material (regulamentos de fundos de investimento, prospectos de emissões de ativos etc.) os investidores sabem que aquele produto que está sendo divulgado se submeteu não só às regras do órgão regulador estatal, mas também às normas do autorregulador, o que gera maior segurança.

Segue abaixo tabela49 com alguns números que demonstram o tamanho da ANBIMA (número de instituições aderentes) e a sua atuação no quesito ―Investigações e Penalidades Aplicadas‖, na qual vê-se que o órgão aplica uma quantidade considerável de penalidades, ponto favorável quando se trata de conflito de interesses:

48 TRINDADE, Marcelo; SANTOS, Aline Menezes. Regulação e Auto-regulação no Brasil e a Crise

Internacional, p. 14.

49 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DOS MERCADOS FINANCEIRO E DE CAPITAIS (ANBIMA), Relatório Anual 2011, p. 31.

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Tabela 1 - Quadro Geral de Supervisão de Mercados da ANBIMA QUADRO GERAL – SUPERVISÃO DE MERCADOS*

Códigos Instituições Aderentes

Investigações e Penalidades Aplicadas Pedidos de Esclarecimento PAI (Processo de Apuração de Responsabilidade) Processos Instaurados Cartas de Orientação Cartas de Recomendação Cartas de Advertência Multas Objetivas Termos de Compromisso Certificação 1.187 344 7 1 152 6 0 42 0 Fundos de Investimento 641 434 3 9 82 0 1 472 18 FIP/FIEE 108 0 0 0 0 0 0 0 0 Gestão de Patrimônio 27 0 0 0 0 0 0 0 0 Mercado Aberto 149 56 0 0 102 0 0 0 0 Ofertas Públicas 340 4 8 2 5 0 0 12 1 Private Banking 21 10 1 0 22 2 0 10 0 Serviços Qualificados 41 17 1 0 38 0 0 29 1

* Números consolidados do ano de 2011