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CAPÍTULO VI – ATUALIDADE DA QUESTÃO

6.1. A Atuação dos Jornalistas no Mercado de Valores Mobiliários e as Normas Já

6.1.2. Responsabilização Civil

A responsabilização civil do jornalista, na época da Lei de Imprensa, podia ser resumida à leitura do seu artigo 49 que dizia que quem, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e da informação, com dolo ou culpa, violasse direito ou causasse prejuízo a outrem, se obrigaria a reparar os danos materiais e, igualmente, os morais, dependendo da infração cometida.

Dentre os ilícitos que devem ter danos morais reparados (além dos materiais), o inciso I do artigo 49 lista, dentre outros, o artigo 16, inciso IV e o art. 18. Conforme citado no item 6.1.1 acima, tais dispositivos são os que melhor poderiam ser aplicados ao jornalista no mercado de capitais, ou seja, na época da Lei de Imprensa, caso a conduta do jornalista que atua no mercado de capitais fosse enquadrada em tais dispositivos, haveria responsabilização penal e civil (abrangendo danos materiais e morais). Segue transcrição do artigo 49, I, da Lei de Imprensa, sobre os crimes que ensejam danos materiais e morais:

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Art . 49. Aquêle que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:

I - os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, números II e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúrias;

(...) (Grifos nossos)

A Lei de Imprensa, além de expressar o direito do prejudicado de obter reparação dos danos sofridos perante o jornalista (conforme visto no artigo 49, I, transcrito acima), conferia, no caso em que a violação de direito ou prejuízo tenham ocorrido mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, o direito de requerer indenização diretamente da pessoa que explora o meio de informação ou divulgação, seja ela natural ou jurídica (art. 49, § 2º). Com tal medida a lei acelerava a obtenção da reparação pelo prejudicado, pois geralmente a empresa jornalística possui mais recursos financeiros, e pode ingressar com ação regressiva contra o jornalista (autor ou responsável pela divulgação) que cometeu a infração (conforme era previsto no art. 50 da Lei de Imprensa).

O grande problema desta reparação civil da Lei de Imprensa eram os limites previstos para reparação de danos cometidos por jornalistas em determinadas situações. A conduta descrita no artigo 16, IV, por exemplo, estava limitada à reparação de apenas de 2 salários mínimos (vide transcrição do artigo 51, inciso I, da Lei de Imprensa, abaixo):

Art. 51. A responsabilidade civil do jornalista profissional que concorre para o dano por negligência, imperícia ou imprudência, é limitada, em cada escrito, transmissão ou notícia:

I – a 2 salários-mínimos da região, no caso de publicação ou transmissão de notícia falsa, ou divulgação de fato verdadeiro truncado ou deturpado (art. 16, ns. II e IV). (...) (Grifos nossos)

Também existia na Lei de Imprensa um limite de reparação de danos às empresas jornalísticas (quando aplicável o envolvimento destas), na época elas seriam responsabilizadas por apenas 10 vezes as importâncias descritas no artigo 51. No caso da ―sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro‖ (artigo 16, IV, da Lei de Imprensa), por exemplo, se houvesse uma empresa envolvida, esta estaria obrigada a reparar apenas 20 salários mínimos:

Art . 52. A responsabilidade civil da emprêsa que explora o meio de informação ou divulgação é limitada a dez vêzes as importâncias referidas no artigo anterior, se resulta de ato culposo de algumas das pessoas referidas no art. 50. (Grifos nossos)

177 Foi dito mais acima que este é um grande problema, e a razão da afirmativa é o fato de que no mercado de capitais, geralmente, as operações envolvem valores altos. Em casos assim (envolvendo números expressivos), a limitação do valor da indenização imposta pela Lei de Imprensa podia não ser suficiente para reparar o prejuízo causado. De acordo com a Lei de Imprensa, o valor da indenização ficava a cargo do juiz (como geralmente ocorre em qualquer reparação de danos), e este deveria se basear nos critérios do art. 53313 da Lei de Imprensa, dentre eles, por exemplo, a intensidade e a gravidade do prejuízo sofrido.

Sem a Lei de Imprensa, resta o Código Civil, segundo o STF decidiu na já citada ADPF nº130/2009314. No Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a responsabilidade civil está prevista, basicamente, nos artigos 186 e 187, combinados com o artigo 927315.

De acordo com os dispositivos citados, comete ato ilícito: a) aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral; e b) o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Em ambos os casos, quem causar dano a alguém, fica obrigado a repará-lo.

Assim, embora não haja mais a Lei de Imprensa, nem qualquer lei específica para o jornalista, ele se submete à regra geral de responsabilidade civil, e se, no exercício de sua atividade, violar direito e causar dano a alguém, terá que repará-lo. A quantificação da reparação do dano será feita pelo juiz no âmbito do processo judicial movido pelo lesado.

Para G. D. C. PEREIRA316, não há que se falar em privilégios aos jornalistas, e se houver culpa do jornalista, ele deve ser condenado à reparação do dano sim. O autor entende que não deve existir uma prerrogativa especial para a imprensa, pois seria prejudicial para a

313Segue a íntegra do referido dispositivo: ―Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II - A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por êsse meio obtida pelo ofendido.‖

314 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411, p. 11, acesso em 23/09/2012. 315 PROENÇA, José Marcelo Martins, Insider Trading - Regime jurídico do uso de informações privilegiadas no

mercado de capitais, p. 124.

316 PEREIRA, Guilherme Döring Cunha, Liberdade e Responsabilidade dos Meios de Comunicação, pp. 233- 234.

178 sociedade que a imprensa tivesse uma isenção do dever de reparar (nos casos em que a atitude do jornalista for negligente ou dolosa).

O problema da aplicação da regra geral do Código Civil ao jornalista é que, como o exercício de seu trabalho geralmente é a publicação de informações ao público, por vezes será difícil identificar quem foi lesado e, pior ainda, quantificar a medida do prejuízo. Na verdade, este último é um problema comum na responsabilidade civil, seja envolvendo o jornalista ou não, que é a dificuldade de medir o dano e como repará-lo de forma efetiva.

Sobre a identificação daquele que foi lesado, a Lei nº 7.913, de 07 de dezembro de 1989, dispõe que, sem prejuízo da ação de indenização que pode ser movida pelo prejudicado, o Ministério Público (possui legitimidade ativa), seja de ofício ou por solicitação da CVM, tomará as medidas judiciais cabíveis para evitar prejuízos ou obter ressarcimentos de danos causados a titulares de ativos e aos investidores do mercado de capitais, em especial quando decorrerem de (art. 1º):

I - operação fraudulenta, prática não eqüitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários;

II - compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado, ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas;

III - omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá- la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa. (Grifos nossos)

Observa-se que a referida norma instituiu a ação civil pública para os investidores do mercado de valores mobiliários que sejam prejudicados, basicamente, por fraude, omissão de informação relevante ou prestação de informações de forma incompleta. A Lei nº 7.913/89 criou uma forma de abarcar todos os investidores prejudicados em uma única ação.

O processo pode ser encerrado com uma sentença judicial ou um acordo entre a CVM, o Ministério Público e os acusados, mediante Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Se houver condenação no âmbito da referida lei, os valores pagos a título de ressarcimento de prejuízos serão distribuídos aos investidores lesados, na proporção do prejuízo de cada um deles, consoante o disposto no artigo 2º da citada Lei nº 7.913/89.

Por fim, vale levantar mais uma última questão: a responsabilização civil deve ser concretizada de modo cauteloso no âmbito do jornalismo, do contrário, esta poderá impelir os meios de comunicação à autocensura. Por autocensura, neste contexto, entende-se que os

179 jornalistas podem deixar de divulgar informações relevantes com receio de sofrerem com eventuais ações de indenização317.

Da análise das normas relativas à responsabilização civil, entende-se que existem normas suficientes para reparação do dano eventualmente causado pelo jornalista, desde que tal dano tenha sido causado por ação ou omissão voluntária, por negligência ou por imprudência do jornalista, ou, ainda, em razão do exercício de determinado direito do jornalista de forma a exceder os limites do respectivo direito, sempre nos termos do Código Civil.

Se ocorresse no Brasil uma situação semelhante ao Caso Winans (item 5.2 deste trabalho), por exemplo, os investidores lesados poderiam entrar com ações contra os participantes do esquema. Visto que é possível identificar os lesados, não há necessidade de uma ação civil pública. No Caso Winans, consta que os participantes lucraram cerca de US$ 690.000,00 com o uso da informação a ser publicada na coluna do jornal, ou seja, foi possível quantificar o dano. Transportando novamente o exemplo do Caso Winans para o ordenamento brasileiro, com relação à quantificação do dano, caberia ao investidor provar, na ação judicial, qual foi o dano sofrido para que o juiz decidisse sobre a medida da reparação devida.