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Competência Constitucional da CVM para Regular os Jornalistas

CAPÍTULO IV – A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 388

4.5. Competência Constitucional da CVM para Regular os Jornalistas

Uma das principais críticas ao Edital de Audiência Pública nº 09/07, por isso o destaque em um novo item no presente trabalho, foi a falta de competência da CVM para regular a atividade do jornalista. Porém, da análise do referido edital, não pareceu que a intenção da CVM tenha sido a de regular a atividade jornalística. Este item irá verificar se realmente houve tentativa de regulação da atividade do jornalista pela CVM, tendo em vista que ela alegou a intenção de apenas criar um ―safe harbor”, com o objetivo de simplesmente proteger a atividade do jornalista da equiparação com a do analista de valores mobiliários em determinadas situações em que isto não deveria ocorrer.

135 No Processo Administrativo nº RJ-2006-6136 da CVM, a ANJ diz que a CVM extrapolou as suas competências descritas na Lei nº 6.385/76 e que mesmo com relação aos analistas a lei pode ser considerada inconstitucional:

Além de ferir o princípio básico da liberdade de expressão, a iniciativa da CVM também extrapola as atribuições da autarquia. A ANJ considera que não cabe à CVM até mesmo regulamentar a profissão de analista de valores mobiliários, embora isto esteja previsto na Lei n.º 6.385/76. Estabelecer qualificações profissionais é competência constitucionalmente atribuída ao legislador ordinário (vide o art. 5º, XIII da Constituição Federal), e não ao administrador público federal, ainda que do mais alto cargo da instituição. A opinião de juristas notáveis é a de que a Lei na qual se baseia a CVM para pretender nova Instrução Normativa não resiste também a um exame constitucional mais rigoroso.239

O jornalista não é considerado pela Lei nº 6.385/76 como intrinsecamente ligado ao mercado de capitais e, por conseguinte, a profissão não é submetida expressamente à regulação da CVM, cujos participantes do mercado por ela regulados estão descritos no artigo 1º da referida lei. Porém, desmesurada é a declaração da ANJ quanto ao analista de valores mobiliários, tal profissão é sim competência da CVM, tendo em vista que a lei ordinária assim o estabeleceu expressamente (a Lei nº 6.385/76). A ANJ nem se deu ao trabalho de citar quais seriam estes renomados juristas que defendem a incompetência da CVM para regular as matérias previstas na Lei nº 6.385/76. No item 1.4.2.2 deste trabalho, que discorre sobre a função normativa da CVM, já se discutiu esta questão.

A ANER também seguiu a linha da ANJ e criticou a competência da CVM para editar normas disciplinadoras da atividade jornalística, para a ANER há:

(...) absoluta incompetência da CVM ao pretender, por força de medidas administrativas internas, criar regras disciplinares para o jornalista e a atividade por ele desenvolvida (...)240

A ANER expõe que a profissão de jornalista já foi devidamente regulamentada por normas jurídicas com posição hierárquica superior a uma simples Instrução Normativa, o Decreto-Lei 972 (objeto de discussão no item 3.2.3 deste trabalho), e a Lei nº 7.360, de 10 de setembro de 1985 (que alterou dispositivos do Decreto-Lei 972), regulamentado pelo Decreto nº 91.902, de 11 de novembro de 1985. A entidade também sugere que o artigo 2º-A da ICVM 388 não seja incluído na nova minuta por ser ato manifestamente ilegal e

239 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Processo Administrativo nº RJ-2006-6136, p. 446. 240 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Processo Administrativo nº RJ-2006-6136, p. 451.

136 inconstitucional e, portanto, desprovido de qualquer conteúdo que os legitime dentro do sistema legal brasileiro.

Além das críticas registradas no Processo nº RJ-2006-6136, houve outras manifestações propagadas na mídia, principalmente advindas das entidades de classe dos jornalistas, sobre o eventual cerceamento do exercício de suas atividades por órgão incompetente para tanto. A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI)241, de início, já se mostraram contrárias a um futuro ―cerceamento‖ de conteúdo jornalístico. O presidente da FENAJ na época, SÉRGIO MURILLO, chegou a declarar que se realmente houvesse cerceamento e restrições sobre o conteúdo jornalístico, haveria oposição aguerrida por parte da FENAJ e dos sindicatos242. MAURÍCIO AZÊDO, presidente da ABI, declarou que acreditava que a proposta fosse claramente inconstitucional, que a CVM não possui poder para legislar sobre conteúdo jornalístico e disse ainda que sua posição independia da análise do Edital de Audiência Pública.243

Os jornalistas, representados por suas entidades de classe, temiam que qualquer tipo de regulação por parte da CVM pudesse interferir na sua liberdade de divulgação de informações. Maurício Azêdo citou um caso envolvendo o jornal Monitor Mercantil244 no qual, mesmo sem a normatização adequada, a CVM interveio na publicação de informações sobre o mercado de capitais. Segundo Marcos de Oliveira, diretor de redação do jornal, em 2006 ele recebeu ofício da CVM cujo intuito era impedir a publicação da coluna de Rogério Marques, sobre mercado de capitais, no jornal do Rio de Janeiro, obrigação que, se não cumprida, acarretaria multa diária de R$ 2 mil reais. O diretor do referido jornal declarou que a intimação foi um atentado à liberdade de expressão dos jornalistas e, portanto, inconcebível, e diz que ―A CVM não é a entidade adequada para dizer o que o jornalista deve fazer, ou o que o jornal deve publicar‖245.

Pesquisando sobre a ocorrência acima no endereço eletrônico da CVM, é possível encontrar o Parecer do Comitê de Termo de Compromisso referente ao Processo

241 Para maiores informações sobre a ABI, acessar o seguinte endereço eletrônico: http://www.abi.org.br/. 242 Entidades reagem a restrição da CVM a jornalistas, Estado de São Paulo.

243 Entidades reagem a restrição da CVM a jornalistas, Estado de São Paulo.

244 Para maiores informações sobre o jornal, acessar o seguinte endereço eletrônico: http://www.monitormercantil.com.br/index.php?pagina=Empresa.

137 Administrativo CVM nº RJ2006/6572246. Tal processo não é exatamente sobre as condutas de Rogério Marques, mas sim de Gil Ari Deschatre (apesar de citar brevemente Rogério Marques). De qualquer forma, é válida a análise do caso, pois demonstra um pouco a intenção da CVM com relação aos jornalistas.

Tal processo foi originado de fiscalização efetuada pela CVM em abril de 2006, pela qual se detectou recomendações, análises e estudos sobre valores mobiliários de autoria de Gil Ari Deschatre, divulgados através do site ―www.deschatre.com.br‖247 e da coluna "Análise Técnica"248 do Jornal Monitor Mercantil. A CVM entendeu que as publicações resultavam do exercício da atividade de analista de valores mobiliários e que Gil Ari Deschatre não estaria registrado junto à Comissão para tanto (exigência que ainda estava em vigor na época, pois anterior às mudanças trazidas pela ICVM 483).

Gil Deschatre, na época da fiscalização, era registrado na CVM como administrador de carteira de valores mobiliários, mas não como analista. O Parecer cita manifestação da Procuradoria Federal Especializada – PFE sobre a matéria, declarando que faz-se necessária obtenção do registro específico de analista de valores mobiliários junto a CVM, ainda que o profissional seja registrado como administrador de carteira de valores mobiliários.

Em 24/04/06, a CVM oficiou Gil Deschatre para a imediata suspensão da divulgação de qualquer recomendação, relatório de acompanhamento ou estudo sobre valores mobiliáriosque ele tivesse realizado, e sua retirada de todas as bases de dados acessíveis ao público investidor (ainda que público restrito). O autor das colunas respondeu à CVM que tomara as providências cabíveis e a CVM constatou que no site ―www.deschatre.com.br‖, Rodolfo Luiz Cavina de Lima e Silva (registrado como analista de valores mobiliários junto à CVM) passara a constar como analista responsável pelas análises e recomendações sobre valores mobiliários.

A nova fiscalização da CVM também foi realizada em exemplares do ―Jornal Monitor Mercantil‖, e neste a CVM verificou que a coluna "Análise Técnica" passou, a partir de 26/05/06, a ser assinada por Rogério Marques (aqui aparece o nome do caso citado mais

246 Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=5568-0.HTM>, acesso em 01/01/2013.

247 Pesquisando no referido endereço eletrônico, não se encontram mais análises de valores mobiliários, o site apenas descreve os serviços da empresa ―Deschatre‖, quais sejam: montagem de fundos e clubes de investimento, administração de carteiras e consultoria.

248 Atualmente o jornal não possui mais a referida coluna, porém existe coluna denominada ―Opinião do Analista‖, cujo conteúdo parece ser equivalente ao da coluna ―Análise Técnica‖ e são sempre assinadas por analistas.

138 acima pelo presidente da ABI), na qualidade de "interino", mas que a coluna manteve a forma e o conteúdo similares aos da coluna assinada anteriormente por Gil Deschatre.

Ocorre que Rogério Marques também não figurava como analista de valores mobiliários nos registros da CVM (como era exigido na época), e esta última oficiou o ―Jornal Monitor Mercantil‖ para a adoção das providências cabíveis. O referido jornal respondeu à CVM que o nome ―Rogério Marques‖ é pseudônimo de um jornalista, mas que não informaria os demais dados de identificação deste, a não ser que fossem intimados judicialmente para tanto. O jornal também argumentou que a coluna não continha atividade de analista, mas apenas comentários jornalísticos a respeito de valores mobiliários. Todavia, a atuação do Jornal Monitor Mercantil não foi objeto do Processo nº RJ2006/6572 em questão, e não foi possível encontrar mais informações sobre o ocorrido.

Com relação à atuação de Gil Deschatre, objeto do supracitado processo administrativo, foi encaminhada à CVM proposta de Termo de Compromisso, que foi aceita pela CVM. Gil Ari Deschatre teve que realizar o pagamento da quantia de R$ 10 mil, à vista, para a CVM.

A aceitação da proposta pela CVM deu-se em razão da cessação da atividade irregular por parte de Gil Deschatre, com a retirada das recomendações e relatórios de análise de todas as bases de dados acessíveis ao público investidor. Ademais, a CVM entendeu que o fato de pessoa devidamente registrada como analista passar a figurar como responsável pela coluna no site, e o fato do Jornal Monitor Mercantil também não ter publicado mais a coluna assinada por Gil Deschatre (desde maio até a data do julgamento da proposta de Termo de Compromisso), demonstraram o comprometimento dele com o cumprimento das normas emitidas pela CVM.

Neste caso de Gil Deschatre, resta clara a intenção da CVM: regular o analista de valores mobiliários. Gil Deschatre estava agindo como ―analista‖ e não como ―jornalista‖, e até admitiu isso, conforme demonstra trecho do referido Parecer do Comitê de Termo de Compromisso, nele ele declara, dentre outras assertivas, que:

Conhece a Instrução CVM nº 388/03, tanto que fez o exame da APIMEC em março de 2007, para obter o credenciamento de analista de valores mobiliários;

Confirma que após 31/03/05 até o recebimento do ofício da CVM divulgou análises de valores mobiliários para o mercado, pois entendia que o seu credenciamento

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como administrador de carteira permitia a divulgação dessas análises;249 (Grifo nosso)

Portanto, conclui-se que a CVM não intenta regular a atividade do jornalista, mas a atividade do jornalista que atua como analista, o que faz todo sentido, já que o analista é regulado pela CVM, órgão competente para regular sobre a matéria. O Edital de Audiência Pública nº 09/07 explica exatamente isto:

A minuta deixa claro que a atividade jornalística não constitui análise de valores mobiliários para os efeitos da CVM, estando afastada, portanto, a necessidade de registro, quando envolver a “divulgação de opiniões ou recomendações gerais sobre evolução e tendências de mercado‖ (grifou-se). Já nas situações em que a atividade jornalística envolver avaliações sobre valores mobiliários específicos propõe-se que o registro seja dispensado, desde que adotadas certas cautelas (parágrafo único, art. 2-A).250 (Grifos nossos)

Aline de Menezes Santos Aragão, superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM na época, declarou que o único objetivo da minuta da ICVM 388 constante do edital de audiência pública, com relação aos jornalistas, era a de coibir conflitos de interesses entre analistas e jornalistas e que achara muito injustas as críticas recebidas pela CVM251

A intenção da CVM não é regular diretamente o jornalista, mas apenas garantir que sua atividade não fique sem qualquer fiscalização quando envolver o mercado de valores mobiliários. O jornalista estaria sob as normas da CVM no caso em que exercer atividade de analista, e mesmo nestes casos, existe a possibilidade dele não se submeter à CVM, desde que se submeta a outras regras de conduta (cumprimento dos requisitos de dispensa descritos na ICVM 388). No item 6.4.1 do presente trabalho será feita uma análise mais aprofundada sobre como a ICVM 388 não está ultrapassando os limites da competência da CVM, visto que, se entrasse em vigor, seria aplicável apenas aos jornalistas que atuam como analistas de investimento.

249 Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=5568-0.HTM>, acesso em 01/01/2013.

250 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Edital de Audiência Pública nº 09/07, p. 2. 251 Entidades reagem a restrição da CVM a jornalistas, Estado de São Paulo.

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