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CAPÍTULO I – REGULAÇÃO NO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1.4. Órgão Regulador do Mercado de Valores Mobiliários

1.4.2. Funções

1.4.2.2. Função Normativa

A função normativa da CVM está descrita no inciso I do artigo 8º da Lei que a instituiu (a Lei nº 6.385/76, como já dito anteriormente), que diz que a CVM tem poderes para regular as matérias expressamente previstas na Lei nº 6.404/76 e na Lei nº 6.385/76.

Considerando que delimitar os limites do poder regulador não é o tema central deste estudo, o presente item do trabalho discorrerá sobre alguns pontos do assunto muito brevemente, apenas para contextualização. A teoria da separação dos poderes, preconizada por Montesquieu em 1748, na obra ―O Espírito das Leis‖, serviu de argumento na luta contra o absolutismo monárquico e como forma de limitar os poderes dos governantes, criando um sistema de pesos e contrapesos63. Neste modelo existem três Poderes, Executivo, Legislativo e

60 CANTIDIANO, Luiz Leonardo, O papel regulador da CVM, p. 39 e ss.

61 GUERREIRO, José Alexandre Tavares, Sobre o poder disciplinar da CVM, p.66. 62 GUERREIRO, José Alexandre Tavares, Sobre o poder disciplinar da CVM, p. 67.

63―Embora seja clássica a expressão separação de poderes, que alguns autores desvirtuaram para divisão de poderes, é ponto pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível. (...) Outro aspecto importante a considerar é que existe uma relação muito estreita entre as idéias de poder e função do Estado, havendo mesmo quem

41 Judiciário, cabendo maior parcela de poder normativo ao Legislativo, que tem como função precípua criar o Direito positivado.

Com a crescente complexidade do mercado financeiro lato sensu, surgiu a necessidade de abrir mais espaço para que o Executivo pudesse editar normas a fim de regular determinadas atividades econômicas. Dessa forma, às agências reguladoras deu-se a incumbência de personificar o ―Estado regulador‖ nas atividades econômicas, mediante autorização legislativa, ou melhor, houve a ―delegação‖ de competências normativas ao Executivo por ato legislativo, que se consolidou com a criação das agências reguladoras.

Tal delegação de competências não precisa ser vista como uma afronta ao princípio da separação de poderes. Para H. KELSEN64, por exemplo, a função de legislar cabe a todos os Poderes, assim o Executivo, que seria o responsável por aplicar o Direito, nada mais faz do que criar o Direito para uma situação concreta e específica.

As agências reguladoras surgiram no momento em que se constatou que o Poder Legislativo não poderia ficar incumbido desta função normativa no âmbito de determinadas atividades econômicas. Uma norma, antes de entrar em vigor em nosso ordenamento, pode tramitar por anos no Congresso Nacional, no Senado, o que dependerá de diversos fatores, políticos ou não. O mercado de valores mobiliários é muito ágil, ele necessita de normas criadas por um órgão estatal mais dinâmico, célere e flexível, e que seja capaz de adequar-se mais rapidamente às demandas do mercado. Era necessário conceber uma regulação que não afetasse o dinamismo próprio deste mercado e que, ao mesmo tempo conseguisse sustentar a confiança e a segurança do sistema econômico.

Além disso, os valores mobiliários são parte de um sistema complexo que necessita de um conhecimento técnico que o Legislativo pode não possuir de imediato65. E. G. ENTERRÍA afirma que:

sustente que é totalmente inadequado falar-se em uma separação de poderes, quando o que existe de fato é apenas uma distribuição de funções”. DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, p.

181.

64 KELSEN, Hans, Teoria pura do direito, p. 260 e ss.

65F. K. COMPARATO esclarece a propósito das ―resoluções‖ do Conselho Monetário Nacional as seguintes palavras que podem ser transportadas para a análise dos atos publicados pela CVM: ―É esta uma técnica legislativa do chamado ‗direito econômico‘, à qual os nossos magistrados ainda não se afeiçoaram de todo, e que costuma passar despercebida nas exposições acadêmicas e dissertações doutrinárias. Ela representa, no entanto, um instrumento indispensável de atuação do Poder Público no sentido de acompanhar e influenciar a evolução da conjuntura. Tais resoluções não constituem, como acima se frisou, um simples ato administrativo regulamentar, mas sim o preenchimento de uma norma legal em branco, atuando portanto como o necessário

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A complexidade técnica de muitos destes produtos normativos (regulamentos) tampouco faria possível atribuir sua aprovação a um Parlamento de composição política, sem hábitos, sem conhecimentos, experiências, arquivos ou capacidade técnica. Por força, a lei não pode governar ela mesma senão recorrendo à colaboração (cada vez mais estreita e generalizada) dos regulamentos. Agrade ou desagrade, sejam ou não grandes os riscos de uma normação secundária deste caráter, a potestade regulamentar da Administração é hoje absolutamente imprescindível66.

É entendimento da maioria da doutrina que a possibilidade da delegação do poder legislativo às agências reguladoras é constitucional67, ou seja, o Poder Legislativo pode conferir ao Executivo a função normativa. Entretanto, a preocupação está no controle dessa delegação e os seus limites: até que ponto uma agência reguladora pode regular determinada atividade econômica?

O principal limitador dos poderes das agências reguladoras está na exigência de que a lei instituidora da competência regulamentar estabeleça os limites a serem observados pela agência em seus regulamentos a editar. L. A. SAMPAIO, ao sair dos quadros da CVM, declarou: ―Tive sempre presente a lição de que o princípio da legalidade é a maior conquista do Estado de Direito e a isso procurei ser rigorosamente fiel, posto que não são poucas as situações em que o sentimento individual de justiça pode acenar com a tentação de afastar a lei.‖68

Embora as agências reguladoras sejam independentes, isso não significa que elas não estão sendo controladas pelo Estado, já que todos os seus atos podem ser objeto de controle a posteriori por parte dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Na verdade, a característica de ―independência‖, que se atribui às agências reguladoras, refere-se ao impedimento de intervenção política em sua atividade.

A Comissão de Valores Mobiliários costuma se utilizar muito de normas classificadas como ―regulação de condutas‖, que são aquelas em que se prescrevem quais atos os agentes devem ou não realizar para um saudável funcionamento do mercado. Exemplos desta

momento integrativo do seu conteúdo, e participando da sua natureza‖. COMPARATO, Fábio Konder. Abertura

de crédito – nulidade da cláusula contratual – Comentário do Prof. Fábio Konder Comparato, p. 62.

66 Curso de Direito Administrativo, apud S. L. NUNES, Os fundamentos e os limites do Poder Regulamentar no

âmbito do mercado financeiro, p.120.

67―(...) entende-se ultrapassada a concepção tradicional de que a regulação estatal da economia, exercida por meio de autarquias integrantes da Administração Indireta, padeceria de uma insanável inconstitucionalidade formal, em decorrência da violação ao princípio da separação de poderes.‖ EIZIRIK, Nelson et al, Mercado de

Capitais – Regime Jurídico, p. 252.

43 regulação são as Instruções, Deliberações e outras espécies de normas editadas constantemente, que alteram o ordenamento jurídico do mercado de capitais69.

As regras editadas pela CVM tratam principalmente da regulação da divulgação de informações (disclosure), que é um dos pilares das normas do mercado de capitais. Suas diretrizes são fixadas pela Lei nº 6.385/76 e sobre isso, N. EIZIRIK diz que:

(...) a intervenção do Estado no mercado de capitais, sob a forma de regulação, dá-se mediante normas que estabelecem genericamente as condições de acesso, exercício, as condutas que devem ser mantidas e, principalmente, as informações que devem ser prestadas aos investidores.70

Um exemplo de exercício da função normativa pela CVM, relevante para o tema do presente trabalho, será objeto de estudo detalhado do item 4.1 adiante: o Edital de Audiência Pública nº 09/07, publicado em 15 de agosto de 2007, que propunha a alteração da ICVM 388.