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4 PRÁTICA PEDAGÓGICA DA ESCOLA INTERNA

4.1 PROPOSTA PEDAGÓGICA DA ESCOLA INTERNA

4.1.3 Avaliação das prendas artesanais

Tão importante quanto avaliar a memorização dos conteúdos disciplinares, era indispensável a avaliação do que as meninas aprenderam a executar no campo das prendas artesanais, num contexto em que a mulher deveria estar apta ao desempenho das tarefas domésticas em seu futuro lar ou como empregada em casa de família, ou mesmo executar os trabalhos para viver dignamente com o lucro auferido.

Os exames de conhecimento dividiam a cena com a exposição dos trabalhos manuais, apresentados para a admiração de todos. Fazia parte do primeiro Regulamento do Asylo que os trabalhos artesanais confeccionados pelas meninas fossem exibidos.

Art. 48: A Mesa estabelecerá prêmios que devão ser distribuídos por aquellas das expostas que sobresahirem em qualquer ramo do ensino e trabalho, ou por seu exemplar comportamento.

No dia 8 de Setembro de cada anno, terá logar uma exposição de todos os objectos executados ou fabricados pelas expostas que concorrerem aos ditos prêmios,

declarando-se em rotulo pendente de cada um delles o nome e idade de quem o tiver produzido.

Ao Provedor cabe especialmente ordenar e promover a referida exposição, e distribuir com solemnidade os prêmios que, a juízo de peritos devão ser conferidos. Os prêmios por comportamento exemplar serão dados pelo Provedor, sobre informações do Mordomo e da Superiora. (ASCMB, Regulamento..., 1863-1864, p. 16).

Os Relatórios da Santa Casa podem bem expressar o quanto o cumprimento do citado artigo era marcante para alunas, mestras e demais pessoas envolvidas nos exames. Como forma de estimular os comportamentos desejados, em 1884, a Provedoria do Conde de Pereira Marinho instituiu uma premiação a suas expensas pessoais.

No anno de 1884 a 1885 a Provedoria estabeleceu um premio de 1:000$000 a expensas suas, em favor de 10 meninas que dessem prova de real adiantamento em trabalhos de costuras e nos estudos escholares, prêmios que deverão ser entregues em uma Caderneta da Caixa Econômica, garantida pelo governo em 29 de junho, dia em que são expostas as obras de artefacto dos Asylados. (ASCMB, Relatório..., 1889-1890, p. 79).

No ano de 1885 constam no Relatório os nomes das alunas que se distinguiram nos bordados a ouro, flores, bordados em tecidos, sapataria, costuras, serviço doméstico:

No ano econômico próximo passado foram 20 as Expostas que fizeram exames de instruccão primaria e prendas, e entre elas algumas em tradução de francês e geografia; obtendo 10 o premio de 100$000 para cada uma e a distinção da cruz azul ferrete que ornam as opas da Irmandade, que as mandou collocar sobre o peito esquerdo das mesmas; e 10 com menção honrosa e mais tarde com 50$000 cada uma; quantias estas que foram recolhidas a Caixa Econômica garantida pelo Governo, sendo todos estes prêmios expontaneamente oferecidos pela Provedoria de seu bolso, a fim de executar a salutar disposição do art. 48 do Regulamento de 21 de marco de 1863. (ASCMB, Relatório..., 1886-1887, p. 82).

O Relatório da Provedoria do citado ano de 1886 mostra, na página 84, como eram conduzidas tais avaliações: a tudo isso se seguia um “[...] lauto jantar aos expostos, ao som do vasto repertorio da musica do corpo policial”.

No salão de aulas onde estavam em exposição os trabalhos feitos pelas meninas: compunham-se elles de bordados brancos e a ouro, crochets, tecidos, tapetes, almofadões, flores, calcados, etc. etc.

Pelos trabalhos de prendas que apresentaram Maria Bernarda De Mattos, Emilia Luiza de Mattos, Maria Paula de Mattos; Pelos serviços de sapataria, Honorina de Mattos; Pelos serviços domésticos: Lydia de Mattos. Alem destas, a Comissão julgou merecedoras de menção honrosa Mathilde de Mattos, Elisa Maria de Mattos, Josephina de Mattos, Helena de Mattos, Gertrudes de Mattos e Maria Epiphania de Mattos que no anno anterior foram premiadas e que agora mostraram-se com bastante desempenho e habilitações; bem como Antonia Fausta de Mattos e Victoria de Mattos a cada uma das quais também offereceu S.Ex. um medalhão com seu competente cordão de ouro, pelos trabalhos que apresentaram. De tudo isso lavrou- se uma acta,que adiante vae transcrita, a qual foi assignada pelo Exm Provedor e pelos Membros da Comissão. (ASCMB, Relatório..., 1886-1887, p. 83).

Relatórios de anos subseqüentes trazem o registro dos rendimentos auferidos nas vendas dos produtos confeccionados pelas expostas, que eram revertidos na “[...] compra de vestuários e aviamentos para os artefactos” (ASCMB, Relatório..., 1901-1902, p. 26). No Relatório de 1914 (ASCMB, Relatório..., 1914, p. IV) também são encontradas referências às produções artesanais das asiladas no Art. 15: “Haverá annualmente uma exposição dos trabalhos feitos nas diferentes officinas”. E ainda:

[...] do valor realisado pela venda de cada trabalho, caberá, depois de deduzida a despeza do material empregado, 20 para as educandas que tomarem parte na execução, devendo essa quantia ser depositada na Caixa Econômica, numa caderneta em nome das mesmas, pela Provedoria. (ASCMB, Relatório..., 1914, p. 11).

A premiação em dinheiro para as expostas, devidamente comunicada à Superiora, foi concedida como forma de incentivar aquelas que se destacassem no estudo, nas costuras, bordados e outras prendas domésticas. Por mais que agradasse à argüida receber um valor a ser depositado em seu nome, a simbologia de colocar sobre o peito a distinção da “[...] cruz azul ferrete ornam as opas da Irmandade da Misericórdia” (ASCMB, Relatório..., 1886- 1887, p. 82) funcionava como uma marca pública do merecimento, que poderia ser transportada no próprio corpo, exibido em sala, pátio, refeitório, enfim, funcionava explicitamente como indicativo do valor a ela atribuído. O mesmo se aplica para o recebimento do medalhão de ouro com a letra inicial do nome de batismo. A cruz e o medalhão eram peças adornativas, simbólicas, que as colocavam visíveis naquele universo pouco visto pelos de fora.

Fica evidente que o sistema de premiação funcionava como estímulo para reforçar as atitudes consideradas proveitosas e desejadas pela instituição. Este sistema, segundo Foucault (2007, p. 155), faz da escola “[...] uma espécie de aparelho de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu comprimento a operação de ensino”. Certamente, como em qualquer instituição semelhante, o sistema de premiação e castigo fazia parte do cotidiano, como forma de anular ou minimizar os comportamentos indesejáveis e reforçar os considerados socialmente válidos e apreciados.

Para Foucault (2007), o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo, que é uma realidade biopolítica. A sociedade capitalista, numa clara compreensão e desejo de controle, fez investimento sobre o biológico, disciplinando os indivíduos para a observação das normas e padrões sociais desejados.

Ao longo dos anos, algumas alunas destacaram-se nos exames e nas comemorações pela inteligência, voz melodiosa, habilidade manual, chegando a ser nominalmente citadas nos Relatórios:

Seguiu-se um gracioso torneio literato-comico, em que, mais uma vez, os gentis alunos deram mostras de sua inteligencia e de sua muito e proveitosa applicação. Merecedes interessante criança de 5 anos, cantou com voz de ave canora e meiga a linda cançoneta - a Boneca. Maria da Conceição Cavalcante, com gestos educados e dicção boa e disciplinada, recitou a poesia ‘O meu dever”. Poz remate a estes festejos uma interessante comedia intitulada “O anjo da Terra [...] (ASCMB, Relatório..., 1913, p. 8).

O Asilo interessava-se pelas expostas que revelassem alguma aptidão especial, como evidencia o relato a seguir:

[...] Adriana, reconhecida vocação para a música, e já com bons princípios, matriculada na “Escola de Música Deolindo Fróes”, acaba de conseguir, no exame final, agora em 1922, colocação entre as classificadas em primeiro lugar, e, na festa do enceramento, deu prova pública, perante os convidados, do seu aproveitamento, executando diversos números do programa litero-musical. (ASCMB, Relatório..., 1923-1924, p. 49).

Em 14 de janeiro de 1924 foi dirigido oficio à direção da Escola Remigton de datilografia, solicitando uma vaga para a asilada Regina de Mattos, “[...] para aproveitar as pequenas que se mostram capazes de receber educação profissional [...] Não tendo as professoras podido, apezar de seus esforços, apresentar alumnas promptas para os exames finaes em todas as matérias do ano primário, que segue o programa oficial [...]” (ASCMB, Relatório..., 1923-1924, p.XXII). Em 1925 a citada escola acolheu outra exposta, registrando- se que o Asylo já tinha duas alunas diplomadas em datilografia, conhecimento importante na época para os trabalhos no mundo exterior.

Vale lembrar, em relação aos meninos, que não exibiam suas prendas, pois a instituição não dispunha de oficinas para os trabalhos artesanais. No Relatório de 1884 encontra-se o registro referente a esta lacuna: “[...] conviria fazer o mesmo com os meninos; carpina, dirigido por mestres de bons costumes, sob a vigilância da Irmã Superiora” (ASCMB, Relatório..., 1884-1885, p. 66). De forma mais detalhada, dois anos depois, Arnaldo Lopes da Silva Lima, então Mordomo do Asylo, fez o registro de sua preocupação com a falta de tal aprendizado por parte dos meninos:

[...] para complemento do renome de que goza o Asylo, converia tomarem-se medidas no sentido de garantir aos expostos do sexo masculino um futuro para sua subsistência, como é garantido aos do outro sexo, que vivem e envelhecem debaixo do manto da Santa Caridade de Nossa Senhora da Misericórdia, visto serem todos filhos desta Santa

Instituição creada pelo immortal João de Mattos de Aguiar, ampliando por assim dizer a idéia do art. 24 Regulamento respectivo. Não lembraria a acquisição de um prédio apropriado para estabelecer-se um Lyceo de Artes e Officios, por que acarretaria despezas, mas sim para um ensaio, que se mandasse fazer na entrada do Asylo de n.S. da Misericórdia, ao lado da Capella, um commodo com dous pavimento onde no primeiro andar fossem accomodados os expostos que forem attingindo a edade de 12 annos, com pessoa encarregada de os dirigir, que deverá ser de reconhecida moralidade, sob a fiscalização da irmã superiora e do respectivo mordomo, com regulamento especial. No pavimento térreo se estabelecera uma officina de carpina ou de marcenaria, onde deverão elles se applicar aos trabalhos dessa arte, preparando peças de obras à proporção que se forem habilitando. Poderá também haver uma secção de pedreiro, de onde saião para as obras do mesmo Asylo, do de S.João de Deus e do Hospital de Caridade, devendo ser acompanhados dos respectivos mestres para isso contractados, tanto na ida como na volta. A comida para elles nestes lugares, deverá ser fornecida pelo estabelecimento em que estiveram trabalhando.

Poder-se-há também crear officinas de sapataria e de alfaiataria, bem como uma banda de musica, cujos instrumentos pertencerão a Santa Casa, estimulando assim o gosto dos mesmos expostos para as artes. Logo que tenhão direito a receber qualquer quantia pelo seu trabalho, será a quantia dividida em tres partes, uma para as despesas do estabelecimento, outra para indemnizar a importância da ferramenta que lhes ficará pertencendo, sendo-lhes entregue o restante, e a última será recolhida a caixa Econômica garantida pelo Governo, para seu pecúlio que lhes sera entregue quando atingirem a maioridade, epocha em que se poderão retirar do estabelecimento, caso queirão, e dispor do seu pecúlio. (ASCMB, Relatório..., 1888-1889, p. 46).

Nos Relatórios da Provedoria dos anos seguintes (1890 a 1923) continua o estribilho da necessidade das oficinas. Em 1914, a Superiora do Asylo, D. Amélia Rodrigues, cita a existência de uma “[...] sapataria mal situada e não apropriada e conveniente. Nessa officina aprendem somente 4 meninos, dois dos quais tem aproveitado bastante, já podendo fazer, por si sós, um par de sapatos completo, com quanto que não muito bem acabado” (ASCMB, Relatório..., 1914, p. IV). Diante do exposto, as boas intenções da construção de oficinas para atividades artesanais, bem como para a formação da banda musical, não chegaram a ser efetivadas e os meninos continuaram a ser encaminhados para instituições congêneres e casas dos mestres de ofícios que os quisessem acolher.

Ao longo dos anos, a atividade educacional da Santa Casa continuou acompanhada pela Inspetoria Geral do Ensino do Estado da Bahia, mediante a solicitação de mapas de freqüência e aprovação de alunos para a elaboração da estatística escolar do estado. Em 10 de abril de 1923 e 21 de julho de 1924 a Escola Interna foi vistoriada pelo Delegado Escolar do 1º Distrito do Estado, Dr. Alberto de Assis que assim se expressou: “Com meus applausos pela obra do Bem, que se cultiva nessa casa, ficam também os preitos de admiração pelo zelo e asseio que são apanágio da actual direção [...]” (ASCMB, Relatório..., 1925-1926, p. IX).

Os alunos da Escola Interna obedeciam à rotina escolar de aulas, tarefas, exames quantitativos dos conhecimentos, bem como ao que era parte da programação educacional da instituição: aprendizagem e execução de ofícios condizentes a cada sexo, reproduzindo o

comportamento de todos os que os antecederam, pois a maioria das regras escolares permanecia solidamente estruturada.