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2 ASYLO DE NOSSA SENHORA DA MISERICÓRDIA

2.2 A GENTE DO ASYLO: SONHOS, DORES E PAPÉIS

2.2.3 Pessoal médico

Conforme o Regulamento (1914, p. 14), “[...] o pessoal médico constava de um ou mais médicos, de uma ou mais enfermeiras.” Não seria cabível à Santa Casa descuidar-se da saúde dos asilados, possuindo, como maior jóia de sua coroa, o tradicional Hospital Santa Isabel, referência na história baiana e brasileira por sua atuação. Assim, a Santa Casa buscou cuidar da saúde dos expostos, desde sua admissão pela Roda, fosse providenciando encaminhá-los para as amas de leite, fosse observando as moléstias ou danos físicos e mentais. As Irmãs de Caridade eram as primeiras atendentes e enfermeiras das crianças, mas, como esse trabalho envolvia o processo educacional dos alunos da Escola Interna, que não incluía apenas e tão somente a educação formal de aprender a ler, escrever e contar, eram consideradas como partes integrantes todas as ações que envolvessem posturas e comportamentos sociais, o que vai desde a aquisição de hábitos elementares de higiene pessoal até o olhar clínico do médico ou de outro profissional da área.

Desde o Regulamento de 1863, que no Asylo constavam referências à presença de um “facultativo” (médico) e, com o tempo, um dentista passou a contar entre o pessoal empregado, ficando tais profissionais, médico(s) e dentista, sob a supervisão da Superiora e do Mordomo, o que foi mantido com o novo Regulamento aprovado em 1914. O médico deveria visitar diariamente o estabelecimento, cuidar de vacinas, orientar as enfermeiras, examinar os remédios e as amas de leite, os gêneros alimentícios, entre outros. A cada mês

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Nos documentos pesquisados não foram encontradas referências sobre tais mulheres além dos salários a que faziam jus.

deveria apresentar à Superiora informações sobre o estado de saúde dos asilados e ao final do ano elaborava um relatório com as observações sobre higiene da casa.

Todos os expostos eram atendidos pelos profissionais que cuidavam da saúde daquele microcosmo, contribuindo para amenizar os danos, esforçando-se para a redução da taxa de mortalidade dos pequenos asilados, criando condições para que chegassem à idade escolar com a saúde equilibrada, aptos para uma boa aprendizagem que lhes possibilitasse a futura inserção no mercado de trabalho.

Ao longo de todas as leituras realizadas nos Relatórios elaborados pelos Mordomos do Asylo, percebeu-se uma marcante preocupação com as condições físicas do abrigo dos expostos, observando-se as condições de luminosidade, de acesso, de ventilação, de aquecimento e segurança dos espaços de dormida, do estudo, dos sanitários e banheiros, dos pátios de lazer e das demais áreas de circulação. Cuidados também são revelados no deslocamento de alunos por conta de poeiras e germens, no remanejamento para áreas distantes do risco de contágio de doenças epidêmicas como a cólera e a peste bubônica e doenças outras como o sarampo e o beribéri. A higiene corporal, os exercícios físicos e os banhos de mar estavam no rol das prescrições médicas.

Foi muito bom o estado sanitário deste asylo durante o anno.

Há aqui como V. Ex. sabe, meninos e meninas incapazes de receber cuidados intellectual e educação moral, por atavismos e heranças pathologicas que influem periodicamente em suas maneiras e costumes, produzindo idiotas e outros inconvenientes e que demandam estudos e cuidados especiaes.

Somente um profissional poderia guiar com segurança as dirigentes de secções e as professoras nesta selecção entre indivíduos doentes e os sãos, e prescrever regimens a seguir e os cuidados necessários para a melhora desejada. (ASCMB, Regulamento..., 1914, p.V).

Além disso, os documentos revelam os cuidados com a saúde mental dos expostos, estimulando as atividades lúdicas e os pequenos festejos internos em datas como de realização de exames, celebrações religiosas, aniversário do Asylo e internando os alienados no Asylo São João de Deus, administrado pela própria Santa Casa, como no caso do “[...] exposto Ignacio de Mattos, creoulo, foi encaminhado ao São João de Deus por sofrer de alienação.” (ASCMB, Relatório..., 1890-1891, p. 45).

Ao longo dos anos, vários médicos clínicos e oftalmologistas trabalharam no Asylo8 e os expostos contavam também com assistência odontológica prestada por dentistas9

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Médicos: Antonio Mariano do Bonfim, Salustiano Ferreira Souto, José Joaquim Ribeiro dos Santos, Manoel de Sá Gordilho, Eduardo Gordilho Costa, Manoel Bonifácio Costa, Armando de Campos Gordilho...

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remunerados e também por voluntários, que visitavam semanalmente os asilados. Em 8 de novembro de 1930, a Provedoria, mediante Portaria 44, nomeou como Farmacêutica do Asylo, D. Maria de Lourdes Pereira (Livro de Actas da Provedoria, 1930). Foi a primeira mulher a ocupar ali tal função.

O Asylo para funcionar requeria braços ativos. Para que tal proposta fosse cumprida, a instituição dispunha de pessoas que se dedicavam a tal mister, cada uma delas no seu campo de atuação, exercendo suas funções e observando a hierarquia que regia a vida do estabelecimento. Assim, além das Irmãs, havia as pessoas que ocupavam outras posições, gente que desempenhava seu trabalho e, em sua maioria, era para isso remunerada e todas contribuíam com seu trabalho, sua dedicação e sua ideologia para a composição e manutenção da estrutura social dos espaços escolares da Misericórdia. Cada uma delas ali estabeleceu laços, desenvolveu afetos, vivenciou momentos de entusiasmo, preocupação e esperança com um alunado composto por crianças e jovens sem arrimo familiar, sem raiz e que só poderia sobreviver dignamente se tivesse na educação seu esteio para formação de caráter, aprendizagem de ofício e de postura num mundo que lhe era em grande parte desconhecido.

Certamente, muitas pessoas que ali trabalhavam pertenciam a um segmento social considerado baixo, com pouca ou nenhuma escolaridade, mas necessitadas da remuneração para assegurar a sobrevivência. Alguns documentos pesquisados indicam naturalidade, cor, idade, estado civil, mas não especificam escolaridade de tantos que por ali passaram de 1862 a 1934. Seguramente se declaravam católicas e praticantes, dispostas ao trabalho diário e supervisionado para o cumprimento da proposta pedagógica do Asylo e sua Escola Interna de ensinar as letras, os números e contas, as prendas, os ofícios e a religião católica romana.

Tabela 3 – Quantidade empregados no Asylo por função - 1914

QUANTIDADE FUNÇÃO OBSERVAÇÕES

1 Administrador Lucio José Vieira, que já exercia o logar de Ecônomo

1 Capellão Padre Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas

1 Superiora D. Amélia Rodrigues

6 Professoras Escola Interna - D. Maria de Magdalena Landulpho Escola Externa - D. Luiza Aboim de Barros 4 Auxiliares

1 Médico Dr. Manoel de Sá Gordilho

1 Enfermeira 5 Amas