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Participação da Santa Casa de Misericórdia da Bahia na saúde

1 SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DA BAHIA E SEU CONTEXTO HISTÓRICO

1.3 OBRAS REALIZADAS PELA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DA BAHIA

1.3.1 Participação da Santa Casa de Misericórdia da Bahia na saúde

A Santa Casa criou o primeiro hospital da cidade de Salvador. Este, ao longo do tempo, foi a obra mais conhecida da Misericórdia na Bahia, pelo cuidado com os enfermos, atendendo a um dos Compromissos Corporais da Irmandade. A antiguidade do hospital constitui base para admitir-se que a entidade foi criada no ano de 1549, pois as ordens de pagamento para a construção do hospital, da lavra de Tomé de Souza, estão registradas no volume Documentos Históricos XXXVII - mandados-1549-1552, publicados pela Biblioteca Nacional, conforme Campos (1934). O hospital é um marco na história da instituição e na história nacional, já que abriga significativa parcela da Medicina, visto que a Misericórdia mantinha o único hospital da Bahia, nos séculos XVII e XVIII. Durante todo o período colonial, a Coroa portuguesa cobria os custos originados de atendimentos a seus funcionários e o hospital possuía uma enfermaria feminina e uma farmácia que vendia remédios vindos de Portugal, bem como os produzidos na cidade de Salvador.

O hospital teve inicialmente várias denominações: no século XVI foi chamado Hospital da Cidade; no século XVII, foi denominado Hospital Nossa Senhora das Candeias; e depois de Hospital de São Cristóvão. Segundo Russell-Wood (1981), ele atendia a população urbana de 1.000 colonos em 1554, e, não obstante sua importância e utilidade, os sucessores de Tomé de Souza descuidaram de realizar benfeitorias, para que ali fossem atendidos os doentes das três etnias (branco, índio e negro), cada uma com suas peculiaridades de morbidade. Ele funcionou sucessivamente em três lugares: o primeiro, por 284 anos, em tosca construção na própria sede da Misericórdia, na rua homônima, no centro de Salvador; em 1833 passou a funcionar no Terreiro de Jesus, onde ficaria por 60 anos15; por fim, foi deliberado que seria construído em outro local, no atual bairro de Nazaré (COSTA, 2000).

Lenta, interrompida e custosa foi a construção do novo hospital que se fazia necessário à cidade que crescia, conforme deliberação da Mesa e Junta Deliberativa em 1814. Vários Provedores envidaram esforços para a obra, destacando-se entre eles a figura do Conde de Pereira Marinho16, que segundo Verger (1987, p. 451-452):

[...] dominava o mercado de charque [...] possuía navios para o transporte de suas mercadorias...com seu gênio criativo construiu muitos edifícios no caminho da Vitória, no Farol da Barra e no Bairro Comercial... tornou-se muito rico [...] membro fundador do Banco da Bahia [...] no fim da vida fez parte de instituições de caridade de renome, como a Santa Casa de Misericórdia [...] no seu testamento contava com uma fortuna considerável [...]

O hospital foi transferido para o novo prédio no Largo de Nazaré, já com o nome de Hospital Santa Isabel, inaugurado em 30 de julho de 1893, pelo Provedor Manoel de Souza Campos. À entrada do prédio, foi inaugurada uma estátua do Provedor Conde de Pereira Marinho amparando duas crianças órfãs, representando o conceito de proteção no mais puro molde da filantropia cristã, numa clara referência à Caridade, grande eixo sustentador da instituição. Atendendo não só indigentes e pensionistas, o hospital recebia também os serviços da Municipalidade do Governo do Estado. Em suas instalações já aconteciam os serviços de necropsia para fins de inquéritos policiais e atendia também aos policiais (COSTA, 2000). Infelizmente, os serviços não eram pagos, o que, obviamente, acarretou sérios transtornos.

O Hospital Santa Izabel, ao longo de sua história, atendeu doentes de diversas moléstias; certamente atendeu também vítimas das epidemias de varíola (1680 a 1684), febre

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Em 1859, o hospital foi visitado pelo imperador D.Pedro II (COSTA, 2000).

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O Conde de Pereira Marinho devia parte de sua riqueza ao tráfico negreiro. Ainda segundo Verger (1987, p. 452): “[...] possuiu numerosos vasos que faziam o tráfico de escravos com a Costa da África entre 1839 e 1850 [...] desembarcando 3.800 negros e rendendo 47.000 libras esterlinas somente pelo frete para José Pereira Marinho.” Esse homem, com tais papéis contraditórios, em distintos momentos da sua vida, faleceu em 24 de abril de 1887, sem ver sua obra final concluída.

amarela (1686), colera morbus (1855), males de alta mortalidade, os feridos na guerra de Canudos (1897), como já citado, e o contingente atingido pela gripe espanhola (1918) (MATTOSO, 1992).

O hospital também atendia a estrangeiros e escravos. Segundo Barreto (2001) as mulheres negras e mestiças, escravas ou livres, quando não os abortavam, tinham seus filhos com as parteiras curiosas (comadres). Para a resolução de problemas não debelados pelo conhecimento do senso comum, entretanto, recorriam aos serviços médicos gratuitos do Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Ainda em conformidade com Barreto (2001, p. 29-30):

[...] o quadro nosológico entre 1881-1883, período em que foram atendidas 2.800 pessoas, sendo 441 crianças, 1470 homens e 889 mulheres, das quais 29 eram escravas. Persistiam doenças como sífilis, úlcera, diarréia, erisipela, pneumonia, gangrena, hepatite, reumatismo, as hemorróidas, a paralisia, a apoplexia e as doenças mentais [...] acrescidas da beribéri, febre perniciosa, insuficiência, úlcera sifilítica, epilepsia, tubérculos pulmonares, tétano, dentre outras. Das 889 mulheres atendidas 302 eram pardas, 254 eram pretas, 192 brancas 49 creolas e 09 cabras. Dentre as atividades profissionais declaradas nos prontuários predominam as de servente e costureira. Esses dados refletem uma cidade efervescente nas suas atividades laborais, especialmente nas ocupações femininas, bem como evidencia uma hierarquia social pautada em valores diversificados.

Desde sua fundação, o hospital sempre se destacou como um centro de atendimento e referência, respeitado pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, principalmente pelo atendimento realizado a pessoas das mais diversas camadas sociais. Até a presente data, funciona no bairro de Nazaré, tendo presença marcante na vida da cidade.

A ação da Santa Casa na área da saúde não ficou restrita a seu próprio hospital: a Quinta dos Padres (da ordem dos jesuítas) foi comprada pelo Governo do Estado da Bahia, que criou, em 1787, o Hospital dos Lázaros, no belo prédio cercado de muita área e que possuía um cemitério, o atual Cemitério da Quinta dos Lázaros. Em 1895, o governo e a Santa Casa celebraram um contrato, no qual ficou estabelecido que esta última fosse a responsável pela administração do hospital e do cemitério. Durante 18 anos, a Santa Casa viu-se em dificuldades para fazer face às despesas e ao custeio, devido ao total descompromisso do governo com os pagamentos. O reparo da precariedade das instalações e os pagamentos de salários eram imprescindíveis, mas nada a Santa Casa podia fazer a não ser deliberar pela devolução dos imóveis, conforme Relatório da Mesa de 1912, do Provedor Theodoro Teixeira Gomes, que ali, incisivamente, expôs a questão.

A ação da Misericórdia expandiu-se na cidade de Salvador, tendo início com o cuidado dos indivíduos doentes, privados da razão. Em 1869, o Governo Provincial comprou o Solar Boa Vista, no Engenho Velho de Brotas, e em 1874 inaugurou o Hospício São João de

Deus, administrado por 42 anos pela Misericórdia, que ali tratava dos alienados mentais. Sua atuação estendeu-se até 1911, quando, por ausência dos pagamentos devidos pelo governo, o Provedor Theodoro Teixeira Gomes, após acerbas críticas em seu Relatório ao Governador Araújo Pinho e ao Intendente Conselheiro Antonio Carneiro da Rocha, findou a parceria, já que “[...] ela se encarregou, por contrato, de administrá-lo mediante o pagamento de subvenções anuais, e não no fim de 6, 7, 8 annos como acaba de succeder, e pelo que estão rescindidos esses contratos.” (ASCMB, Relatório..., 1912, p. 206).