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instituições escolares de educação de jovens e adultos

2. Copie as palavras no caderno e acrescente os artigos definidos o ou a:

2.2 Avaliação das observações

É oportuno que se deixe claramente expresso que, tendo sido minha primeira intenção verificar o uso de livros didáticos por estudantes de EJA, as visitas aos Cieja e à escola estadual constituíram num “erro de percurso”. Pelos contatos iniciais, entendeu-se que essas instituições “usavam livros didáticos”. De fato, de uma forma indireta, esse material está presente em sala de aula, mas não por meio de sua adoção pelos alunos. Apesar desse “descaminho”, as observações serviram para identificar aspectos importantes para o desenvolvimento deste trabalho: os materiais didáticos utilizados pelo professor e pelos alunos na sala de aula, as queixas dos professores em relação aos livros didáticos e em relação à presença das Editoras nas escolas, as diferenças entre os meios de aprendizagem (o treinamento de professores, as situações pedagógicas propostas, o envolvimento dos alunos, entre outros fatores).

Das visitas a essas instituições de ensino e observação da prática em sala de aula, pôde-se constatar uma nítida diversidade de culturas organizativas. As duas unidades Cieja visitadas demonstraram dominar maior grau de coesão entre proposta político-educacional, treinamento docente e prática em sala de aula. Embora houvesse diversidade entre as práticas adotadas entre professores das duas unidades, as entrevistas com os professores revelaram a existência de um discurso dominante e consolidado quanto à proposta pedagógica e à representação que eles fazem do aluno e do próprio trabalho docente. Comentários sobre os livros didáticos de EJA disponíveis no mercado eram marcados por queixas do tipo: “Não têm a ver com a realidade do aluno”; “São livros do ensino regular reduzidos na extensão”; “O aluno de EJA tem toda uma bagagem de vida, fantástica, que não pode ser desprezada quando damos aula. Livros para crianças do ensino regular não servem pra ele”77. E percepções do tipo: “O aluno de EJA tem expectativas bem claras: quer

aprender a ler, a escrever, a fazer contas”78; “O aluno de EJA já tem vivência e, por isso,

quando vem ao curso tem objetivo, quer aprender. E isso é muito legal. Trabalhar com eles é muito bom”79; “Aqui nós temos alunos que causaram problemas sérios quando cursavam

a escola normal, do ensino regular, inclusive temos alunos em liberdade assistida, mas aqui eles não dão trabalho nenhum. É que eles querem aprender. É diferente”80.

A professora da escola municipal demonstrou autonomia em relação à escolha do material didático a utilizar. Foi ela quem, de fato, tomou a iniciativa de procurar na sala dos professores de uma Editora alguma obra que pudesse atender a seus interesses, pois, como professora do curso regular do ensino fundamental, ela já havia adotado livros didáticos dessa Editora e estava habituada a fazer esse tipo de busca. Tendo encontrado essa obra, consultou os alunos de cada classe sobre a compra, fez uma lista, arrecadou dinheiro e adquiriu os livros (com desconto de 20% sobre o preço de capa). Note-se que nesse caso a

77

Comentário da professora de Ciências (bióloga de formação) do Cieja de São Mateus feito à pesquisadora na sala dos professores.

78

Comentário da professora de Matemática (geógrafa e pedagoga de formação) do Cieja São Mateus feito à pesquisadora em sala de aula.

79

Comentário do professor de Ciências Humanas (geógrafo de formação) do Cieja Guaianases — sala dos professores.

80

Comentário da secretária do Cieja Guaianases, que coincide no conteúdo e no tom com o depoimento dado pelo coordenador do curso dessa mesma instituição.

iniciativa partiu da professora em relação à Editora, e não o contrário, como costuma ocorrer, da equipe de divulgadores aos professores.

A escola estadual demonstrou certo grau de desordenação nas ações didático- pedagógicas, na escolha do material didático e do conteúdo e da freqüência dos alunos. Já na sala dos professores, a fala dos docentes revelou desconhecimento das políticas de escolha do livro didático para o PNLD e dos processos de adoção de livros junto às Editoras comerciais81. Essa escola me havia sido indicada pelo departamento de divulgação

da Editora como uma das que adotaram a coleção de livros didáticos de EJA. Para minha surpresa, no contato telefônico com a coordenadora, foi-me dito que a adoção só ocorrera por parte da professora de Matemática (de livros dessa disciplina). O pedido de visita e observação foi aceito sem restrição. Maior surpresa tive ao saber dessa professora que, de fato, suas turmas não adotaram esses livros, mas apenas ela o fizera porque o divulgador não lhe deu material (os livros para avaliação) nem informações suficientes para uma possível adoção: preço, por exemplo. Com o tom queixoso, reiterou várias vezes, inclusive durante a aula, diante dos alunos, que um livro didático a ajudaria muito nas aulas: “Eles adoram ter um livro. Quanto custa? [E eu não sabia informar.] A maioria trabalha, pode comprar.”; “Eles se acham o máximo quando têm um livro!”; “Mostre a ela o livro que eu te dei”; “Se ao menos a metade comprasse o livro, os alunos poderiam trabalhar em duplas ou em grupos e a aula renderia muito mais!”.

De fato, o objetivo primeiro de observar o uso de livros didáticos em sala de aula não foi atingido, dada a escassez de instituições escolares de EJA identificadas para esse fim. Entretanto, com base nas visitas realizadas pôde-se constatar que o livro didático está presente de maneiras diversas em sala de aula. Embora algumas unidades escolares (como os Cieja) definitivamente não adotem esse tipo de material, eles estão presentes nas aulas sob a forma de textos fotocopiados, nas mãos do professor, em sua mesa, no armário, na

81

Uma professora de História do ensino regular do segundo segmento do ensino fundamental me perguntou quando deveriam ser feitos os pedidos de livros didáticos; comentou também que houve problemas na remessa de coleções, pois a escola, tendo solicitado um título, havia recebido duas coleções, o que lhe causava transtornos para conduzir o programa com as turmas. Perguntou-me também o que ocorreria se o governo (estadual, no caso) lhes enviasse uma coleção diferente da que estavam usando naquele momento.

mochila do aluno. Nesse sentido, essa constatação reforça o que Luciana Araújo82 chama de

“diferentes materialidades” do livro didático:

[…] pude perceber que o livro didático está presente diariamente na sala de aula. Mas a sua materialidade é diversa: são as páginas fotocopiadas (“xerocadas”, como dizem os professores); são trechos digitados e impressos, dos quais se multiplicam cópias para os alunos; são as figuras transformadas em cartazes; são textos e exercícios mimeografados ou transcritos na lousa, dentre outras formas de apresentação.

Chegando às escolas, “o livro” [aquele encadernado, formato padrão, com capítulos, etc.] que encontrei não foi bem esse. No mais das vezes, deparei-me com sua inexistência material, e, em seu lugar, “textos soltos”, selecionados de diversos livros didáticos ou paradidáticos e copiados, digitados/impressos, mimeografados pelos próprios professores.

De modo geral, as observações das práticas em sala de aula conduziram a conclusões contrárias às expectativas iniciais.

Se a expectativa inicial era encontrar a coleção de livros didáticos de EJA mais vendida, supostamente a mais aceita pelo estudante, ao menos pelo professor, isso ficou longe de ser concretizado. Conforme os depoimentos, os livros didáticos existentes são mal divulgados nas redes de ensino. E, também de acordo com esses professores, os livros existentes estão longe de atingir as suas expectativas, pois são incompatíveis com o universo do público leitor.

Se a expectativa era assistir a aulas que empregavam o livro didático como recurso utilizado pelo aluno, a amostragem foi pequena: apenas um curso. E a observação resultou numa avaliação não muito otimista em relação à obra, pois não se percebeu motivação dos alunos, interação com o objeto, mas disciplina como aspecto preponderante. Nesse aspecto, David Hamilton afirma:

Os alunos não reagem apenas a um conteúdo apresentado ou às tarefas prescritas. Ao contrário, eles se adaptam e trabalham dentro de um meio de aprendizagem, tomado como

82

ARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino de História: depoimentos de professores de

escolas estaduais de ensino fundamental situadas em São Paulo/SP. São Paulo, PUC-SP/EHPS, 2001.

um todo. Eles levam em conta seja o currículo “latente”, seja o currículo “aparente”. E, além de adquirirem hábitos de estudo, de leitura e de reagir, assimilam também as convenções, as crenças e os modelos de realidade que estão sendo constante e inevitavelmente transmitidos por meio de processo de ensino.83

Que modelos da realidade, convenções e crenças estariam sendo transmitidos nessas situações didáticas? Se nos basearmos na dinâmica das aulas e na estruturação pedagógica, pode-se considerar que as situações propostas nos Cieja pretendam proporcionar aos estudantes oportunidades de participação ativa no aprendizado, de integração ao grupo e à comunidade, a despeito de terem ou não um livro a acompanhar.

Já o caso da situação em que se optou pela adoção do livro didático, podemos, grosso modo, considerar que o ensino se pauta pela transmissão de um modelo de conhecimento consolidado, tomado pronto de uma realidade externa aos estudantes. Nesse sentido, o livro seria o objeto veiculador do saber necessário ao aluno, o objeto que porta o conhecimento que faz a diferença entre os que tiveram estudo e os que não tiveram essa chance. Poderíamos até considerar que, paradoxalmente, o livro reforça o modelo de sociedade que excluiu o próprio aluno.

A pesquisa deveria ter sido aprofundada em outras escolas que usam livros didáticos, mas, como já se explicitou acima, foi (e é) difícil conseguir uma lista dessas escolas. Não tanto porque a Editora queira sigilo dessas informações, mas mais por causa da falta de sistematização do trabalho da empresa nesse segmento: datas de visitas em períodos não previsíveis, não atualização do cadastro de professores e coordenadores de EJA, controle irregular das visitas84 — supõe-se.

Se considerarmos a motivação, o envolvimento afetivo, o interesse dos alunos pelo aprendizado, as unidades Cieja foram as que mais evidenciaram uma dinâmica de aula que

83

HAMILTON, David. Avaliação iluminativa: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores. In:

GOLDBERG, Maria Amélia et al. Op. cit., p. 41. 84

Além disso, o tempo imposto para o término dessa dissertação não o permitiu, pois o prazo finalmente destinado a contatos com escolas, visitas e observação acabou ficando delimitado para os meses de novembro a janeiro, período em que as instituições escolares estão promovendo avaliações, reuniões de coordenação ou em férias.

se destacasse nesses aspectos, mas os estudantes não utilizavam livros didáticos. Só os professores o faziam, em geral para extrair atividades ou textos para os alunos.

Pode-se concluir, portanto, que, na educação de jovens e adultos, o livro didático está presente nas salas de aula apenas como recurso material extra que auxilia o professor em sua prática pedagógica — conforme já se havia afirmado anteriormente. Até mesmo na instituição em que ele estava formalmente adotado pela classe, a professora demonstrou usá-lo conforme as estratégias por ela elaboradas previamente, o que reforça a idéia de que o livro didático pode ser usado como suporte, por professores preparados, não como muleta de professores despreparados. No tocante aos alunos, entretanto, o livro se presta mais como um bem em si, e não como um veiculador de conteúdos dos quais eles se apropriam ativamente, contrariamente ao que se costuma conceber no senso comum, ou imagina-se que se conceba pelo menos no processo de edição.

Se essa avaliação for de fato pertinente, cabe perguntar: a que se deve tal distanciamento? Por que o livro didático (o livro analisado) não se realiza como objeto de conteúdos culturais para o aluno, o aluno de EJA? Por que ele não dialoga com o estudante, o estudante de EJA?

Um estudo da destinação dessas obras, com base nos dispositivos editoriais escolhidos em sua produção, presta-se a responder a esse tipo de indagação.

3. Livros didáticos para educação de